quinta-feira, 17 de julho de 2025

O AMIGO PERGUNTA SOBRE MELANCOLIA

 



“Você descreve melancolia de uma forma completamente diferente do que se entende, em geral. Melancolia não é uma tendência à tristeza?”

FD: Você tem razão. Qualquer dicionário dirá isso. Mas Freud usou esse nome para descrever um tipo de luto patológico, uma doença, por causa de sua origem grega: melanos: negro + colis: bile.

Seria o sentido original, o envenenamento pela bile negra, um veneno que vem de dentro, não de fora. É como se a pessoa se envenenasse sem perceber: um auto-envenenamento inconsciente.

A melancolia descrita por Freud é uma forma de luto patológico situada entre neurose de transferência e vício sadomasoquista. O sujeito melancólico, ao perder uma figura cruel (como um pai ou mãe narcisista), internaliza esse modo de ser e passa a agir cruelmente com os outros — como se encenasse a relação perdida:

1º tempo: o sujeito age como o ente perdido — cruel, agressivo, destrutivo.

2º tempo: sofre com culpa e autocrítica severa — como se fosse a vítima que nunca pôde se defender.

Isso cria uma encenação sadomasoquista onde o sujeito é ao mesmo tempo o agressor e o agredido.

A repetição ocorre em vínculos afetivos e profissionais, como uma “neurose de transferência invertida”.

Essa descrição se aproxima muito da ideia de uma “síndrome do dedo podre às avessas” — onde não é o outro que fere, mas o próprio sujeito que reencena a violência recebida, buscando inconscientemente ver no outro a resposta que nunca pôde dar.

(Na foto, segundo os antigos, os humores vinham da bile).






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terça-feira, 15 de julho de 2025

DO “FREUD EXPLICA” PARA O “FREUD INVESTIGA”

 


Para mim, o texto mais importante de Freud é “Construções em análise”: foi quando ele deixou o “Freud explica” para trás em favor do “Freud investiga”. 

Foi esse texto minha bússola teórica desde 1976, quando comecei a estudar Freud, pela marca de seu espírito científico: ele estava inaugurando uma proto-ciência, não uma crença.

Construções em Análise (1937) é um dos textos mais sofisticados e reflexivos de Freud, escrito já no fim da sua vida. Nele, Freud se afasta da ideia de que o analista apenas interpreta elementos isolados — como atos falhos ou sonhos — e propõe que o trabalho analítico envolve construir narrativas sobre a história psíquica do paciente.

Principais ideias do artigo:

• Freud compara o analista a um arqueólogo: ambos trabalham com fragmentos — no caso da psicanálise, fragmentos de lembranças, associações e comportamentos — para reconstruir algo que foi esquecido ou reprimido.

• A construção é diferente da interpretação. Enquanto a interpretação se aplica a um dado isolado, a construção apresenta ao paciente um fragmento coerente da sua história primitiva, que ele havia esquecido.

• Freud reconhece que o paciente pode reagir com um “sim” ou “não” à construção, mas alerta que essas respostas não são definitivas. O “não” pode indicar resistência, e o “sim” pode ser apenas uma aceitação superficial. O que importa são as confirmações indiretas que surgem ao longo da análise.

• Ele também critica o uso abusivo da sugestão, quando o analista tenta convencer o paciente a aceitar uma construção. Freud defende que o analista deve escutar e construir, não impor.

• A construção tem valor terapêutico mesmo quando não é lembrada literalmente. Se o paciente se convence da verdade da construção, isso pode ter o mesmo efeito que uma recordação autêntica.

Freud termina o texto refletindo sobre a diferença entre verdade histórica e verdade material. Para ele, o que importa na análise não é apenas o que de fato aconteceu, mas como o sujeito viveu e registrou aquilo psiquicamente.

Esse artigo é uma verdadeira síntese da maturidade clínica de Freud. Ele já não busca certezas absolutas, mas sim sentido e transformação.




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