segunda-feira, 30 de junho de 2025

PERVERSÃO X VÍCIO

 


A renegação (“dane-se, vou fazer”) é o mecanismo de defesa que produz os vícios.

Tradicionalmente, a renegação era ligada ao que se chamava de “perversão”. A doença perversa seria uma contraposição às neuroses: enquanto as neuroses sempre parecem esquisitas a quem sofre delas – como ter medo irracional de baratas – a perversão pareceria resultado de uma vontade consciente, não causa estranhamento, ainda que tenha os outros componentes da doença (compulsão, repetição, aluguel mental e dano causado a si ou/e a outros).

No entanto, resolvi não chamar esse grupo de doenças de “perversão”, pois a palavra tem uma conotação de maldade, de julgamento moral que não cabe na psicanálise que proponho, justamente por soar como um desses rótulos do Superego. Preferi chamar esse grupo de doenças de “vícios”.








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O AMIGO PERGUNTA SOBRE NOJO

 


“Ter nojo é normal, ou é coisa de obsessivo?”

Francisco Daudt: “Os dois”, seria uma boa resposta. Explico: o nojo, ou repugnância, faz parte de nossos programas genéticos que servem à sobrevivência, junto com os medos de escuro, de estranhos, de altura, confinamento, répteis, grandes insetos voadores, e o principal deles: de desamparo.

Para se ter uma ideia de como isso não é aprendido, a primeira vez em que alguém tiver contato com carne podre, vomitará no ato. Ninguém lhe ensinou isso; a coisa veio com a máquina.

Essa é a parte normal. Vamos à outra: o nojo aprendido. Ele - como o original - estará voltado para as “impurezas”. Mas “impureza” é um conceito muito flexível, totalmente percentual… exceto para o Superego binário de quem tem perfil obsessivo: este só considera duas categorias, o puro e o impuro.

“Esse seu quarto está nojento” dá bem a dimensão relativa do conceito de repugnância: não há nada de podre nele, só está bagunçado, mas… para a extensão cruel daquele Superego, o bagunçado e impuro, logo, nojento.

As coisas se complicam mais quando o sexo está na questão. A atividades sexual envolve (potencialmente) intimidades com saliva, genitais, outras partes do corpo igualmente consideradas impuras. O Superego pode bem encrencar com elas.

Nessa hora, entram em ação potenciais diluidores do Superego: o álcool e o tesão. O tesão muda as relações de custo-benefício habituais, fazendo com que os nojos obsessivos desapareçam… pelo menos enquanto o tesão durar.

Nossa relação com o Superego é tal, que até uma face transgressora, um “dane-se” do nojo pode entrar em pauta como meio de excitação, como é o caso de envolver fezes e urina nos jogos eróticos: “ah, é nojento, Superego? Então vê só!”

De modo que, voltando à sua pergunta, o nojo tem sua face protetiva da saúde, mas tem um potencial neurótico atrapalhador de nossa vida. Nessa hora, entra o critério que determina se algo é sintomático ou não: o dano causado. Se o nojo te impede de ter vida sexual, bem… ele é sintomático.








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CUSTO x BENEFÍCIO: AVALIAÇÃO INCONSCIENTE PARA CADA ATO NOSSO

 


“Muito caro para pouco prazer? Não!” Essa é uma questão óbvia quando estamos diante de uma vitrine, mas ela se apresenta, conscientemente ou não, diante de cada um de nossos atos.

O fato de você ter chegado até aqui na leitura deste texto indica que o benefício venceu: elementos como a curiosidade, as experiências prévias com o que escrevo, o brincar com as telinhas, e outros tantos que jamais saberemos entraram na conta, pesaram no prato da balança onde vão os benefícios… e ela apontou para o “vou ler”.

Mas há custos inconscientes - e muitas vezes irrealistas - que podem produzir inibição, podem nos assustar: os custos do Superego. Alguns são muito claros, tipo “humm, eu bem que gostaria, mas o que vão dizer de mim?”, ou “eu posso ser pego em flagrante!”, ou ainda “ah, ela nunca vai olhar para um cara como eu…”

Outros custos do Superego são mais sutis: “ah, dane-se, não vou fazer só porque meu pai disse pra eu fazer. Ia ser bom pra mim, mas não quero ser um menino obediente”.

O mais curioso deles é quando a gente gosta muito de fazer algo, mas aí vem o Superego e nos diz: “Ah, tá gostando? Pois agora você tem que fazer isso todos os dias!” O que era gosto vira imposição. Fica muito custoso…

A vantagem de ter-se consciência desse processo é poder discutir consigo mesmo: os custos do que você quer são realistas, ou são custos de suas neuroses.

Ah, e os benefícios? São realistas ou são ligados à sua vingança contra o Superego, o famoso “dane-se”?







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ALGORITMO (aprendi hoje)

 


Um algoritmo é uma sequência finita de instruções ou operações bem definidas que são seguidas para alcançar um objetivo específico, como resolver um problema ou executar uma tarefa.

Uma receita de bolo é um algoritmo, p.ex.

A origem da palavra é o nome do sábio persa que criou os algarismos arábicos. A propósito, "algarismo" também vem do nome dele.







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AS LEIS ERRADAS DO SUPEREGO

 


Como resultado do medo do desamparo, fomos absorvendo no Superego, desde cedo, várias crenças e leis que vieram de nossa criação, mas que são convicções erradas.

Elas serviam ao que o senso comum da época considerava certo, e foram reproduzidas por nossos pais ou criadores de modo a que nos adaptássemos ao mundo, e que não déssemos problema em casa.

Não houve má intenção dos pais no processo, apenas incompetência natural de dar conta de nossas singularidades, já que eles próprios foram atropelados pelo mesmo tipo de criação de poder concentrado: um ou dois criadores têm um trabalho imenso e uma limitação maior ainda de fazer uma educação dos filhos que atenda a suas complexidades.

Meu exemplo caricatural dessas leis erradas é uma que já saiu de moda, por tão absurda que era: “não pode ser canhoto!” As crianças nascidas assim eram obrigadas a amarrar suas mãos esquerdas para só usar a direita.

Assim, acabavam “ambidestros”, pois não perdiam a habilidade da mão esquerda, mesmo ganhando a da direita. O último exemplo que me lembro dessa esquisitice foi o comediante e entrevistador Jô Soares.

(Na foto, Jô me entrevistando quando do lançamento do "Natureza humana", em 2014)







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O AMIGO PERGUNTA SE OS CÃES TAMBÉM TÊM SUPEREGO

 


“Você diz que o Superego se forma por adestramento na infância, que nós somos adestrados, assim como os cães, e que eles também têm Superego. Pode explicar?”

Francisco Daudt. Você já viu “cara de cachorro que quebrou panela”? Pois é, eles também sentem culpa, também têm medo de que não gostemos mais deles, também temem seus Superegos, como nós.

Como isso se deu? Há 15 mil anos, lobos começaram a se aproximar de acampamentos humanos em busca de comida. Foi assim que os cães se tornaram os primeiros animais domésticos: eles foram adestrados às nossas conveniências, em troca de amparo.

A partir daí começou uma seleção artificial em que os mais dóceis eram mais amparados, e os mais rebeldes eram eliminados. Mais tarde a seleção artificial dos cães atendeu a conveniências diferentes, e nosso poder sobre eles criou raças especializadas para nos prestar diferentes serviços, como os cães pastores, cães de companhia, cães de guarda etc.

A diferença é que eles não desenvolvem independência e autonomia, nem saem de casa para morar sozinhos: isso é um potencial que nós temos e eles não. Eles não conseguem prover seu próprio amparo, eles vão precisar sempre de nós. Serão sempre fiéis servidores.

“Ah, mas meu cão não é servidor, eu é que o sirvo; ele é um tirano!” Pois é: ele foi adestrado por você para ser assim. Seu desejo de amparo foi reverso, você tem o amparo dele, você o treinou para o domínio. Chama-se isso de “codependência”. O cão fica parecido com esses filhos mimados, “tiranos de aldeia” que só mandam em seu quintal, incapazes de ir para o mundo. Ele continua sob seu domínio, só que ao contrário.

Mas voltando ao adestramento para formação do Superego, o ponto chave é o medo do desamparo. Não é tanto pelo medo da chinelada; o principal medo é dono (ou o pai/mãe) virar-lhe a cara, se você o desagradar. É assim que entra o “bug no sistema”, um software automático que parece falar de dentro da nossa cabeça, parece nos dar choques quando contrariamos suas leis.

Ok, os cães não têm saída, o Superego deles vai ficar intacto para sempre; aliás eles nem precisam de saída, pois o contrato com eles é diferente.

O que queremos para nós e para nossos filhos é diferente: queremos mandar em nossas vidas. Não queremos ser prisioneiros, nem da submissão, nem da rebeldia. Precisamos, para isso, nos libertar de nosso adestramento: eliminar do Superego suas leis idiotas (“você tem que ser outra pessoa!”) e tomar para nós suas leis corretas (“você tem que ser honesto!”).

Eu “tenho que ser honesto?” Coisa nenhuma! Eu gosto de ser honesto. Vou ser honesto por gosto, não por medo da cadeia, nem por medo do Superego.







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