quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Funcionamento do Cérebro Gay

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Saiu uma pesquisa sobre atividade cerebral de homossexuais, mostrando que seus cérebros funcionam como os das mulheres. O que o Sr. achou?

Fraca. Tudo o que a pesquisa fez foi mostrar que o cérebro pode ser masculino ou feminino, independentemente de a pessoa ser homem ou mulher, coisa de que já estamos cansados de saber. Receio que os tais homossexuais escolhidos sejam gays efeminados ou lésbicas masculinizadas. Não revela nada sobre orientação sexual.

Já atendi no consultório inúmeras mulheres héteros com cabeça de homem, e uma quantidade menor de homens héteros com cabeça de mulher. E gays com cabeça de homem, tanto quanto lésbicas com cabeça de mulher. Para quem não sabe o que é isso, a seleção natural foi desenhando estes perfis: homens silenciosos, objetivos e cúmplices na caça, bem orientados na volta à tribo, capazes de ficar horas quietos, olhando para a fogueira (televisão atual); mulheres comunicativas, bem falantes, tecendo uma rede de alianças sociais que as mostrasse onde ficava o melhor lugar de catar e colher, e que partilhasse com elas o cuidado com as crianças, capazes de fazer varias coisas ao mesmo tempo. Não é fácil transpor para os dias atuais?

A pesquisa diz que pretende se repetir em bebês, e acompanhar o desenvolvimento deles. Isto é interessante, mas também não diz nada sobre preferência sexual. Todas as pesquisas indicam que ela nasce com a criança. Genética? Congênita? Ainda não sabemos. Mas que o papel da educação é mínimo, sim, é o que tudo indica.

Consulta: Medo da Velhice e da Morte

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Acabei de fazer 60 anos e a velhice e a morte começam a me assombrar. O que fazer?

É coincidência, mas minha carteira de identidade me diz que também completei 60 anos recentemente. É sempre um marco. Quando eu tinha uns 20 anos, considerava que uma pessoa de 60 era um ancião quase morto. Alguém disse que “a vida é uma doença sexualmente transmissível com 100% de fatalidade”. Mas, como a lepra, é de deterioração lenta, o que nos faz ir nos acostumando com seu avanço. Ou mesmo desfrutando da nossa única idade: estamos vivos. Reparei que minha idade varia, ignorando o que diz o RG. A maior parte do tempo tenho 25. É muito confortável. Em outras horas (ou dias) tenho 17, o que é uma delícia, pois ter 17 aos 60 é ser um adolescente com sustento próprio, sabedoria de vida, sem precisar obedecer ou prestar contas a ninguém. É mais raro, mas às vezes tenho 10. Aí é uma festa de curiosidades, invenções e brincadeiras. Tudo isso com um programa “gente grande” dentro da minha cabeça, que existe exclusivamente para proteger a criança e o adolescente, e deixá-los brincar à vontade.

Minha mãe está com 95 e diz que “a velhice é aquela coisa” (que ela não fala palavrão). Tem suas razões, pois a despeito de uma cabeça ótima, mal vê, mal fala, mal ouve, mal anda. É capaz que a vontade de viver lhe suma, como sumiu de meu pai aos 102. Ele então se retirou para dentro de si e morreu em dois meses. De qualquer maneira, alguém mais disse: “A morte é um momento, e não há de me roubar da vida mais do que isso: seu momento”.

Consulta: Desejo de Vingança

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Meu marido me largou há três anos, mas ainda quero vingança. Isto é normal?

Não sei dizer, mas é triste. Porque o desejo de vingança pode ser uma prisão cruel. Você pode estar impedida de investir em novo relacionamento, ou com uma parte grande de seu capital afetivo e intelectual alugada por uma idéia obsessiva, o que é uma doença, ou usando seus filhos como artilharia contra ele, o que é pior. Ou querendo justiça por canais incompetentes, o que seria mais compreensível, ainda que ineficazes.

O desejo de vingança, como a raiva e a indignação, representam a origem, na natureza humana crua, da vontade civilizada de justiça. Tanto que sua primeira legislação conhecida era o “olho por olho; dente por dente”, hoje considerada pelos juristas como um tanto brutal. Tiradentes teve sua descendência condenada ao desterro por cinco gerações, mais branda que a condenação que Javé fez a Adão e Eva (expulsão do Paraíso por TODAS as gerações seguintes).

Mas no caso dos casais, tenho visto que as relações sadomasoquistas são mais duradouras que os casamentos. E não pense que o sadomasoquismo é aquele negócio de tachas e chicotes. Ele pode ser mais sutil. Um sádico explicito pode ser um masoquista enrustido, e vice-versa. “Oferecer a outra face” é um bom exemplo. Ninguém ficou sabendo o que gerou o primeiro tapa, mas, oferecida a outra face, um fica na posição de vítima (masoquista explícito), e o outro na de canalha (vítima do sádico sutil).

Consulta: Suicídio de Jovem

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Meu colega de colégio, 21 anos, se matou. Meu Deus, por que as pessoas se matam?

Meu Deus mesmo. Toda a minha compaixão pelo que você está passando. Você está lendo algo raro na imprensa: um artigo sobre suicídio. Por mais estranho que pareça, suicídios correm o risco de virar moda, eis porque a mídia é cautelosa sobre o assunto. Quando Rodolfo Valentino morreu, houve uma onda de “viúvas” que se mataram nos Estados Unidos, umas imitando as outras. Nelson Rodrigues nos conta que a década de 20 teve um surto de pactos suicidas entre jovens namorados rejeitados por suas famílias. O ser humano é o único animal que pensa no futuro e sabe que vai morrer, e, portanto, que tem esta decisão em suas mãos. A idéia de se matar, é curioso, mas produz alívio: “Pelo menos eu tenho uma saída”. Ela tem vários graus: “Gostaria que Deus me levasse” é o mais leve. O planejamento detalhado é o mais grave. Na verdade, ninguém quer morrer. É uma decisão feita sob coação: se a dor passasse, a pessoa quereria continuar vivendo. Nossa questão é: como fazer passar a dor? Seu amigo certamente viu-se sem saída. Muito freqüentemente somos impotentes, e nos sentimos, sem razão, culpados. Afora o suicídio por vingança, o que deseja que alguém se sinta muito culpado – e costuma ser ineficiente, por isto me desperta especial piedade – os outros traduzem um momento de desesperança impenetrável. Chore por seu amigo, e lembre que ele afinal descansou.

Consulta: Adoção de Filhos

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Sou mãe de dois filhos adotivos, e me irrito quando me dizem que eles não são meus filhos “verdadeiros”. O que o Sr. tem a dizer?

Você tem toda a razão de se irritar. Um doador de esperma, por acaso, é um pai “verdadeiro”, ou é um simples masturbador de material genético? É claro que você vê orgulho nos pais biológicos que também desempenharam a paternidade. Seus filhos têm seus traços, seus trejeitos, suas heranças biológicas. Eles são pequenas miniaturas deles. A mãe natureza quer esse vínculo, para benefício das crias. A tolerância de pais biológicos para um “sangue ruim” que a loteria genética lhes produza será maior do que a de pais adotivos.

Mas, afinal, o que é um pai ou mãe “verdadeiro”? É aquele que produziu as condições para que a criança se torne uma pessoa, um indivíduo. São aqueles que desempenharam funções de pai e de mãe (continuação do ventre = nutrição; calor e proteção, função de mãe; apresentação suave para viver no mundo, função de pai. Que podem ser desempenhadas por quem quer que esteja interessada na criança: mãe, pai, babás, avós, curadores de orfanatos etc.)

Quando um embrião se torna um ser humano (desenvolve um sistema nervoso que o permita sentir alguma coisa), vai precisar dessas funções para se tornar uma pessoa. É um trabalho danado, um investimento amoroso enorme. A “verdade” está com quem toma este empreendimento.

Consulta: Vejo o BBB. Sou Idiota?

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Big-brother terminou, e confesso que fiquei fascinada por ele. Isto faz de mim uma idiota?

Não. Confesso que, se você me perguntasse isso há alguns anos, eu ficaria reticente na resposta. Mas, com o passar do tempo, e mesmo sem assistir ao programa, só ouvindo o que os pacientes dizem dele, fui entendendo que há dois fatores que fazem do BBB um marco histórico na TV brasileira: o primeiro é que é um programa altamente passional apropriado pela audiência. Não há registro anterior de tal fato. As telenovelas tiveram o seu tempo em que as pessoas as comentavam dizendo que “estavam passando pelo quarto da empregada e viram que…” Esta época passou, e as novelas se tornaram um marco de reflexão sobre os costumes para a maior parte do povo brasileiro. E a audiência quase que se apropriou delas, induzindo seus caminhos através de pesquisas de opinião. Diria que o BBB está naqueles tempos, evoluindo para o atual. A diferença é que o público do BBB premia ou pune semanalmente o comportamento de seus “atores”. A audiência é o patrão! Eles são os verdadeiros Grandes Irmãos.

O segundo fator é o Pedro Bial. Nem sei dizer se ele é o segundo. Ao longo de 8 anos ele vem se tornando cada vez mais espontâneo, compassivo, respeitoso, brincalhão, didático, usando uma bagagem de conhecimento, uma inteligência e uma capacidade de adaptação de linguagem espantosa, na mais delicada forma de expressão televisiva: a TV ao vivo! Definitivamente, você não é idiota.

Consulta: PROF. SOBREIRA ESCREVE-ME

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Recebi uma carta adorável do Prof. Sobreira. É um professor aposentado das ciências humanas, que, apesar de sempre ter acreditado que não existe natureza humana, que nos formamos a partir da cultura que nos cerca, admira e lê meus textos. Que falam sempre o contrário do que ele pensa: que somos formados meio-a-meio, genética e cultura; que os mamíferos não são tão diferentes de nós; que temos instintos que nascem conosco; que a formatação de nossos cérebros como masculinos ou femininos vem com a hereditariedade; que a homossexualidade se apresenta desde o nascimento, enfim, que assim como Edgar Morin (“O paradigma perdido: a natureza humana”, 1973), estou convencido de que não somos uma criação em separado, mas parte integrante dos seres do planeta. Ele quer que eu explique melhor meus pensamentos.

Pois. Quando quis ser psicanalista, vindo da medicina clínica, adentrei alguma coisa que se parecia uma religião: instituições bem reputadas de ensino com dogmas inquestionáveis e sacerdotes (os analistas didatas) guardiões dessas verdades imutáveis. Como era médico, cientista acostumado a questionar “verdades”, fiz o que Freud fez: tornei-me independente, um pensador despudorado. Por isto me tornei permeável a disciplinas externas, como a psicologia cognitiva, a neurociência e ao neodarwinismo, minha maior paixão depois da lógica. As humanas, no Brasil, vêm sendo contaminadas há décadas pelos filósofos franceses, relativistas e culturalistas. Eles têm aversão às ciências exatas, a conceitos claros, à neurociência, ao evolucionismo. Tenho uma sugestão: leia “Tabula rasa”, de Steven Pinker, que, como eu, adora a razão, a clareza e a argumentação transparente.