segunda-feira, 17 de julho de 2023

FUNCIONAMENTO DO SUPEREGO - parte 4

 


Agora o Superego está instalado… mas não completo. O processo de adestramento que o formou vai continuar a construção dele, em um processo de “machine learning” semelhante ao usado pelas inteligências, tanto a artificial (I.A.) quanto a natural: aperfeiçoamento através de dados novos e correção dos antigos.

O seu princípio básico de funcionar com modelos inalcançáveis (“seja um santo; seja um gênio; seja fodão”) e antimodelos assustadores (“não erre; não seja ingrato; não tenha raiva de seus pais; não seja merda etc.”), e operá-los na base da chantagem (“senão… já sabe: desamparo”) e dos choques (vergonha, medo, angústia, culpa) já está instalado, e não se desinstalará nunca mais: mesmo que enfraqueça percentualmente, não chegará a zero.

- (Não é uma equação sem saída: as crianças podem absorver princípios éticos e de bom funcionamento através de virtudes ensinadas como vantagens para ela; mais tarde, o poder do Superego diminuirá, se aprendermos a ouvi-lo como algo em nós, e a discutir suas leis).

Mas ele ainda conta com um truque para se manter no poder: a naturalização. Assim como tiranos sugerem que eles são investidos pelos deuses para governar, que tudo sempre foi assim, que isso é “natural”, o Superego conta com nossa incapacidade de estranhamento: nenhuma criança que nasceu vendo tartarugas verdes andando pelo teto vai achar aquilo estranho. Elas simplesmente não têm como estranhar o Superego, muito menos questioná-lo. Ele passará despercebido… e como natural.

Não é seu único truque de manutenção da tirania. O outro é a sedução: “Confunda-se comigo e você será tão poderoso quanto eu!”, diz ele. “Faça com seu irmãozinho o que fizeram com você! Cause-lhe terror de desamparo!”

Mais tarde, em um outro ambiente em que o Superego costuma ser reforçado (a escola), a criança olhará o bully como um novo tirano poderoso, e ficará tentada a se identificar com ele, a fazer bullying com algum colega mais fraco.

É o “passa diante, senão vira elefante!”, uma brincadeira perversa dos meus tempos de escola: você levava um cascudo do colega da carteira de trás, e quando virava para reclamar, ele dizia a frase fatal. Naquela hora, sem saber, você estava seduzido para operar como Superego do colega em frente.

Sem saber, você estava se confundindo, por sedução, com seu próprio Superego!




COMOÇÃO CAUSADA PELO TITAN X INDIFERENÇA COM EMIGRANTES - O AMIGO PERGUNTA

 



COMOÇÃO CAUSADA PELO TITAN X INDIFERENÇA COM EMIGRANTES

De Renato Capper : “Como pode ser entendido o contraste entre as duas repercussões, Titan e naufrágio de emigrantes? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?”

Francisco Daudt: Para tentar entender isso, somam-se a psicanálise e a psicologia evolucionista:

1. Há processos de identificação envolvidos: é muito mais provável que as pessoas tenham se identificado com aventureiros curiosos (e fascinados com o Titanic, como enorme parcela dos que veem notícias) do que com criaturas desesperadas em fuga.

2. Há medos naturais tocados em nós (confinamento, escuridão, isolamento, e principalmente desamparo: ajuda impossível).

3. Há torcida e expectativa, há tensão e acompanhamento, há vontade de ver os vídeos produzidos, há portanto investimento de tempo e emoção.
Há personalização: em técnica de roteiros, isso se chama “plantar um cachorro”. O filme mostra por mais de dez segundos um cão que não é personagem central. A partir daí, há transferência afetiva para o cão, ele se torna um “amigo”, e vamos sofrer quando inevitavelmente ele vier a se machucar/perder/morrer.

4. Há o contraste de pessoas bem-sucedidas empreendendo uma aventura cara e o resultado trágico dessa aventura, algo parecido com o próprio desastre do Titanic; algo que nos diz baixinho, “não há garantias…”

5. Por fim, infelizmente, há a banalidade do mal. Por mecanismo de defesa, a tendência é que se veja a morte de uma população sofrida como se vê perdas em combate na Ucrânia: mais raiva pelas causas (uma abstração ideológica) que compaixão pelas pessoas (uma dor individual que provoca identificação, “e se fosse comigo?”).

De modo que, a rapidez em condenar os que ficaram mais abalados com o caso do Titan só está a serviço das demonstrações de superioridade moral e da patrulha ideológica dos ofendidos. Ela, infelizmente, não traz benefícios para os desvalidos. Só traz raiva contida, por causa do julgamento injusto.





EVOLUCIONISMO E SUPEREGO

 


EVOLUCIONISMO E SUPEREGO

“Em que a psicologia evolucionista te ajuda, na pesquisa psicanalítica?”

Francisco Daudt: A entender a origem e a força do Superego, principalmente.

Olha só a sequência: nosso cérebro é o maior que existe (na relação corpo/cérebro, claro). Portanto, nascemos prematuros (ou as mães morreriam de parto). Portanto, precisamos de amparo por anos. Portanto, nosso maior medo é o desamparo. Portanto, aprendemos bem cedo o que pode desagradar e agradar nossos pais.

É assim que o Superego se forma: segundo as leis de agrado/desagrado de nossos pais, e de nossos subsequentes amparadores.

Para piorar, nenhuma mãe dá conta sozinha de um bebê. Portanto, as mães também precisam de amparo. Portanto, nossa espécie cria e depende de laços sociais.

Está vendo o poder do Superego? Ele age sobre nós através da ameaça de desamparo, a mais terrível das ameaças.




DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE Capítulo 6º Neuroses

 


DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE Capítulo 6º Neuroses

Hipocondria

Ainda que descrita por Freud como neurose, a hipocondria me parece mais fronteiriça com os vícios. Também parece ser uma derivação frequente do perfil narcisista.

O nome hipocondria vem do grego, “doença de debaixo das costelas”, região do abdome onde gases retidos podem provocar pontadas e dores que, ainda que agudas, não têm gravidade… mas podem ser confundidas com males cardíacos, podem levantar suspeitas de algo sério, podem produzir obsessões sobre o estado de saúde de quem as têm.

É isso: uma doença baseada em suspeitas obsessivas de doença grave. Seu caráter narcisista diz respeito ao seu excessivo grau de auto-observação, de tempo investido em auto-exame, de atenção desmesurada sobre o próprio corpo e sobre o que pode atingi-lo.

A cultura familiar pode ser um fator de sua origem. Há famílias em que o zelo para prevenir doenças (evitar as friagens, o sereno, as correntes de ar, agasalhar-se bem, cobrir a cabeça, a obsessão com a alimentação saudável, os medos do que provocaria câncer etc.) se confunde com demonstração de afeto. Isso é uma presença frequente na história do hipocondríaco. Sim, há culturas hipocondríacas.

Novamente, será considerado doença pelos critérios percentuais de dano causado, de sequestro de energia, de incapacitação/restrição para investimentos prazerosos.

Nas formas graves, envolverá peregrinação a vários médicos - até achar aquele/s que endosse/m as suspeitas (incluindo o descarte/desconfiança dos que apontarem a hipocondria como sendo o verdadeiro problema); o acúmulo de remédios atuais e passados (parece que nenhum será jogado fora, a verdadeira farmácia de um acumulador); a via crucis de exames complementares, quanto mais caros e complicados, melhor; cirurgias desnecessárias (essas sim, trazendo risco de vida).

Molière, o dramaturgo francês do século XVII, fez uma caricatura da doença em sua peça “O doente imaginário”. Bem, mas os quadros mais graves não ficam muito distante do que retratou. Exceto que hoje, com a sofisticação tecnológica dos exames complementares e das cirurgias, a coisa só faz piorar.

Eis porque tendo a colocar a hipocondria na categoria de vício: ela consola e dá sentido compensatório a vidas frustradas, além de servir de base para outro vício: o vitimismo.

Combatê-la não é fácil, já que narcisistas dificilmente se reconhecem como parte do problema. E há outro fator de resistência: a/s doença/s imaginária/s lhes serve/m de álibi para não fazer mais nada e para requerer constante atenção dos outros.

Chama-se a isso “resistência do benefício secundário”: o ganho que ele tem com sua doença a faz mais preciosa ainda.





FINALMENTE! A REVOLUÇÃO DO ENSINO COMEÇOU!

 


Venho defendendo a ideia de transformar as escolas em espaços de aprendizagem de CONVIVÊNCIA CIVILIZADA E DEMOCRÁTICA, com leis e debates sobre isso, deixando o aprendizado de conteúdo nas mãos de TUTORES INDIVIDUALIZADOS de I.A..

Como se cada aluno contasse com um professor particular, em permanente avaliação de suas capacidades e interesses, com apenas um currículo básico como genérico, o mais seria no atendimento específico.

Essa é minha ambição, em termos de democracia: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES! Deste modo, um aluno de Quixeramobim teria tantas oportunidades de desenvolvimento quanto um aluno da Eleva, do Jorge Paulo Lemann.

Pois parte do meu sonho começa a se tornar realidade… em Harvard!






A PSICANÁLISE COMO PSEUDOCIÊNCIA - O AMIGO PERGUNTA

 


De Lucas Peccin: “Você viu que a Natália Pasternack inclui a psicanálise na lista das pseudociências? Isso me deixa indignado!”

Francisco Daudt: Lucas, não há porque brigar por isso, mesmo porque ela tem boa parcela de razão, e eu tenho muita admiração por ela.

Nós estamos fazendo algo de muito novo, e vamos conquistar nosso público com isso: a psicanálise como protociência, aspirante ao conhecimento verdadeiro, aderente ao método científico quando possível, humilde machine learning em processo, reconhecedora de seus limites e de sua ignorância, com vontade de saber, de investigar, sem dogmas nem interpretações irrefutáveis tiradas da cartola; o cliente é nossa bancada de testes: o que ele refutar será jogado fora.

A psicanálise precisa se tornar respeitável primeiramente para nós mesmos! O resto será consequência da nossa sinceridade.





SUPEREGO - ORIGEM E FUNCIONAMENTO - parte 3

 





O Superego está, portanto, ligado a raizes biológicas fortíssimas: nosso software de sobrevivência, nossos impulsos de autopreservação. Tudo isso através do medo do desamparo.

Eis porque o Superego age de forma dramática e com senso de urgência: nada é para depois; tudo é grave.

Eis porque o Superego age nos dando choques: horror; repulsa; vergonha; culpa; ridículo; angústia; fobias e pânicos.

Eis porque é difícil perceber seu conteúdo ideativo (a “argumentação” do Superego): ela não aparece; só aparecem o choque, o drama, o alarme. Todos eles exigindo reação imediata: arrependimento, fuga, luta, repulsa.

A maneira como o absorvemos é capaz de dar uma pista de seu conteúdo: são modelos impositivos (“você tem que ser assim!”) e antimodelos repulsivos (“tudo, menos ser assim!”).

Qualquer xingamento que cole (nos cause ofensa ou choque) para nós será um antimodelo do Superego: fraude, farsa, imundo; vagabundo; bagunceiro; preguiçoso; viado/bichona; puta/sem-vergonha, idiota etc., todos esses podendo ser resumidos num só: “você é um merda!”

A lista é infindável, mas ela cai naquela definição do pior palavrão do mundo: é aquele que nos atinge, pois pensamos que ele pode retratar nosso lado sinistro/oculto, nossa realidade envergonhada.

Mas como o Superego é blindado quanto a seus conteúdos - é um juiz que nunca faz uma acusação clara, da qual possamos nos defender -, acabamos por não entender bem porque aqueles adjetivos nos atingem tanto, só sabemos que ESTAMOS EM PERIGO DE DESAMPARO, e isso é grave.

É daí que vem a repressão. É daí que vêm aquelas que consideramos “nossas verdades ocultas”, nossos monstros no porão, nosso inconsciente reprimido, a parte chata do nosso Id (“Algo em mim é perigoso!”).

Já posso adiantar que, quando a psicanálise entende esse “porão”, em vez de aparecer um monstro imundo saindo de debaixo da cama, aparecem desejos legítimos misturados a uma mitologia do senso comum familiar, que os distorceu.

Dois grupos de desejo em especial são alvos dessa mitologia familiar: os sexuais e os de justiça.

Os sexuais dão “tesões inaceitáveis;

os de justiça dão “raivas inaceitáveis”.

Só isso. Trazidos à luz, pode-se finalmente discutir o que eles têm de valor, e o que, por direito, a pessoa pode ter deles.

Ou, como me disse um cliente: “Eu não quero ter que ser fodão, eu só quero ser bom! Eu não quero morrer de medo de ser um merda, eu só quero poder errar e depois corrigir, ser incompleto, ter fragilidades!”






DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE 6º capítulo - Neuroses 3

 


DIAGNÓSTICOS EM PSICANÁLISE 6º capítulo - Neuroses 3

Neurose histérica

Ela é resultado da repressão do desejo sexual, que o Superego da pessoa considera como algo degradado, através de dois antimodelos: a puta, para o desejo hétero das mulheres; e o viado, para o desejo homoerótico dos homens.

Desse modo, quando o desejo surge, o Superego acusa, a angústia aparece. É a hora de entrar a repressão, como mecanismo de defesa.

A repressão, como vimos, desaparece com a consciência do desejo e a substitui por algo irreconhecível. No caso da histeria, o substituto é alguma anomalia corporal: a cegueira, a paralisia, o desmaio etc. Sempre corporal, sempre referido ao desejo inicial, sempre de início súbito, relacionado com o momento em que o desejo proibido foi despertado.

A partir dali, o problema estava deslocado: não era mais uma questão de desejo, e sim de saúde corporal. Não há mais angústia: há sintoma.

Na primeira vez em que Freud pôde entender o conteúdo do sintoma histérico, a paciente (Anna O.) estava com uma paralisia do braço que a mantinha com a mão estendida.

Pela hipnose (feita por Joseph Breuer), puderam saber que ela havia visto o pênis do pai pelo pijama entreaberto, e desejado estender a mão para tocá-lo. Foi quando a paralisia se deu… mas manteve a mão estendida: uma espécie de solução de compromisso entre o desejo e sua proibição.

Como ela é resultado da repressão do desejo sexual, e os costumes mudaram, a histeria está ficando cada vez mais rara. O último cliente que entrou com sintoma histérico no meu consultório foi há mais de 30 anos, e o desejo em questão era homoerótico pedófilo. Ele virou a cabeça para observar a bundinha de um menino de doze anos na piscina, e na mesma hora se instalou um torcicolo severo. Entrou na sessão usando um colar de Minerva para imobilização da cervical.

A investigação descobriu o que descrevi acima, discutimos seu direito ao desejo, a diferença entre pensar (não causa dano a ninguém) e agir, pusemos em questão a tirania das leis de seu Superego, e… ele retirou o colar, curado do torcicolo: uma daquelas curas, dramáticas e clássicas, da histeria.

Mas no século XIX, quando Freud a descreveu, a coisa era tão comum que havia até a personalidade histérica: a mulher (majoritariamente) hipersedutora, jogando charme sem parar, até que o homem tomasse um passo adiante. Nessa hora, ela, escandalizada, dizia: “Mas o que você está pensando? Não é nada disso, eu não sou dessas, eu só estava sendo simpática!”

Ou seja, ela foi levada por seu Superego a encontrar um jeito de dizer que são os outros os erotizados, que ela não tinha desejo nenhum. Um mecanismo de defesa chamado “projeção”, uma espécie de terceirização do crime.

Novamente, hoje em dia ainda é possível se encontrar comportamentos histéricos, mas em homens, que são levados a terceirizar seus desejos homoeróticos: altamente sedutores de outros homens, até que alguém lhes dê uma cantada. Reagirão com escândalo… ou mesmo violência.







SÓFOCLES, O PSICANALISTA QUE CUROU ÉDIPO DE SEU COMPLEXO

 


Adoro a orelhada como método de aprendizado. Olha só o que o Flavio de Campos me contou, e eu não sabia:

“Estou traduzindo 'Édipo em Colono', última peça que Sófocles escreveu. Nela, temos um Édipo que superou a culpa e argumenta que tudo o que fez, fez sem saber o que estava fazendo - matou o pai sem saber que era o pai dele, casou com a mãe sem saber que ela era mãe dele. Em 'Édipo em Colono', Édipo tb diz que ter cegado a si mesmo foi uma hubris, uma desmesura das emoções.”

Ou seja, Sófocles percebeu a injustiça do complexo de Édipo (literalmente), e escreveu uma peça, corrigindo-a!

É exatamente o que um psicanalista tem como missão de consultório: investigar a história de seu cliente para entender as crenças infantis que lhe foram injustamente metidas na cabeça, e que o torturam pela vida afora, e assim libertá-lo delas, fazer justiça. 







COMO SE FORMA O SUPEREGO - PARTE 2

 


O Superego impõe comportamentos através de ameaças. Uma espécie de adestramento aos valores do senso comum doméstico. Pode parecer que esses comportamentos sejam valores morais úteis, mas infelizmente não é só assim.

Como cada família tem seu senso comum, haverá casas em que a lei seja: “Comporte-se como um fodão! Não aceitamos merdas nesta casa!” (O exemplo é literalmente o que o pai do Trump disse para ele, na infância: “No losers in this family!”). Já se percebe que, nesses casos, o Superego não é o herdeiro da dissolução do complexo de Édipo, mas a sua verdadeira manutenção!

A pessoa carregará os ruídos de sua infância, as besteiras do senso comum da casa, as leis idiotas que foram aceitas como uma questão de sobrevivência, mas que agora são capazes de lhe perturbar pela vida afora.

O Superego se manterá como um enclave tirânico de nossa infância, carregado por um Eu (Ego) que teme suas lambadas, seus choques, suas acusações, suas ameaças.






COMO SE FORMA O SUPEREGO

 


Primeiro, equalização de nomenclatura: por razões práticas, vou usar os clássicos Ego, Id e Superego. Eles têm ganhado nomes novos, como “Eu, Isso e Super Eu”, mas, por razões de clareza, faço questão de traduzir seus nomes alemães originais:

Das Ich (o Eu);

Das Es (equivalente em inglês ao “The it”, como não temos pronome neutro em português, chamarei de “o Algo em mim”);

Das Überich (como “Super Eu” parece um Eu com superpoderes, prefiro a acepção alemã: “O Acima de Mim”).

1. Leitura freudiana - o Superego como parte da solução:

A resposta freudiana tradicional é que, quando a criança aceita a “castração” (equivale dizer, aceita os poderes do mundo externo sobre ela), seu complexo de Édipo se dissolve, e ela:

a. renucia ao amor/posse da mãe e abandona sua rivalidade com o pai;

b. absorve os valores da cultura, os “pode e não pode” e os “deve e não deve”, que passarão a vigiá-la e puni-la desde essa nova instância mental: o Superego.

O Superego é, pois, o herdeiro da dissolução do complexo de Édipo.

Dessa maneira, na leitura freudiana, o Superego seria muito bem-vindo, indispensável ao processo civilizatório, guardião da moral e dos bons costumes. Todos os nossos males viriam de não acatar bem suas ordens, não atender bem a seus ideais, não estar à altura deles. Seríamos permanentemente adestrados por seu poder de nos causar “angústia de castração”, a cada vez que saíssemos da linha.

2. Minha leitura: o Superego como parte do problema:

Minha leitura da formação do Superego tem divergências com a anterior: ela inclui dados da psicologia evolucionista e décadas de investigação psicanalítica da formação do Superego dos clientes. O que me levou a uma conclusão bem diferente: o Superego é parte ativa dos nossos problemas psíquicos, e nossos valores/ambições/metas não devem ser propriedade dele, e sim nossa, de nosso Ego.

Eis como entendo a formação do Superego: nascemos com softwares inatos. O DNA nos imprimiu um impulso de buscar prazer (que acaba nos levando a replicá-lo) e outro de evitar desprazer (que nos mantém vivo para realizar a tarefa anterior).

Outros softwares vêm igualmente com a máquina, para o bem ou para o mal, como o de orientação sexual, inteligência, obsessividade, narcisismo genético, TDAH, perfil mental masculino ou feminino (desvinculado da orientação sexual, ou mesmo do sexo de nascença), aptidão para exatas ou humanas etc. Todos esses inatos formam o Id, enquanto não somos conscientes deles.

Mas são o de prazer/desprazer que mais estarão implicados na formação do Superego. O Ego é o primeiro desses programas que se torna consciente para nós. “Eu me lembro” da primeira coisa registrada em minha memória: esse “Eu” já é o Ego consciente. Há registros assombrosamente precoces do Ego, gente capaz de lembrar de seus meses de idade, lembranças de berço.

O Superego vai nascer dos impulsos de evitar o desprazer: a raiva (diante de injustiças); a náusea/repugnância (diante do podre); o medo. Este último é o principal, na formação do Superego.

O medo inato tem como causadores a altura; o confinamento; o escuro; os répteis; os grandes insetos voadores… e o desamparo. Dado o nível de dependência com que nossa espécie nasce, o medo/angústia de desamparo vai ser o mais importante e o menos visível dos medos. É ele que será o motor da formação do Superego.

“Angústia de desamparo” é o termo que escolhi para entrar no lugar do freudiano “Angústia de castração”: ela é muito mais reconhecível, além de se aplicar tanto a meninos quanto a meninas. A ameaça “eu não vou mais gostar de você” tem muito mais poder do que “eu vou te trancar no quarto escuro”. Ela será a maior arma de chantagem disponível para a cultura nos dobrar (pais, professores, amigos, turma, emprego, qualquer pessoa ou instituição do amparo da qual dependamos… pelo resto da vida!).

Quando os prazeres do Ego da criança entrarem em choque com os interesses de sua cultura de criação, ela pode: a) ser ensinada a negociar com eles, não como valores pétreos escritos nas tábuas da lei, mas como circunstâncias do momento que precisam ser atendidas: “eu sei que se masturbar é gostoso, mas é algo para se fazer em privacidade, não em público, assim como ir ao banheiro”, p.ex., versus b) ser ameaçada de grave desamparo por ter feito algo horrível, p.ex. “a masturbação é um pecado mortal que vai te mandar para o inferno, quando você morrer!”

No primeiro caso, a criança aprende algo útil para si; no segundo, ela absorve um medo de desamparo ligado a algo que lhe é muito prazeroso, que agora está categorizado como algo horrível. Aí está o germe do Superego. (E também o germe da face reprimida do Id).









ACERTANDO PONTEIROS - O AMIGO PERGUNTA

 


De Lucas Peccin: “Qual o segredo de uma boa relação amorosa duradoura? Por que as DRs são tão difíceis? Você disse uma vez sobre o poder de “acertar ponteiros". Como praticá-lo bem?”

Francisco Daudt: As “DRs” e o acerto de ponteiros tornam-se muito mais fáceis e produtivos se partirem da seguinte premissa: “Eu gosto de você, eu quero ficar com você, é pra isso que estamos conversando: pra gente poder se amar mais!”

É claro, só funciona quando a premissa é verdadeira…








“O QUE É MIMAR?” - O AMIGO PERGUNTA

 


Cida Verdi: Quando começa o mimar?

Francisco Daudt: Criar filhos é a profissão mais complexa que há, pois implica permanente leitura de suas necessidades e capacidades, para atender as primeiras e ajudar no desenvolvimento das segundas.

O mimo acontece quando se subestimam as capacidades da criança e, metaforicamente, a carregam no colo quando ela já é capaz de andar pelas próprias pernas.







segunda-feira, 10 de julho de 2023

POR QUE AS CRIANÇAS FORAM FICANDO CADA VEZ MAIS MIMADAS?



Por falta de autoridade dos pais. Os pais passaram a ter medo de que seus filhos não gostassem deles, passaram a bajulá-los, a mendigar o amor deles, a fazer suas vontades.

Como isso aconteceu? De maneira simplista, dois fatores nunca comentados: a psicanálise “descobriu” a “culpa dos pais” nos “traumas dos filhos”. Quando isso entrou no senso comum, e a geração que culpou os pais gerou filhos, esses novos pais passaram a morrer de medo que seus filhos viessem a culpá-los também.

Outro fator: a confusão de autoridade com autoritarismo. A ditadura militar ajudou nisso enormemente. Os novos pais ficaram olhando o ter autoridade como uma coisa a se evitar: não queriam ser vistos como ditadores.

Por fim, o surgimento do comunismo fez entrar no senso comum a divisão do mundo em opressores (demônios culpados de tudo) e oprimidos (vítimas culpadas de nada). A divisão entre “nós e eles” soa familiar?

Os partidos comunistas de todo o mundo deram a seus membros a tarefa de ocupar cargos de professores de humanas, em todos os níveis, para que a tal divisão opressor/oprimido fosse absorvida pelos jovens.

Qual era o opressor mais próximo do jovem? Seus pais! Novamente: quando eles se tornaram pais, morreram de medo de os filhos vê-los como opressores demoníacos, logo… os mimaram!

Eu sei, eu sei, não são os únicos fatores. Mas são fatores sobre os quais ninguém fala nada, por isso estão aqui.