quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O QUE UMA KOMBI TEM A VER COM A PSICANÁLISE

 



O Daniel Accioly é o craque do marketing digital que gerencia e produz toda a minha comunicação pelas redes: Site, Twitter, Facebook profissional, YouTube, Instagram etc. são desenhados, musicados, legendados e postados por ele. Eu só faço o conteúdo. É uma parceria que me deixa muito feliz.

Pois sabedor do meu gosto por carrinhos 1:18 (já que não sou o Jay Leno e não tenho os originais), ele me deu de presente de natal essa kombi da foto. Ela tem um valor simbólico para além da boniteza: o da metáfora da kombi, tantas vezes usada por mim.

Digo que uma pessoa com doença psíquica é como uma kombi: até anda, mas 80% do seu motor são usados para vencer a resistência do ar, já que a kombi é uma parede ambulante.

Cabe ao psicanalista desbastar suas arestas, melhorar seu Cx (coeficiente de penetração aerodinâmica), tendo como meta transformá-la num Jaguar E-type, uma flecha cujo motor só precisa fazê-lo andar… ou voar!

Tirar, portanto, o fardo das doenças, essa parede que carregamos a contragosto, de modo a sua libido (o motor do nosso “carro”) ser usada de acordo com nosso desejo, e não nos desgastes que o complexo de Édipo nos impõe.

Obrigado, Daniel!

(Em tempo: o Jaguar E-type foi considerado por Enzo Ferrari como o mais belo carro jamais feito).





O DIA EM QUE EU RETRIBUÍ AO PELÉ (AINDA QUE SÓ UM POUQUINHO)

 



O Pedro Bial me comentou que ele estranhava todos o chamarem de 
”Bial”, quando ele se sentia sendo “Pedro”.

“Mas é porque “Bial” é sua profissão, é uma persona profissional, e “Pedro” é você. Há vantagens nessa separação. Não vê o Pelé, que só fala nele em terceira pessoa? Quando ele fala “o Pelé isso, o Pelé aquilo”, ele está intuitivamente se protegendo, protegendo o Edson, estabelecendo para si mesmo e para os outros essa distância”.

O Pedro gostou muito da teorização, e quando mais tarde entrevistou o Pelé, contou para ele a minha teoria. O rei ficou encantado, disse que era isso mesmo que ele sentia, mas nunca tinha sabido explicar.

E eu, mais encantado ainda, de ter podido retribuir a ele, ainda que só um pouquinho, por tanta beleza que ele me fez ver!






segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

PRAZERES QUE VOCÊ PODE ESTAR PERDENDO

 



Síntese

Os prazeres mais desprestigiados/ignorados: os que vêm do ânus e do reto (sobretudo entre homens); do períneo; da virilha; do umbigo; das laterais do abdome; do mamilo/aréola masculinos; das axilas; da parte interior das coxas; da nuca e de toda a volta do pescoço; do canal auditivo e das narinas; da bolsa escrotal; da parte posterior dos joelhos; dos dedos dos pés.

Mas, atenção: ter essas áreas do corpo sensíveis à excitação é resultado de uma loteria genética. Mesmo as mais óbvias podem ser cegas: há mulheres que não têm mamilos “felizes”, p.ex., enquanto há homens que os têm radiantes. E áreas menos óbvias (dedos dos pés lambidos e chupados, p.ex.) que podem ter tirado a sorte grande.

Como dizia um amigo, “esse negócio de pressa de foder é pra proletário: serve para fazer prole e deixa de lado todo o playground que uma cama pode ser”.

—————-

Agora sim, por extenso, se você se interessar pelos detalhes:

Dos aprendizados que a psicanálise, a medicina e a psicologia evolucionista me trouxeram, se destaca o das zonas erógenas.

Elas são as áreas do corpo capazes de despertar excitação sexual, pelo prazer que dão quando estimuladas da maneira certa. Toda a superfície corporal, e suas cavidades, têm esse potencial erógeno (significa “gerador de excitação erótica). Ok, talvez seja necessário excluir os cotovelos, mas de resto, é tudo mesmo.

Com esse aprendizado, veio a percepção de desperdício: o quanto de prazer se perde por desconhecimento dessas zonas. Pudor e senso comum são as causas mais comuns desse alheamento.

Vamos mapeá-las, então. As mais comuns são a boca, a região anal e a genital. Foi daí que Karl Abraham nomeou as fases do desenvolvimento dos bebês como “fase oral” (da época da amamentação), “fase anal” (a partir dos dois anos, o aprendizado do controle dos esfíncteres e a negociação com o mundo que isso implica) e a “fase fálica” (a descoberta do prazer dos genitais).

Os prazeres da boca são desperdiçados pela pressão de performance: em vez de brincar e de pesquisar sem pressa, os beijos cinematográficos e sôfregos fazem parte de uma triste linha de montagem para se chegar aos “finalmentes”.

Os prazeres do ânus e do reto podem ser reprimidos por pudores femininos (“coisa de puta”) ou medos masculinos (“coisa de viado”). Se eles tiraram a sorte genética de ser felizes, há de se estar atento ao que preferem: carinhos digitais, lambidas, penetração. A penetração exige cuidado com a prevenção da dor: o prazer do reto vem da sua distensão alternada com o relaxamento (não tem nada a ver com a próstata, as mulheres podem tê-lo igual). O início será sempre mais delicado, pela contração automática.

Os prazeres genitais se perdem principalmente por causa do senso comum. Nas mulheres, pois muitos não dão atenção ao clitoris, pois acham que a penetração do canal vaginal “é a coisa a fazer”. No entanto, a vagina é como o reto: pode ou não ter sido sorteada como zona erógena, pode ser cega e só dar o prazer psicológico de estar sendo possuída.

Nos homens, o pau mole pode ser fonte de muito prazer, mas sofre de tremenda discriminação: há mulheres que consideram um insulto, chupar um pau mole. Mal sabem elas que o membro masculino tem ideias próprias, e reage mal a cobranças do Superego.

Como se vê, o assunto é tão extenso quanto negligenciado…








O ALÍVIO LIBERTADOR DA INSIGNIFICÂNCIA

 



“Poxa, Daudt, o bacana é que, com seus livros, você deixa um legado para a posteridade!”

“Ah, que nada, eu escrevo porque gosto, porque é um dos meus brinquedos. E depois, que legado? Todo mundo é esquecido. Me diga, quem foi Vieira Souto?”










INSTITUIÇÕES EM GERAL: UM OLHAR DE SUSPEITA

 



“Um mal genérico das instituições de qualquer espécie é que as pessoas que se identificam com ela tendem a fazer dela um ídolo.

O verdadeiro objetivo de uma instituição é simplesmente servir de meio à promoção do bem-estar de seres humanos. Na verdade, uma instituição não é sacrossanta mas ‘descartável’.

Porém, no coração de seus devotos, ela tende a se transformar num fim em si mesmo, ao qual o bem-estar dos seres humanos é subordinado, e mesmo sacrificado, se isso for necessário.

Os administradores responsáveis por qualquer instituição estão sempre inclinados a cair no erro moral de julgar ser seu dever fundamental preservar a existência da instituição que lhes foi confiada.”

Arnold Toynbee (1889-1975)

Arnold Joseph Toynbee, foi um historiador britânico, cuja obra-prima é “Um Estudo de História”, em que examina, em doze volumes, o processo de nascimento, crescimento e queda das civilizações sob uma perspectiva global.

MINHAS CONCLUSÕES

A partir do aprendizado com gente como Toynbee, e da minha experiência pessoal, deduzi as três leis de qualquer instituição, em ordem de prioridade:

1. Fazer de tudo por sua própria importância na instituição a que você pertence.

2. Fazer de tudo para que a instituição a que você pertence tenha relevância social.

3. Fazer um pouco pelas finalidades a que a instituição se propõe.





O SENTIDO DA FÉ

 



“A frase, dita por muitos, ‘Encontrei Jesus e ele me salvou!’, faz algum sentido para você?”

Francisco Daudt: Faz completo sentido. Nossa espécie é a mais carente de amparo, entre todas. Nossa dependência de pai e mãe, de seres mais fortes que nos cuidem, começa em 100% quando nascemos, cai muito lentamente, e nunca chega a zero. Desamparo é nosso maior medo.

Para agravar as coisas, temos a consciência de que nosso destino é a morte, o máximo de solidão, o desamparo final, a escuridão, o desconhecido, o estranho e todos os seus horrores, possíveis e imagináveis.

Bem, se o negócio é imaginar, por que não imaginar o amparo e partilhar com o maior número de pessoas essa imaginação? É o que temos feito nos últimos 70 mil anos: vestígios de ritos fúnebres são a primeira e mais antiga pista de uma espécie capaz de ter consciência de si, indicando que desde o início construímos uma ficção partilhada de como vencer a morte.

Todos os deuses criados desde então têm como denominador comum o amparo definitivo, a vida após a morte, todos eles pais protetores. Em nome deles, pirâmides foram construídas, guerras foram travadas, sacrifícios foram feitos, um tremendo investimento em troca de… amparo.

De modo que, sem entrar em discussões teológicas, seja pensamento desejoso ou não, a frase inicial faz todo o sentido para nossa espécie.





“ELE ESTÁ ACIMA DE NÓS” - A PSICANÁLISE DO SUPEREGO

 



“Qual a diferença dessa sua psicanálise do Superego e as outras?”

Francisco Daudt: Para começo de conversa, minha psicanálise do Superego é totalmente derivada da de Freud. A diferença é que o foco de investigação freudiana era o Id, o inconsciente reprimido, os desejos e as raivas tão transgressores que não eram suportáveis na consciência.

Quando eles vinha à tona, no consultório, era sempre com muito horror e vergonha. O cliente ficava arrasado de ver o monstro que morava dentro dele: “quer dizer que, no fundo, eu queria matar meu pai? Queria ter minha mãe só para mim? Horror!”

Claro que eu estou aludindo ao Édipo e a reação que ele teve quando “sua verdade” veio à tona. Ele ficou tão horrorizado que furou os próprios olhos.

Mas a tal “verdade” de Édipo era, afinal, uma grande injustiça contra ele. Foi o próprio Édipo a vítima da tragédia, da trama armada por aqueles que estavam “Acima dele”. Quem conhece a história sabe que seu pai tentou matá-lo duas vezes, quando ele nasceu e na estrada de Tebas. Só que na segunda vez se deu mal, e Édipo matou-o, sem saber que era ele, e em legítima defesa!

Todas as psicanálises puseram o cliente no banco dos réus, examinaram suas “culpas”, endossando-as, fizeram o cliente se arrepender de seus desejos e raivas, viram o Superego como se ele fosse o padrão moral a seguir, o meio de cura.

Mas eu sempre achei isso uma tremenda injustiça. O próprio Freud nunca questionou a “culpa” de Édipo, e eu fui seu advogado de defesa desde o meu primeiro livro, escrito há 32 anos, mostrando como tramaram contra ele, desde antes de seu nascimento.

Quem tramou? Os que estavam “Acima dele”: os adultos que o criaram. Por isso resolvi investigar quem reprime, quem pune, quem julga. Neste momento em que escrevo, uma moça foi condenada à morte pelo “crime” de usar seu véu de maneira inapropriada. Foi justo?

Eis porque resolvi investigar o juiz e suas leis: são eles justos? São tirânicos? São cruéis? Se as iranianas tiverem sintomas neuróticos e pesadelos com o desejo de uso inapropriado do véu, a psicanálise deve fazê-las se arrepender desse desejo proibido? Ou deve questionar a justiça do juiz e de suas leis?

Foi o que resolvi fazer: investigar o “Acima de nós”, o Superego.


ATO FALHO (“FEHLLEISTUNG”) E AMBIVALÊNCIA

 



Fehl + leistung = falho, errado + realização, ato = ato falho

Ele estava na fila de pêsames do velório da sogra odiada do amigo. Quando chegou sua vez, abraçou-o e disse: “Meus parabén… opa, quer dizer, meus sentimentos!”

Não foi de sacanagem, apenas saiu assim. Depois do acontecido, ele - muito envergonhado - se deu conta de que, desde de que soube da morte, vinha tentando não pensar naquele ódio que o amigo tinha.

Ao mesmo tempo, se condoía de verdade pela perda que a filha havia sofrido, não houve hesitação nem erro quando ele a abraçou.

———-
Assim se formam os atos falhos (lapsos de fala, esquecimentos, perda de objetos, erros sintomáticos do dia-a-dia): por causa da ambivalência.

“Ambivalência” é quando se tem sentimentos opostos em relação a alguém ou a alguma coisa, e ambos valem (ambi + valem). No caso dos atos falhos, um dos sentimentos é bem aceito, mas o outro não (tristeza pela filha x a noção sobre o ódio do amigo).

A repressão do “mau sentimento” se manifesta na esquisitice do ato falho, essa foi a descoberta de Freud (em “A psicopatologia da vida cotidiana”). Todos os sintomas neuróticos têm isso em comum: a esquisitice, vide p.ex. a fobia de baratas.

PS: Sobre o “falar língua de gente”, Ernest Jones, o primeiro tradutor de Freud para a língua inglesa, nos fez o desfavor de inventar o termo grego “parapraxia” para nomear o “ato falho”… (soava mais médico, sabe?). 





SUGESTÃO PARA OS ALUNOS: Roteiro de Autoanálise

 



1. Escolher uma hora regular diária. Sugiro assim que acordar, para poder anotar os sonhos, e uma durante o dia/noite, para o geral.

2. Fazer uma pauta de assuntos que quiser tratar (incômodos/sintomas atuais, ou temas que perturbaram a vida inteira).

3. Quando for fazer a análise, usar a pauta (sonhos, assuntos) e começar a fazer associações livres em cima deles, tudo por escrito (com senha), para poder ser relido.

4. Na ausência de pauta, usar associação livre: olhar para os pensamentos como se fosse para uma tela de tv, e descrever o que aparece, sem censura. Se aparecer alguma censura (ah, isso é bobagem, ah, isso me dá vergonha, ah, não quero falar desse assunto), escrever a censura... e a coisa censurada.

O que for escrito funciona como pecinhas de um quebra-cabeças, não se preocupe em juntá-las logo, NUNCA FAÇA INTERPRETAÇÃO. Você vai ver que uma associação puxa outra, anote todas.

Aí já tem um bom começo de conversa.






CONVERSA ou TRETA? REALISTAS ou IDEALISTAS? NEO-ILUMINISTAS ou PÓS-MODERNOS?

 

Creio que as conversas devem começar, não no assunto, mas numa declaração de princípios, na posição das pessoas que o discutem: ela é uma “realista”? Ela crê que a árvore que cai no meio do deserto, sem testemunhas, faz ruído ao cair?

O realista está convencido da existência de uma realidade para além dele mesmo e de suas crenças. Já para os chamados “idealistas” (a realidade mora em suas ideias, convicções e narrativas), o ruído só existirá por causa das testemunhas que o ouvem, ele é dependente da realidade psíquica do espectador.

Minha proposta é: para conversar com alguém, é preciso partilhar axiomas, verdades autoevidentes, caso contrário você não terá uma conversa, terá uma treta cuja finalidade é derrotar o outro, nunca será se aproximar do conhecimento verdadeiro (episteme).

Uma conversa assim não atende ao meu desejo, pois o inevitável atrito trará mais calor do que luz. Não tenho desejo de treta, tenho desejo de luz (daí me definir como neo-iluminista).

Mas meu tio dizia que eu era muito exigente, nesse alinhamento. Para ele, bastava que a pessoa concordasse com apenas uma posição:

“Você mataria sua mãe a facadas? Não? Oba, então já partimos de um ponto em comum”…





quarta-feira, 2 de novembro de 2022

A TENTAÇÃO FODÃO-MERDA ESTÁ NO AR

 



Cada um que se vê vitorioso com o resultado das eleições está sendo seduzido para se sentir fodão, e para esculachar os perdedores como merdas.

Essa divisão binária dos brasileiros vem sendo construída há muito tempo: o “nós contra eles”.

Mas o “nós contra eles” não prosperaria se o terreno não fosse fértil: a crença em que a humanidade se divida binariamente em fodões e merdas começa dentro de nós: é a relação que temos com nosso próprio Superego; ele lá em cima fodão, nós cá em baixo merdas.

O momento é uma oportunidade de desinvestirmos desse vício, de retomarmos uma identidade democrática de conversa e tolerância, de ouvir o que o outro tem a dizer, de abdicar do esculacho e da vingança: com a política, com a família, com os amigos… e dentro de nós mesmos.

“Compaixão” é saber que sofremos juntos: todos nós sofremos nas mãos do Superego; todos nós somos seduzidos por ele a fazer os outros sofrerem.





sábado, 15 de outubro de 2022

ASSISTINDO A “DAHMER”

 



A necrofilia, assim como todas as parafilias (práticas sexuais esquisitas), é uma derivação do fetichismo: um meio de anular a existência do outro e transformar qualquer sexo em masturbação.

É um artifício (do francês “fétiche”, do português “feitiço”) de não ter que negociar com as diferenças, e ainda mais: ter o gozo de se vingar do Superego, pela transgressão de suas normas.





A PSICANÁLISE PRECISA TER COMPROMISSO COM A CURA

 



Nas palavras de Millôr Fernandes:

“E mais, uma das minhas coisas contra a psicanálise é que a psicanálise não cura exatamente ninguém. Quando você ataca um psicanalista ele já diz: ‘Mas nós não temos pretensão terapêutica’. Então foda-se, pô. Se cobram entrada!”

Ouço dizer que psicanalistas atualmente substituíram a culpa pela responsabilidade. Em muitos casos, é trocar seis por meia-dúzia: não há como controlar sintomas através de responsabilidade, é preciso desmontá-los em suas origens.

Mas em outros, não: a que responde a psicanálise? O que se pode esperar/cobrar de um psicanalista? Ou ele é o único que tem direito a “cobrar”?




PSICANÁLISE: SUN TZU + ESPINOZA

 



Sun Tzu, em “A arte da guerra”: “Conheça seu inimigo”.

Espinoza: “A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam”.

Quem é nosso “inimigo”, em psicanálise? Quem manipula nossos cordéis, em psicanálise? São as crenças absurdas que operam em nós sem que saibamos, pois elas moram na obscuridade da inconsciência.

Maior e mais comum exemplo de crença absurda, injusta e cruel? “O mundo se divide em fodões e merdas (em inglês, winners and losers). Se você não for um fodão (winner), você será um merda (loser)”.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 3º E ÚLTIMO CAPÍTULO

 



(Nos capítulos anteriores: Já sem a culpa de parricida incestuoso, Édipo não se vê mais como assassino, pois o que fez foi em legítima defesa).

Analista: “Mas, como o Sr. veio a se casar com Jocasta, sua mãe BIOLÓGICA, fato que o Sr. desconhecia?”

Édipo: “Foi um acidente do destino. Quando fui chegando a Tebas, deparei-me com outra praga local: a Esfinge. Esse monstro devorava os passantes que não lhe decifrassem seu enigma, o mesmo que propôs a mim: “Qual é o animal que anda sobre quatro patas de manhã, sobre duas ao meio-dia, e sobre três ao anoitecer? Decifra-me, ou eu te devoro!”

Pensei um pouco, e respondi: o homem, que engatinha na infância, anda sobre os próprios pés quando cresce, e usa uma bengala quando velho. Foi assim que derrotei e matei a Esfinge, livrando Tebas daquela praga”.

Analista: “Bem, então não só o Sr. não causou uma praga, mas livrou Tebas de outra!”

Édipo: “(pensativo)… mas essa outra foi o começo de minha desdita, pois me tornei herói, fui recebido em Tebas como tal, em triunfo, e escolhido - praticamente obrigado - a ser o novo rei, com a obrigação de me casar com a rainha viúva (sim, a notícia da morte de Laio havia chegado antes de mim)”.

A. : “Então, nem foi sua a iniciativa de fazer a corte e seduzir Jocasta. Temos aí uma culpa a menos. Agora quero saber do resto da história. O que lhe contou Tirésias?”

“E. : “Tudo começa quando minha mãe me deu à luz. Laio foi a Delfos se consultar com a Pitonisa. Ela deu-lhe a sentença fatal: ‘seu filho o matará, e se casará com sua mulher’. Para fugir ao destino, ele mandou que um escravo me levasse ao campo e me matasse. Mas de mim ele se apiedou, amarrou meus pés e me abandonou lá. Foi assim que fui encontrado pelos servos do rei de Corinto: fraco e com os pés inchados pelas amarras - meu nome vem daí, Édipo significa ‘de pés inchados’.

Cresci pois, príncipe de Corinto, sem saber que era adotado. Tanto que, quando correram rumores sobre minha origem duvidosa, resolvi ir a Delfos, e… desgraça minha, me consultar com a Pitonisa. Ela me disse o mesmo de sempre: ‘seu destino é matar seu pai e casar-se com sua mãe’. Foi por isso que fugi de Corinto… e toda a desgraça se cumpriu! É, doutor, entendi que ninguém foge a seu destino…”

A. : “Pode ser que não, mas, quando entendemos nossa história, podemos interferir nele, corrigi-lo. Veja, o Sr. ficou prisioneiro de crenças estranhas de seus pais, quer os biológicos, quer os adotivos. O primeiro acreditou ver em você um assassino; o segundo acreditou que ser sincero sobre sua origem tiraria sua legitimidade de príncipe. Eis a trama complexa que manipulou sua vida, caro Édipo: seu complexo de Édipo”.

FIM



COMPAIXÃO, SIMPATIA E EMPATIA

 



Apesar de "compaixão" e "simpatia" significarem a mesma coisa, suas conotações são diferentes.

Compaixão vem do latim: cum (com, junto) + passio (sofrimento), sofrer junto com o outro.

Simpatia vem do grego: sin (junto, mesmo) + pathos (sofrimento).

No entanto, compaixão parece peninha, e simpatia parece afinidade.

Empatia, do grego "endos" = dentro + "pathos", é a capacidade de olhar dentro do outro e ver seu sofrimento. É algo mais clínico, um pouco mais distante, mas também virtuoso.

Aristoteles definiu a virtude como algo que mora entre sua falta e seu excesso.

Assim, as três virtudes acima moram entre o narcisismo extremado e a abnegação mártir, o "people pleasing" absoluto, a devoção completa aos interesses do outro.

Eu defendo que, se um cliente não nos desperta um mínimo de compaixão ou simpatia, mesmo que sejamos capazes de vê-lo por dentro (empatia), é melhor passar para outro profissional que as tenha.

Compaixão e simpatia são fundamentais às funções de pai e de mãe, que a psicanálise terapêutica exige para funcionar bem.




PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Por que você dá importância à pontualidade e ao tempo certo de sessão?”

Francisco Daudt: Por respeito e por contratos claros.

Já que eu considero o Superego como parte da doença, e não como parte da cura; e como eu me considero um prestador de serviços junto ao cliente, nunca acima dele, é preciso que minhas atitudes sejam coerentes com minha fala.

O contrato claro é a base do respeito: ele estabelece fronteiras confortáveis para cada parte contratante: horário certo, frequência semanal, tempo de duração da sessão, preço, recibo, data de pagamento. Tudo isso é combinado previamente, quando a entrevista resulta em contratação de tratamento. Sim, porque ela será considerada como test-drive e não será cobrada se não houver continuidade.

A pontualidade (na entrada e na duração da sessão) é outra demonstração de respeito, de que ninguém está acima de ninguém. Uma das demonstrações sociais de superioridade é se fazer esperar.

Isso não tem cabimento na psicanálise que defendo. Nenhum cliente meu ficará em estado de suspense, achando que eu possa terminar a sessão quando bem me aprouver.

Não posso deixar que o fodão-merda se repita, muito menos no lugar onde ele deveria ser tratado.




ORIENTAÇÕES SEXUAIS - O AMIGO PERGUNTA

 



“A pessoa pode nascer pedófila?”

Francisco Daudt: Não. Assim como não nasce fetichista, sadomasoquista, bestialista, necrófila, coprofágica etc. O aumento alfabético para designar minorias aponta, sim, para uma questão básica: o indivíduo. Nosso desejo será sempre singular.

Mas as orientações sexuais seguem se distribuindo pelo espectro homo-hétero, como há décadas desenhou Kinsey em sua escala, ou Shere Hite em seu relatório. Haverá, desde o hétero totalmente indiferente a outros homens (nem homofóbicos eles são), a homossexual totalmente indiferente a mulheres; com infinitas variações intermediárias.

As chamadas “parafilias” (atrações desviantes) são atrapalhações do desejo, sintomas viciosos marcados e produzidos pelos percalços da criação de cada um, o complexo de Édipo. Tanto que elas têm todas as características de vício: compulsão, repetição, aluguel mental, prazer de transgressão, prejuízo dos principais interesses do próprio e das pessoas envolvidas por ele, que não manda em sua vida, é prisioneiro de sua compulsão.

Tomemos a pedofilia como exemplo: ela acomete principalmente homens com desejo homoerótico reprimido e conflituoso. Não é de espantar que seja tão comum entre o clero católico: o gay reprimido descobre uma profissão respeitável em que ele é PROIBIDO de se casar. Passa a ter poderes e acesso junto a meninos (alunos ou coroinhas).

Aí está a tempestade perfeita: motivação, meios e oportunidade se somando para produzir um substituto possível do que seria uma realização amorosa de seu desejo.




O LIVRO NOVO - A CONTRACAPA - O AMIGO PERGUNTA

 



“Há alguma razão em especial para a contracapa de ‘O Amigo Pergunta’ ter sido escrita pelo Eduardo Affonso?”

Francisco Daudt: Há várias. A primeira e mais óbvia é o marketing duplo: um grande número de pessoas admira o Eduardo e confia nele. Essas pessoas, se não me conhecem, podem transferir a mim essa confiança e assim virem a se interessar pelo livro.

O outro lado do marketing é que o Eduardo é meu aluno de psicanálise, e se muitas pessoas confiam em mim e na psicanálise que faço virem que eu confio no Eduardo, elas podem transferir essa confiança para ele, quem sabe se tornam futuros clientes dele?

Outra é que o Eduardo entende bem a importância de se falar língua de gente e de não posar de Superego, o que é uma questão central do livro.




ÉDIPO NO CONSULTÓRIO - 2º CAPÍTULO

 



(No capítulo anterior: um Édipo desesperado vai ao consultório do psicanalista, e lá conclui que não tinha conhecimento de que Jocasta e Laio eram seus pais biológicos, antes que as circunstâncias o levassem a matá-lo e a se casar com ela).

“Bem, majestade, conte-me o que sabe de sua história, desde o início, sim?”

“Tudo o que sei me foi contado por Tirésias. Foi ele quem me disse que matei meu pai verdadeiro, e me casei com minha mãe verdadeira!”

“Pais verdadeiros? Mas o Sr. não cresceu em Corinto, e lá era filho dos reis? O que entendi é que Laio e Jocasta eram seus pais, sim, mas pais biológicos. Quem o adotou, amparou e educou por todos esses anos são aqueles que merecem ser chamados de pais verdadeiros. Os outros, os desconhecidos, são seus pais biológicos. Mas, por favor, continue. Como foi que um príncipe de Tebas acabou sendo príncipe de Corinto?”

“(Édipo, pensativo) Sim, é verdade, só conheci os reis de Corinto como meus pais… Não posso renegá-los, são eles meus pais verdadeiros… Mas, certo, vou continuar. Não foi fácil o momento em que rumores começaram em Corinto, suspeitando de minha origem, de minha legitimidade como príncipe. Foi isso que me levou a Delfos, para consultar a pitonisa. Queria saber qual era o meu destino. Ela me disse que estava escrito: eu mataria meu pai e me casaria com minha mãe! Para escapar de tal sina horrível, pois amo os dois, resolvi largar tudo e fugir de minha cidade…”

“Foi então por amor a seus pais verdadeiros que renunciou a tudo, à riqueza, ao título de futuro rei, e deixou Corinto para trás… Veja, por amor! E o Sr. se considera um monstro… Mas, continue.”

“Tomei a estrada de Tebas. Já depois de dois dias de caminhada, vi que em minha direção vinha uma carruagem, com batedores à frente, expulsando os caminhantes a chicotadas. Vieram sobre mim, e eu os derrubei com minha espada. Foi quando o homem na carruagem me atacou, tentou me matar, mas eu consegui me defender e matei-o antes… Oh, horror! Hoje sei que esse homem era meu pai, que era o rei Laio, de Tebas! Matei meu pai, doutor, meu pai!!” (Édipo cai em prantos)

“Espere, o Sr. não matou seu pai. Matou, sim, um estranho que tentava matá-lo, matou em legítima defesa!”

(Édipo levanta a cabeça e olha, perplexo, para o psicanalista).

Continua no próximo capítulo.





SOBRE A CAPA DO LIVRO NOVO - O AMIGO PERGUNTA

 



“Reparei que o Freud da capa está usando um tablet. O que isso diz sobre o livro?”

Francisco Daudt: Bom, além de se referir às mídias sociais, ela fala da minha tentativa de escrever um livro para quem está acostumado a ler telinhas: textos curtos e objetivos, respondendo a perguntas idem.

E Freud é uma inspiração, pois ele sempre escreveu em língua de gente (ok, de gente alemã, e às vezes seus tradutores o complicaram), baseado no espírito de que clareza e transparência ajudam a separar verdade de enganação.

Por fim, a arte de Tita Berredo colocou na telinha do tablet uma pergunta sobre o que é o Ego, e isso tem tudo a ver com o livro: a valorização do indivíduo, do nosso Eu, que não precisa reverenciar virtudes e ídolos no Superego, mas pode bem se apropriar deles como coisa boa para a vida.


A capa do livro novo, e sua autora, Tita Berredo.






O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO - O AMIGO PERGUNTA

 


O LIVRO NOVO E A PSICANÁLISE DO SUPEREGO

“Você diz que seu livro ‘O Amigo Pergunta’, com lançamento em novembro, é o primeiro passo de um projeto maior, a Psicanálise do Superego. O que é ela, de onde vem e que diferença apresenta?”

Francisco Daudt: Ela é a psicanálise que tem o Superego das pessoas como objeto de investigação. Porque concluí que o Superego é parte do problema, nunca da solução.

Imagine o seu Superego como uma outra pessoa dentro da sua cabeça: ao mesmo tempo, um juiz cruel e acusador + uma figura ideal de como você deveria ser, com quem você sempre está se comparando… e perdendo. Por isso Freud o chamou assim: “o que está Acima de Mim”, em alemão, über (sobre, acima) + ich (eu, de mim). Sim, ela vem da psicanálise freudiana.

É claro que ele vai ver qualquer desejo seu como errado, pecaminoso, monstruoso; é claro que ele vai criticar tudo que você fizer. Mas isso não faz com que seus desejos sumam, ou que você suma; você vai lutar contra isso - mesmo sem saber -, e essa é a origem das doenças psíquicas: neuras, vícios e maluquices.

O livro novo trata de como e onde essa briga tem origem, e o caminho que proponho para extingui-la.





domingo, 14 de agosto de 2022

FUNÇÃO DE PAI

 



Na nossa espécie, função de pai e função de mãe são necessariamente casadas: não podemos dispensar nenhuma das duas.

Entenda-se função de mãe como extensão do ventre; entenda-se função de pai como extensão do parto.

A primeira acolhe, dá colinho, abriga, protege, aquece e alimenta.

A segunda ajuda a trazer para o mundo, atende às capacidades de crescentes independência e autonomia.

Nossa espécie, metida a poderosa, é de uma fragilidade sem igual: vamos precisar das duas funções ao longo da vida, às vezes mais, às vezes menos, mas não as dispensaremos jamais.

De início, exercidas por quem nos criou, sejam os pais biológicos ou adotivos, sejam as tias e tios, avôs e avós, os irmãos mais velhos, as babás, as vizinhas…

Nenhum deles exercerá apenas uma das funções: a mãe que amamenta e conversa com o bebê está atendendo sua capacidade de aprender a falar. O pai, que lhe dá a mão nos primeiros passos, protege, ampara e capacita.

Ao longo da vida, essas funções casadas (ou fragmentadas) virão dos amigos, dos professores, dos livros, das redes sociais, dos filmes, da família, namorados e namoradas, de nossos filhos e netos, até de nossos bichos de estimação, de toda parte vêm elas a nos alimentar o corpo e a alma: acolhimento e crescimento. Não ficou no passado. Não vivemos sem elas.

Hoje é um dia marcado para o reconhecimento de duas coisas: de quem nos deu e dá acolhimento e crescimento… e de nossa eterna necessidade de quem os continue nos dando.






O SUPEREGO E O MEDO DO DESAMPARO - O AMIGO PERGUNTA

 



De Vladimir Dietrich: “Eu até entendo que o desamparo seja uma força tremenda para os humanos, já que nascemos tão dependentes. Mas, por que ele se mantém como força de chantagem, mesmo depois de crescidos?”

Francisco Daudt: Você toca na principal arma que o Superego tem para nos impor suas crenças, mesmo quando elas são totalmente atrapalhadoras de nossos desejos: o medo do desamparo.

Certo, ele começa como instinto de sobrevivência, junto com os outros medos de raiz (escuro, altura, confinamento, répteis, grandes insetos etc.). Mas, como temos pouco contato com os outros, é MUITO contato com a ameaça de desamparo (“Assim eu não vou gostar mais de você”), é ele que fica como principal.

É ele que vai formar nosso Superego, nas seguintes bases: “como eu devo ser e me comportar para continuar a ser amparado?” Daí, nosso ouvido será o principal instrumento para absorver essas informações das quais dependem nossa sobrevivência (o amparo tem essa força imaginaria).

Você pode crescer num ambiente religioso formal, e absorverá as crenças e a moral religiosa (houve tempo em que eu acreditei que a a masturbação me mandaria para o inferno), e isso será o senso comum religioso. Ou pode crescer em família leiga, e absorverá as crenças e a lei moral do senso comum leigo. Não importa: O SENSO COMUM É A MAIS PODEROSA DAS RELIGIÕES. Sua principal lei é: pense e aja como todo mundo, senão…

Outro dia, um cliente de 24 anos me contou que gostava muito da namorada… mas odiava como ela tinha se transformado a partir da transição da ficância para o namoro: passou a ser exigente de várias “consolidações sociais da relação” (ficar o fim-de-semana inteiro grudados; apresentá-lo à família; diminuir a atividade sexual; discutir a relação (D.R.) frequentemente; postar fotos do casalzinho no Instagram etc.).

Ele lhe disse que gostava muito dela, mas estava odiando o tal de “namoro”, que queria voltar ao estado anterior. Ela disse, “mas namoro é assim, todo mundo sabe!, se você não quer namorar, então você não gosta de mim, você é egoísta, vamos terminar”.

Ela usou do senso comum (namoro é assim, todo mundo sabe), ela o enquadrou num antimodelo (egoísta), ela o ameaçou de desamparo.

Como ele não estava apaixonado - os apaixonados se infantilizam, voltam a ser altamente vulneráveis ao desamparo -, como ele não comprava a lei de namoro do senso comum, como o antimodelo do egoísta não lhe colava, terminou o namoro com um misto de tristeza e alívio…

Resulta que, quanto mais autônomo e independente você é, quando menos vulnerável às leis do senso comum será, quanto menos manipulável pela ameaça de desamparo será. Seu Superego terá menos poder.