Adrilles Jorge: “A pornografia pode ter um efeito benéfico para a saúde sexual? Em que ponto se torna vício?”
Francisco Daudt: Estabelecido que o vício é o ato compulsivo que prejudica nossos maiores interesses, posso dizer que, em 46 anos de clínica, só diagnostiquei dois casos de vício em masturbação, um deles acompanhado de maconha, o que atrapalha o diagnóstico preciso. Perdiam emprego, deterioravam sua casa e seu meio social por causa do vício, donde... era vício mesmo.
Claro, falo em masturbação porque ela é o principal objetivo da pornografia. Nunca ouvi falar de alguém viciado apenas nela, excluída sua inspiração auto-erótica.
Portanto, para se entender o valor da pornografia, é preciso avaliar a importância e a função que a masturbação tem.
A reprodução dos mamíferos está completamente atrelada à busca de prazer. O prazer sexual foi o truque que a mãe natureza arranjou para que replicássemos o DNA.
Agora vem a parte da natureza injusta: principalmente o prazer sexual masculino. A testosterona é a imperatriz do tesão; sem ela, pode esquecer.
A partir dos 12-14 anos, o menino será inundado por testosterona, se excitará por estímulos mínimos e se masturbará. Todos – sim, todos – os homens já se masturbaram e/ou se masturbam regularmente. Isso estabelece neles o circuito neuronal do orgasmo – e agora vem mais injustiça da natureza – do qual depende a continuação da espécie.
O principal estímulo para excitação/masturbação/sexo/orgasmo masculinos é visual. Através daquilo que atrai a visão de um homem, podemos desenhar a conformação de seu desejo (homo, hétero, que formas, que circunstâncias etc.).
É aí que entra a pornografia. Estive num programa do Pedro Bial discutindo com mulheres que pretendiam fazer pornografia educativa, para que o machismo grosseiro pornográfico habitual não corrompesse o comportamento deles face às mulheres.
Tive que explicar que não existe, nem existirá, pornografia educativa. Só existe pornografia que dá tesão e a que não dá tesão. Ponto.
Para a psicanálise, a pornografia é preciosa ferramenta de conhecimento do desejo. Eis porque defendo a pornografia gourmet: menos aeróbica, mais complexidade; menos homem da pizza, mais dramatização.
Isso me permite entender o que toca/excita os desejos dos clientes. Uma das principais funções da psicanálise é entender seus desejos, aqueles mais descontaminados da doença, menos invadidos pela briga dos Titãs internos, com menos Superego, com mais Ego.
Aliás, nem preciso defender essa complexidade da pornografia: a mão invisível do mercado (sem intenções humorísticas) dá conta disso. Com o barateamento digital das produções, o cardápio pornográfico na internet é imenso, permite uma seleção de pratos principais tal, que o cliente já chega sabendo bem o que lhe apetece.
Então, sim, a pornografia tem um papel muito interessante na saúde sexual. E podemos definir saúde sexual como aquela que se conquista fora da guerra da neurose, dos vícios e das perversões. Aquela com que a pessoa se sente em paz.
A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD
Disponível em: https://7letras.com.br/livro/a-criacao-original/