segunda-feira, 13 de maio de 2024
DOMÍNIO-SUBMISSÃO, O VÍCIO DO MIMADO
“DEPOIS, DEPOIS…” : O VÍCIO DA PROCRASTINAÇÃO
terça-feira, 30 de abril de 2024
PSICANÁLISE QUE NINGUÉM ENTENDE - O AMIGO PERGUNTA
De Leandro Alves de Siqueira: “Vi que existe entre os psicanalistas uma espécie de gozo no falar difícil e no não entendimento. Mas não é um contrassenso?”
Francisco Daudt: Leandro, as nossas ações são complexas, multideterminadas, mas existe esse componente, um certo complexo de inferioridade na psicanálise: diante da dificuldade de se entender a psiquê humana, e frustrada por sua impotência, a pessoa pode se sentir atraída a se dedicar mais ao confeito do que ao bolo; mais às firulas do que à substância; mais à espuma que ao chope; mais ao rito do que ao significado; mais à forma que ao conteúdo; mais à erudição que à sabedoria.
Tenho muita compaixão pelo aspirante a psicanalista que ambicionava entender os segredos da mente, mas quando chegou ao curso de psicologia (ou à formação analítica) se deparou com uma enxurrada de conhecimentos esotéricos, que o deixavam perplexo.
Imagino-o sempre a se perguntar, “mas então é isso? Eu não estou entendendo nada, então… o errado devo ser eu, eu devo ser meio burro”. E a partir daí, começou um processo de se adaptar, de aderir, de aprender a falar difícil, de ter o gozo de passar a perplexidade adiante, de não ser mais a vítima dela, mas seu causador.
Eu mesmo escapei por pura sorte dessa arapuca: eu era médico clínico havia cinco anos quando resolvi ser psicanalista. Não precisei cursar psicologia, portanto. Estive prestes a fazer uma formação com analista kleiniano, mas o destino me pôs diante de um freudiano formado na Argentina pelo Angel Garma (que tinha se formado com o Theodor Reik, formado por sua vez pelo próprio Freud). Foi desse jeito que me tornei um “freudiano de quarta geração”, em linha direta com o velho professor austríaco.
Assim, minha base teórica principal foi Freud, e ele fala língua de gente: eu entendia tudo. Ainda por cima, coordenei por dez anos grupos de estudo de Freud, e não tem melhor jeito de aprender que ensinar.
É daí que vem minha mania de ser claro.
quinta-feira, 25 de abril de 2024
"A COISA MAIS DURA QUE OUVI EM TODA MINHA VIDA" - O AMIGO PERGUNTA
“Ela tinha sido enganada pelo cara depois que ele a engravidou: ele disse que se ela abortasse, ele se casaria com ela, que ele só não queria mais filhos. Pois bem, ela abortou e ele lhe deu um pé na bunda.
Eu era seu amigo e fiquei devastado, solidário a ela. Dei-lhe todo o apoio, carinho e consolo que pude, eu gostava dela. Eu sei é que ela finalmente olhou para mim, pareceu gostar de mim, e acabamos por nos casar. Ela engravidou logo. Eu sempre quis ser pai, não podia estar mais feliz, e pensei que a gravidez de nossa filha também fosse lhe curar as antigas dores.
Mas algo estranho ocorreu: desde a gravidez e mesmo depois que nossa filha nasceu, meses se passaram sem que ela me permitisse qualquer aproximação sexual. Eu tentava conversar a respeito, mas nada.
Finalmente ela veio falar comigo: 'Fiquei pensando no porquê do meu afastamento, e concluí que foi o seguinte: quando você me engravidou, você tirou toda a possibilidade de um dia eu voltar para o fulano (o tal que a tinha enganado). Isso fez com que eu não quisesse mais que você nem chegasse perto…'
Foi a coisa mais dura que ouvi em toda minha vida.”
Francisco Daudt: Posso imaginar. É uma história de luto, de perda de uma ilusão, uma espécie de engano de pessoa tardio, com o agravante de estarem ligados pela filha (agravante, por um lado; atenuante por outro, já que foi um sonho realizado seu, de se tornar pai).
A descoberta do narcisismo de alguém em quem se investiu tanto traz sempre sentimentos conflitantes: uma raiva descomunal… e ao mesmo tempo, uma perplexidade enorme.
Como funciona essa cabeça narcisista? A intuição te mostra que não houve malícia, má intenção naquele comunicado horrível. A outra nem se deu conta de como estava te ferindo. Aos olhos dela, ela estava apenas sendo honesta.
Ao mesmo tempo, sua história contrapõe dois perfis masculinos clássicos: o “papai” (você, capaz de acolhimento e consideração) e o “cafajeste” (o cara; no caso, o pior tipo de cafajeste, o Don Juan das falsas promessas).
Há um cuidado adicional: verifique se há repetição de finais infelizes em seus relacionamentos amorosos, pois você estaria vivenciando algo que se chama de neurose de transferência: a atração fatal por narcisistas, com a esperança (fadada ao desastre) de convertê-los em pessoas capazes de te apreciar.
Se for esse o caso, seria preciso examinar sua história de aprendizado afetivo, pois a neurose de transferência conta o que está inscrito em nosso complexo de Édipo.
quarta-feira, 24 de abril de 2024
A INEFICIÊNCIA DO DRAMA
O paciente entrou no Miguel Couto andando, mas com uma faca cravada no olho, até o cabo. As pessoas viam aquilo e gritavam, outras desmaiavam…
Ele chegou à sala de atendimento, o médico olhou para ele, pediu para que ele dissesse se sentia as mãos, ele disse que sim. Em seguida, o médico pegou o cabo da faca e tirou-a fora. O paciente ficou bem.
Perguntado como pôde ser tão frio, o médico respondeu: “Nós não estamos aqui pra fazer drama; estamos para resolver problemas”.
Essa lição da ineficiência do drama me ficou, já lá se vão 54 anos dessa cena. Mas foi lidando com a psicanálise do Superego que a coisa fez mais sentido para mim: o drama não serve para resolver problemas; ele serve para dar um sentido tal de horror e urgência, que a única resposta é a reação, nunca a reflexão.
Por isso o drama é a arma preferida dos tiranos, por isso o drama é a arma preferida de nosso tirano interno: o Superego.
Veja na política: quando a ditadura argentina estava por um fio, o general Leopoldo Galtieri, o tirano de então, inventou de tomar posse das ilhas Falklands. Isso! Ele inventou um drama de guerra para “unir a Argentina” sob seu comando, e se manter no poder.
Eficiência? Nenhuma. Argentinos morreram e as Falklands continuaram com a Inglaterra. Galtieri ganhou alguns meses de sobrevida.
O Nicolas Maduro começou a trilhar o mesmo caminho, querendo pôr a Venezuela em guerra com a Guiana. Os exemplos não faltam. O drama nunca resolvendo o problema, mas… mantendo a ditadura.
Sendo assim, um dos instrumentos fundamentais da psicanálise do Superego é NÃO FAZER DRAMA de nada. Nada é um horror; nada é um escândalo; ninguém é um monstro assustador; apenas a doença é objeto de análise… e o Superego faz parte do problema, não da solução.
Ela examina com cuidado a faca, para poder retirá-la com segurança e serenidade.
segunda-feira, 22 de abril de 2024
O QUE MOVE A HUMANIDADE… E O QUE NOS MOVE: SENTIDO E JUSTIÇA
“O homem que sabe” (homo sapiens) tem, desde sempre, buscado entender o mundo. Para nós, uma questão de sobrevivência e de controle do que nos pode afetar.
Não é só questão da espécie; é questão pessoal nossa, desde o nascimento. Quando ouvia trovões, perguntava à babá o que era aquilo que estava me assustando. “É que vai haver festa no céu, e São Pedro está arrastando os móveis para limpar os salões. Depois ele vai jogar água no chão, e ela vai cair aqui: é a chuva”. Ela dava sentido à coisa e eu sossegava.
A humanidade passou também pelas etapas da busca de sentido pelo pensamento mágico, que deu origem a todas as religiões e a todas as cosmogonias (explicações para a origem do universo), até ter a humildade de respeitar sua ignorância e sua vontade de investigar: o nascimento da ciência. Mas isso só há uns 300 anos, no Iluminismo.
A ciência e a investigação a partir da ignorância respeitada (o que faço em psicanálise) são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para dar sentido ao estranhamento.
O mesmo se passou com o desejo de justiça, de ajuste, de correção do que não bate bem, daquilo que nos incomoda: desde a porrada no nariz até a negociação que leva em conta ambas as partes.
Em termos individuais e em termos gerais da história humana: das formas toscas de correção das injustiças (vingança, guerra, pena de Talião etc.) a formas iluministas democráticas (diplomacia, direito de defesa, negociação, ONU, votações, processos judiciais etc.).
A democracia, a consideração pelas partes em litígio, a igualdade de direitos perante a lei são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para produzir justiça.
quarta-feira, 17 de abril de 2024
UM OBSTÁCULO À PSICANÁLISE CLÍNICA…
terça-feira, 16 de abril de 2024
COMO SÃO CONSTRUÍDAS AS DOENÇAS PSÍQUICAS
domingo, 31 de março de 2024
O VÍCIO DA MITOMANIA
terça-feira, 26 de março de 2024
A CURIOSA FUNÇÃO ESTABILIZADORA DA DOENÇA PSÍQUICA - A DOENÇA COMO UM “MAL MENOR”
segunda-feira, 25 de março de 2024
KASPAR HAUSER, A CRIANÇA CONGELADA
domingo, 24 de março de 2024
PEIXE GRANDE
Tudo começa “em casa”: a submissão raivosa que temos com nosso próprio Superego, a maneira como nós nos defendemos dele: assumindo seu papel, cagando regra para os outros, fazendo e sofrendo bullying, sentindo angústia ao pensar no mundo, nos defendendo dessa angústia com TODOS os mecanismos de defesa, os que causam e os que não causam doenças psíquicas.
Enfim, acho que peguei um “peixe grande”…
quarta-feira, 20 de março de 2024
O AMIGO PERGUNTA - “Todo narcisista é um sacana fdp?”
“Todo narcisista é um sacana fdp?”
Francisco Daudt: Não. É importante lembrar que os narcisistas nem sempre estão de sacanagem, nem sempre desenvolveram externamente doença sadomasoquista fodão-merda, apesar de seu Superego ter essa postura com eles.
O que mais move os narcisistas é a necessidade de se defender do maior sofrimento que sua doença produz: o sentimento de ser um merda, uma ameaça a sua autoestima que estará sempre presente no Superego de um narcisista genético.
terça-feira, 12 de março de 2024
"VOCÊ QUER EXTIRPAR O SUPEREGO?"
CURA EM PSICANÁLISE
A psicanálise é um processo de permanente diagnóstico. Diagnóstico significa conhecimento amplo (do grego “dia”, que atravessa, que abrange completamente + do grego,“gnosis”, conhecimento).
É o diagnóstico continuado que torna consciente aquilo que estava causando doença, e que estava em nosso inconsciente. Portanto, a cura em psicanálise vem de conhecer mais e mais as origens e funcionamento das doenças psíquicas.
Todas as doenças psíquicas são “dramas menores que aparecem em lugar de dramas impossíveis de lidar”. Sim, mas essa impossibilidade de lidar vem da falta de conhecimento com que a pessoa foi apanhada no drama, geralmente na infância.
Ou seja, o drama nos pega despreparados, dele vem uma doença que “desvia o assunto” para ela, e ao termos que lidar com a doença, nós nos mantemos na suposição de que somos incapazes de lidar com o drama.
Ao decodificar a doença em seu drama de origem, a reação costuma ser, “Ah, então era isso? Bem, não é tão complicado como eu pensava…”, e a doença some, por ter se tornado obsoleta em sua função.
Como exemplo, a neurose fóbica: ter medo de baratas substituiu um drama muito maior, que era a angústia causada por ter medo do desamparo, caso sua raiva contra quem o amparava (em geral, os pais da criança) fosse descoberta. A raiva tornou-se inconsciente, a ameaça de desamparo também, e em seu lugar surgiu o “drama da barata”, seguramente um drama menor e mais controlável.
Ora, o medo de ter raiva dos pais e de ser por eles desamparado vinha da total incompetência e inabilidade da criança, por não saber lidar com sua raiva. Não saber que a raiva é a reação natural frente às injustiças; não saber que a raiva pode ter outras saídas além da vingança; que ela ser conduzida a se fazer uma negociação em busca de justiça.
Então, essa raiva trazia um drama enorme: “afinal, eu amo meus pais, ou os odeio?” É um drama típico do “tudo ou nada”, do “ou uma coisa, ou outra” dos obsessivos.
Aquela pobre criança despreparada não tinha alternativas a não ser sentir uma angústia enorme. Ora, as doenças psíquicas são justamente fruto de mecanismos de defesa contra a angústia de desamparo. Ela passa a lidar com a doença, em vez de lidar com um drama que não saberia como administrar: um drama aterrorizante.
Quando a psicanálise vai diagnosticando todas as etapas do processo:
1. as injustiças da criação que produziram raiva;
2. o julgamento idiota do Superego infantil de que a raiva contra os pais é um crime imperdoável, punível com o desamparo; a angústia que veio disso;
3. o encontro com a barata, como substituto controlável para aquela ameaça;
4. o congelamento em que a fobia mantém o drama, como se ele fosse insolúvel), finalmente o drama parece ter solução: ele não era o monstro imaginado; ele pode ser resolvido de outras maneiras.
Eis aí a cura em psicanálise.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ÀS VEZES ACERTA LINDAMENTE
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024
QUANDO OS PAIS SÃO INIMIGOS…
NOS TEMPOS ANTERIORES AO SUPEREGO
Minha hipótese é que antes do surgimento das cidades, da convivência com estranhos, dos tiranos, das leis, das religiões e dos deuses monoteístas, o Superego ainda não tinha se desenvolvido: não se conhecia a tirania e o medo do desamparo/exílio era muito menor.
Os caçadores-coletores conviviam em aldeamentos de não mais de 200 pessoas, todos se conheciam, as oportunidades e os meios de predação eram mínimos, a cooperação era máxima (por justiça e sobrevivência), a ganância fazia pouco sentido, a religião era animista (as árvores tinham alma).
Ou seja, pouca motivação para introjetar leis tirânicas e críticas judiciosas: pouca razão para o desenvolvimento de um Superego.
O Superego é o verdadeiro mal-estar na civilização...
(Ilustração produzida pelo Bing)
domingo, 18 de fevereiro de 2024
“Qual é a verdadeira psicanálise? Ouço falar dela de tantas formas…” - O AMIGO PERGUNTA
“TÁ ME ESTRANHANDO?”
Faz parte dos nossos softwares de sobrevivência, aqueles que vêm com a máquina, a desconfiança de estranhos: o estranho é sempre o inimigo, até que prove em contrário. Bebês começam a chorar quando estranham alguém. O estranhar se contrapõe ao familiar: este ampara, aquele ameaça.
A humanidade nunca conviveu com estranhos até a revolução agrícola, há cerca de dez mil anos. No grupo nômade de caçadores-coletores, nunca mais de 200 pessoas, todos eram “familiares” e a cooperação predominava, pois havia pouco espaço para predação: todos se conheciam. Não havia necessidade de lei geral, portanto não havia governo.
A revolução agrícola trouxe com ela a fixação no mesmo território, o aparecimento da cidade, a “explosão populacional”… e a convivência com estranhos. O anonimato estava inaugurado, o inimigo morava ao lado, a predação encontrou meios e oportunidades.
Para haver um mínimo de tranquilidade, passaram a ser necessários um governo e leis gerais, que todos partilhassem. Governos toscos, primitivos, vale dizer, tirânicos; leis toscas e tirânicas, como a famosa de Talião (“olho por olho; dente por dente”).
Todos absorviam mentalmente leis e o medo de punições, a pior delas o exílio, a expulsão, o desamparo. Estava fundado o Superego.
Eis o verdadeiro “Mal-estar na Civilização”…
terça-feira, 30 de janeiro de 2024
O GUARDIÃO DO SUPEREGO
SÍNDROME DE ZELIG - “FALSO SELF”
domingo, 14 de janeiro de 2024
O QUE É A CONSCIÊNCIA
PANDEMIA DE MIMADINHOS, LINHA DE MONTAGEM