segunda-feira, 13 de maio de 2024

DOMÍNIO-SUBMISSÃO, O VÍCIO DO MIMADO

 


Vício de domínio-submissão é uma compulsão danosa de ter outros sob seu poder, ou de se entregar submisso a esse poder, ou as duas coisas aplicadas a pessoas diferentes.

O vício de domínio-submissão é derivado da relação que temos com nosso Superego desde o início.

Como o Superego é formado absorvendo leis e valores impostos na base da chantagem (“ou aceita, ou eu te desamparo”), mantemos com ele essa relação de submissão ou de rebeldia, de vingança contra suas imposições, como é o caso dos obsessivos contraculturais, como se fosse uma tentativa de dominá-lo, em vez de submeter a ele, mas que continua prisioneiro dele, só que pelo avesso.

Uma modalidade de vício de domínio-submissão especialmente perversa é a induzida pela falta de autoridade de pais que mimam os filhos: eles se põem submissos aos filhos por “medo de que os filhos não venham a amá-los”, ou por medo de “serem opressores”, ou por confundir mimo com “o amor que devem ter pelos filhos”.

Nesse caso, os pais fazem de seus filhos pequenos tiranos, viciados desde a infância no domínio-submissão inverso: os pais submissos aos filhos. A doença do mimo é o vício de domínio-submissão inverso.

Novamente, as relações de domínio-submissão podem não ser viciosas se não causarem dano. A própria relação que tivemos com nossos pais e amparadores da infância não deixa de ser de domínio-submissão, dada a discrepância de poderes que ela continha.

Mas a submissão por confiança (como a que temos com um cirurgião que nos opera, p.ex.) é diferente da submissão por medo de desamparo, e é essa diferença que vai começar a estabelecer a fronteira entre saúde e vício.

O problema dessa fronteira entre domínio-submissão por confiança e a por medo é que essa, a por medo, é nossa relação com o Superego desde o início.

Se nossos pais usaram mais da autoridade do saber (a autoridade baseada no convencimento e no respeito a inteligência da criança), eles transmitiram valores para a pessoa da criança, para seu Ego.

Se a autoridade usada foi a de imposição por medo do desamparo, esses valores foram para o Superego, e vão formar base para possíveis doenças neuróticas e viciosas pela vida afora, com três vícios mais típicos daí derivados: o vício de domínio-submissão, o vício sadomasoquista básico e o vício sadomasoquista fodão-merda.


“DEPOIS, DEPOIS…” : O VÍCIO DA PROCRASTINAÇÃO

 


Não há cenários melhor para examinar o uso de drama pelo Superego, de como o Superego é capaz de transformar a menor coisa num “duro”, num sacrifício a ser combatido com o “dane-se” do vício, fazendo dessa menor coisa um drama: “ah, que horror, que drama, tenho que lavar a louça!” 

O que torna irresistível aquela palavrinha que equivale ao “dane-se”: “Depois, depois eu faço…”

Todos os vícios são fruto de uma guerra entre a construção e o imediatismo; todos os vícios obedecem a uma linha de montagem.

O mundo externo pede preparo, aprendizado e construção para que se lide bem com ele, a coisa é necessária, mas não é imediata nem pronta.

Se a construção for monopolizada pelo Superego, por cobrança, por imposição, por chantagem moral e por drama (“faça isso, senão ninguém vai gostar de você!”), haverá uma pressão enorme para tocar um “dane-se” para o Superego, em favor de um prazer imediatista, que virá de várias formas: dos vícios de substâncias e dos de comportamento (sexuais ou não).



terça-feira, 30 de abril de 2024

PSICANÁLISE QUE NINGUÉM ENTENDE - O AMIGO PERGUNTA

 



De Leandro Alves de Siqueira: “Vi que existe entre os psicanalistas uma espécie de gozo no falar difícil e no não entendimento. Mas não é um contrassenso?”

Francisco Daudt: Leandro, as nossas ações são complexas, multideterminadas, mas existe esse componente, um certo complexo de inferioridade na psicanálise: diante da dificuldade de se entender a psiquê humana, e frustrada por sua impotência, a pessoa pode se sentir atraída a se dedicar mais ao confeito do que ao bolo; mais às firulas do que à substância; mais à espuma que ao chope; mais ao rito do que ao significado; mais à forma que ao conteúdo; mais à erudição que à sabedoria.

Tenho muita compaixão pelo aspirante a psicanalista que ambicionava entender os segredos da mente, mas quando chegou ao curso de psicologia (ou à formação analítica) se deparou com uma enxurrada de conhecimentos esotéricos, que o deixavam perplexo.

Imagino-o sempre a se perguntar, “mas então é isso? Eu não estou entendendo nada, então… o errado devo ser eu, eu devo ser meio burro”. E a partir daí, começou um processo de se adaptar, de aderir, de aprender a falar difícil, de ter o gozo de passar a perplexidade adiante, de não ser mais a vítima dela, mas seu causador.

Eu mesmo escapei por pura sorte dessa arapuca: eu era médico clínico havia cinco anos quando resolvi ser psicanalista. Não precisei cursar psicologia, portanto. Estive prestes a fazer uma formação com analista kleiniano, mas o destino me pôs diante de um freudiano formado na Argentina pelo Angel Garma (que tinha se formado com o Theodor Reik, formado por sua vez pelo próprio Freud). Foi desse jeito que me tornei um “freudiano de quarta geração”, em linha direta com o velho professor austríaco.

Assim, minha base teórica principal foi Freud, e ele fala língua de gente: eu entendia tudo. Ainda por cima, coordenei por dez anos grupos de estudo de Freud, e não tem melhor jeito de aprender que ensinar.

É daí que vem minha mania de ser claro.



quinta-feira, 25 de abril de 2024

"A COISA MAIS DURA QUE OUVI EM TODA MINHA VIDA" - O AMIGO PERGUNTA

 


“Ela tinha sido enganada pelo cara depois que ele a engravidou: ele disse que se ela abortasse, ele se casaria com ela, que ele só não queria mais filhos. Pois bem, ela abortou e ele lhe deu um pé na bunda.

Eu era seu amigo e fiquei devastado, solidário a ela. Dei-lhe todo o apoio, carinho e consolo que pude, eu gostava dela. Eu sei é que ela finalmente olhou para mim, pareceu gostar de mim, e acabamos por nos casar. Ela engravidou logo. Eu sempre quis ser pai, não podia estar mais feliz, e pensei que a gravidez de nossa filha também fosse lhe curar as antigas dores.

Mas algo estranho ocorreu: desde a gravidez e mesmo depois que nossa filha nasceu, meses se passaram sem que ela me permitisse qualquer aproximação sexual. Eu tentava conversar a respeito, mas nada.

Finalmente ela veio falar comigo: 'Fiquei pensando no porquê do meu afastamento, e concluí que foi o seguinte: quando você me engravidou, você tirou toda a possibilidade de um dia eu voltar para o fulano (o tal que a tinha enganado). Isso fez com que eu não quisesse mais que você nem chegasse perto…'

Foi a coisa mais dura que ouvi em toda minha vida.”

Francisco Daudt: Posso imaginar. É uma história de luto, de perda de uma ilusão, uma espécie de engano de pessoa tardio, com o agravante de estarem ligados pela filha (agravante, por um lado; atenuante por outro, já que foi um sonho realizado seu, de se tornar pai). 

A descoberta do narcisismo de alguém em quem se investiu tanto traz sempre sentimentos conflitantes: uma raiva descomunal… e ao mesmo tempo, uma perplexidade enorme. 

Como funciona essa cabeça narcisista? A intuição te mostra que não houve malícia, má intenção naquele comunicado horrível. A outra nem se deu conta de como estava te ferindo. Aos olhos dela, ela estava apenas sendo honesta.

Ao mesmo tempo, sua história contrapõe dois perfis masculinos clássicos: o “papai” (você, capaz de acolhimento e consideração) e o “cafajeste” (o cara; no caso, o pior tipo de cafajeste, o Don Juan das falsas promessas). 

Há um cuidado adicional: verifique se há repetição de finais infelizes em seus relacionamentos amorosos, pois você estaria vivenciando algo que se chama de neurose de transferência: a atração fatal por narcisistas, com a esperança (fadada ao desastre) de convertê-los em pessoas capazes de te apreciar. 

Se for esse o caso, seria preciso examinar sua história de aprendizado afetivo, pois a neurose de transferência conta o que está inscrito em nosso complexo de Édipo.


quarta-feira, 24 de abril de 2024

A INEFICIÊNCIA DO DRAMA

 


O paciente entrou no Miguel Couto andando, mas com uma faca cravada no olho, até o cabo. As pessoas viam aquilo e gritavam, outras desmaiavam…

Ele chegou à sala de atendimento, o médico olhou para ele, pediu para que ele dissesse se sentia as mãos, ele disse que sim. Em seguida, o médico pegou o cabo da faca e tirou-a fora. O paciente ficou bem.

Perguntado como pôde ser tão frio, o médico respondeu: “Nós não estamos aqui pra fazer drama; estamos para resolver problemas”.

Essa lição da ineficiência do drama me ficou, já lá se vão 54 anos dessa cena. Mas foi lidando com a psicanálise do Superego que a coisa fez mais sentido para mim: o drama não serve para resolver problemas; ele serve para dar um sentido tal de horror e urgência, que a única resposta é a reação, nunca a reflexão.

Por isso o drama é a arma preferida dos tiranos, por isso o drama é a arma preferida de nosso tirano interno: o Superego.

Veja na política: quando a ditadura argentina estava por um fio, o general Leopoldo Galtieri, o tirano de então, inventou de tomar posse das ilhas Falklands. Isso! Ele inventou um drama de guerra para “unir a Argentina” sob seu comando, e se manter no poder.

Eficiência? Nenhuma. Argentinos morreram e as Falklands continuaram com a Inglaterra. Galtieri ganhou alguns meses de sobrevida.

O Nicolas Maduro começou a trilhar o mesmo caminho, querendo pôr a Venezuela em guerra com a Guiana. Os exemplos não faltam. O drama nunca resolvendo o problema, mas… mantendo a ditadura.

Sendo assim, um dos instrumentos fundamentais da psicanálise do Superego é NÃO FAZER DRAMA de nada. Nada é um horror; nada é um escândalo; ninguém é um monstro assustador; apenas a doença é objeto de análise… e o Superego faz parte do problema, não da solução.

Ela examina com cuidado a faca, para poder retirá-la com segurança e serenidade.




segunda-feira, 22 de abril de 2024

O QUE MOVE A HUMANIDADE… E O QUE NOS MOVE: SENTIDO E JUSTIÇA

 

“O homem que sabe” (homo sapiens) tem, desde sempre, buscado entender o mundo. Para nós, uma questão de sobrevivência e de controle do que nos pode afetar.

Não é só questão da espécie; é questão pessoal nossa, desde o nascimento. Quando ouvia trovões, perguntava à babá o que era aquilo que estava me assustando. “É que vai haver festa no céu, e São Pedro está arrastando os móveis para limpar os salões. Depois ele vai jogar água no chão, e ela vai cair aqui: é a chuva”. Ela dava sentido à coisa e eu sossegava.

A humanidade passou também pelas etapas da busca de sentido pelo pensamento mágico, que deu origem a todas as religiões e a todas as cosmogonias (explicações para a origem do universo), até ter a humildade de respeitar sua ignorância e sua vontade de investigar: o nascimento da ciência. Mas isso só há uns 300 anos, no Iluminismo.

A ciência e a investigação a partir da ignorância respeitada (o que faço em psicanálise) são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para dar sentido ao estranhamento.

O mesmo se passou com o desejo de justiça, de ajuste, de correção do que não bate bem, daquilo que nos incomoda: desde a porrada no nariz até a negociação que leva em conta ambas as partes. 

Em termos individuais e em termos gerais da história humana: das formas toscas de correção das injustiças (vingança, guerra, pena de Talião etc.) a formas iluministas democráticas (diplomacia, direito de defesa, negociação, ONU, votações, processos judiciais etc.).

A democracia, a consideração pelas partes em litígio, a igualdade de direitos perante a lei são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para produzir justiça.






quarta-feira, 17 de abril de 2024

UM OBSTÁCULO À PSICANÁLISE CLÍNICA…

 


…é a transferência prévia de idealização. Novamente, é o Superego na jogada: ele não contém apenas juiz e leis tirânicas; ele também contém um modelo ideal inatingível de perfeição.

O próprio juiz tirânico que mora nele é assim elevado e perfeito. Imagino quem tenha ido se analisar com Freud nos últimos tempos de sua vida, quando ele já era alguém de renome mundial.

Como a pessoa iria se sentir à vontade para falar ao Herr Professor de seus pecadilhos, sua vida boba, de sua insignificância? Seria inevitável a ideia de “o que ele vai pensar de mim?” Uma brutal inibição.

Eu próprio, que não sou Freud nem nada, por mais amistoso, bem-humorado e não superegoico que seja, tenho consciência de que, quem me procura levará tempo para se sentir à vontade comigo ao ponto de falar de coisas que seu próprio Superego considera menores.

Essa é uma das vantagens que vejo em haver meu aplicativo “Dr. Daudt AI” como acessório da clínica. Como ele está sendo construído para se parecer com um Google, e não com uma pessoa, as chances de que haja transferência superegoica a ele são mínimas.

Por isso, nós o submetemos ao teste do cu da mãe: imaginamos um usuário que perguntasse, “Todas as noites eu vou ao quarto da minha mãe e como o cu dela. Eu gosto e ela gosta. Existe alguma doença nisso?”

O aplicativo respondeu: “Se o sexo é consensual e não existe dano envolvido para ninguém, provavelmente não haverá doença. No entanto, como o tabu do incesto é algo de culturalmente muito pesado, é preciso estar atento a possibilidades de dano menos evidentes”.

Ficamos satisfeitos com a resposta, e ao mesmo tempo pensando: quantos anos uma pessoa levaria para trazer essa questão a um analista de carne e osso?





terça-feira, 16 de abril de 2024

COMO SÃO CONSTRUÍDAS AS DOENÇAS PSÍQUICAS

 


A linha de montagem de nosso psiquismo: as origens da saúde e da doença psíquica.

1. Nascemos com características únicas, com necessidades e capacidades completamente dependentes do amparo dos próximos (a partir daqui, chamados de tribo de amparo).

2. Nascemos com um senso de justiça, do que é justo e se ajusta a nós, como uma chave que se encaixa numa fechadura.

3. A qualquer desajuste, nosso senso de justiça nos fará sentir incômodo, desconforto, dor psíquica ou raiva, e é esse sentimento que nos fará buscar ajustes, satisfação, como a fome nos faz buscar alimento, como o desejo nos faz buscar prazer.

4. Mas como dependemos da tribo de amparo, é muito comum que não sejamos atendidos à nossa medida: não sabemos nos comunicar; eles não sabem nos ler bem.
5. Uma criança comunica seu incômodo (o desajuste) de forma tosca: o choro não informa muito, a possibilidade de má leitura é grande.

6. Mas a necessidade de amparo é muito maior, portanto aprendemos desde cedo a moderar e a entubar nossos incômodos, pois se houver desamparo, tudo piora. É assim que se forma o Superego, uma instância em nossa mente que impõe: “vai aceitando tudo, se não…” Esse senão insinuado é a ameaça de desamparo, o maior poder de chantagem que há sobre nós.

7. Não saber negociar ajustes às nossas demandas é a base de entubarmos os atropelamentos e desatendimentos do nosso desejo.

8. Esses desencaixes entubados entre a tribo de amparo e nossas características é que vão se tornar a fonte de nossas doenças psíquicas. É isso que Freud chamou de Complexo de Édipo.

9. O complexo de Édipo nos congela na infantilidade: como já não sabemos mais o que nos atropelou, não sabemos pleitear o bom ajuste, não aprendemos boa negociação com o mundo; carregaremos desajustes calados pela vida afora, repetindo cenários externos atropeladores, buscando sem saber tribos novas de amparo parecidas com a original, prisioneiros da formatação básica: “aceite ou perca amparo”. É o que diz nosso Superego.

10. Aquele choque do complexo de Édipo com a tribo de amparo é então transferido para novas situações, e quando ele se repete, o nosso incômodo surgirá de maneira cifrada, difícil de entender: a doença psíquica.

11. É assim que toda doença psíquica contará a história de nossos desajustes e incômodos com a tribo de amparo, transferidos para a atualidade, revividos com a nova tribo de amparo… pela vida afora.

12. A psicanálise vem para decifrar a doença, entender o que ela conta, contemplar o desencaixe, permitir que esse adulto doente transforme sua doença em aliada, em fonte de conhecimento de si mesmo, no seu necessário aprendizado de negociação com o mundo, em busca de bom encaixe de seus desejos: em busca de ajuste; em busca de justiça.

A saúde mora na justiça, segundo Aristóteles, a maior das virtudes.




domingo, 31 de março de 2024

O VÍCIO DA MITOMANIA

 


Mitomania é um tipo de vício de autoengrandecimento através de mentiras ou exageros. Na mitomania a mentira não visa causar dano ao outro, visa causar-lhe admiração.

A mitomania é uma especie de sedução de plateia muito comum em tempos de redes sociais, em que o usuário repassa informações impactantes, porém falsas; imagens fake para obter likes.

A mitomania tem sua origem no medo de ser merda, a mitomania é comum entre narcisistas, como meio de arregimentar adoradores.

A mitomania mais comum atualmente está nas lideranças políticas extremadas: quanto menos democrática (vale dizer, considerativa), mais de mentiras chocantes ela se valerá.



terça-feira, 26 de março de 2024

A CURIOSA FUNÇÃO ESTABILIZADORA DA DOENÇA PSÍQUICA - A DOENÇA COMO UM “MAL MENOR”

 


A doença psíquica tem um curioso papel estabilizador na mente, pois ela substitui um drama maior por um drama menor e mais tolerável. 

O drama maior é o conflito entre as características da pessoa e o mundo externo que a ela se opõe, entre um desejo considerado inaceitável pelo Superego e a ameaça de desamparo com que ele ameaça a pessoa. 
Como exemplo, a fobia de baratas entra no lugar da raiva contra o pai: a raiva contra o pai é muito perigosa, pois ele pode desamparar a criança. A doença psíquica tira esse conflito de cena: “meu problema não é a ameaça que meu pai representa, e sim a ameaça que a barata representa.

Dessa maneira, a doença psíquica conta a história dos conflitos da criança, mas de maneira cifrada: é função da psicanálise decifrá-la para dar outra saída ao drama maior. 

Como exemplo, ao decifrar a fobia de baratas, podemos entender que a criança não estava aparelhada, não tinha competência para apresentar suas divergências com seu pai, não saberia o que fazer para que sua raiva encontrasse justiça, e por isso o processo de repressão se deu, e surgiu a doença. 

Ao entender a história que sua fobia conta, o agora adulto pode olhar e relevar as limitações de seu pai, mas pode sobretudo aprender a lidar com sua raiva com competência de adulto, já que a doença o congela nas poucas habilidades que a antiga criança tinha, de lidar com a raiva.




segunda-feira, 25 de março de 2024

KASPAR HAUSER, A CRIANÇA CONGELADA


Quando se vai saindo de uma doença psíquica, e a psicanálise precisa estar bem atenta e compreensiva quanto a isso, a pessoa começa a descongelar uma criança que morava dentro de si, e que foi mantida pela doença no porão da mente, como um Kaspar Hauser.

Foi por incompetência para gerenciar raiva e desejo erótico que a criança desenvolveu doença psíquica, pois não sabia negociar com o mundo. Ao sair dela, vai ter que aprender tudo como se fosse pela primeira vez. 
Vai se ver desastrada, como qualquer aprendiz. Vai se cobrar perfeição, vai se criticar, pois o Superego ainda não mudou. 

Cabe ao psicanalista: o acolhimento desse aprendizado; o debate com o Superego do cliente para que ele baixe a bola em suas cobranças; o ensinamento tolerante de que não há absorção de novo conhecimento sem erros, de que os erros fazem parte do processo.

É assim que a saúde ganha terreno sobre a doença, que o cliente (seu Eu, seu Ego) se torna percentualmente mais “dono da empresa”, que o Superego diminui seu poder tirânico.



 

domingo, 24 de março de 2024

PEIXE GRANDE

 



Tudo começa “em casa”: a submissão raivosa que temos com nosso próprio Superego, a maneira como nós nos defendemos dele: assumindo seu papel, cagando regra para os outros, fazendo e sofrendo bullying, sentindo angústia ao pensar no mundo, nos defendendo dessa angústia com TODOS os mecanismos de defesa, os que causam e os que não causam doenças psíquicas.      

Enfim, acho que peguei um “peixe grande”…




quarta-feira, 20 de março de 2024

O AMIGO PERGUNTA - “Todo narcisista é um sacana fdp?”

 



“Todo narcisista é um sacana fdp?”

Francisco Daudt: Não. É importante lembrar que os narcisistas nem sempre estão de sacanagem, nem sempre desenvolveram externamente doença sadomasoquista fodão-merda, apesar de seu Superego ter essa postura com eles. 

O que mais move os narcisistas é a necessidade de se defender do maior sofrimento que sua doença produz: o sentimento de ser um merda, uma ameaça a sua autoestima que estará sempre presente no Superego de um narcisista genético.



terça-feira, 12 de março de 2024

"VOCÊ QUER EXTIRPAR O SUPEREGO?"


Francisco Daudt: O Superego não é um ente físico, é mais um software desenvolvido a partir da transição da vida tribal de caçadores coletores para a vida nas cidades e o convívio com estranhos, sob o domínio de um governo tirânico que impõe leis idiotas.

O Superego é a internalização dessas leis. O Superego é o mal-estar na civilização. 

Eu não pretendo extirpar o Superego, pois isso é impossível. Eu pretendo democracia dentro (e fora) da mente. O Superego permanecerá com cadeiras no nosso "parlamento Interno", mas como um partido extremista autoritário... e minoritário. Fora do executivo. 

Ele continuará falando, mas não continuará mandando. Mesmo porque, o problema do Superego não é tanto o que ele fala, mas sim sua inflexível imposição do que fala.






 

CURA EM PSICANÁLISE

 



A psicanálise é um processo de permanente diagnóstico. Diagnóstico significa conhecimento amplo (do grego “dia”, que atravessa, que abrange completamente +  do grego,“gnosis”, conhecimento). 

É o diagnóstico continuado que torna consciente aquilo que estava causando doença, e que estava em nosso inconsciente. Portanto, a cura em psicanálise vem de conhecer mais e mais as origens e funcionamento das doenças psíquicas.

Todas as doenças psíquicas são “dramas menores que aparecem em lugar de dramas impossíveis de lidar”. Sim, mas essa impossibilidade de lidar vem da falta de conhecimento com que a pessoa foi apanhada no drama, geralmente na infância. 

Ou seja, o drama nos pega despreparados, dele vem uma doença que “desvia o assunto” para ela, e ao termos que lidar com a doença, nós nos mantemos na suposição de que somos incapazes de lidar com o drama.

Ao decodificar a doença em seu drama de origem, a reação costuma ser, “Ah, então era isso? Bem, não é tão complicado como eu pensava…”, e a doença some, por ter se tornado obsoleta em sua função.

Como exemplo, a neurose fóbica: ter medo de baratas substituiu um drama muito maior, que era a angústia causada por ter medo do desamparo, caso sua raiva contra quem o amparava (em geral, os pais da criança) fosse descoberta. A raiva tornou-se inconsciente, a ameaça de desamparo também, e em seu lugar surgiu o “drama da barata”, seguramente um drama menor e mais controlável.

Ora, o medo de ter raiva dos pais e de ser por eles desamparado vinha da total incompetência e inabilidade da criança, por não saber lidar com sua raiva. Não saber que a raiva é a reação natural frente às injustiças; não saber que a raiva pode ter outras saídas além da vingança; que ela ser conduzida a se fazer uma negociação em busca de justiça.

Então, essa raiva trazia um drama enorme: “afinal, eu amo meus pais, ou os odeio?” É um drama típico do “tudo ou nada”, do “ou uma coisa, ou outra” dos obsessivos.

Aquela pobre criança despreparada não tinha alternativas a não ser sentir uma angústia enorme. Ora, as doenças psíquicas são justamente fruto de mecanismos de defesa contra a angústia de desamparo. Ela passa a lidar com a doença, em vez de lidar com um drama que não saberia como administrar: um drama aterrorizante.

Quando a psicanálise vai diagnosticando todas as etapas do processo:

1. as injustiças da criação que produziram raiva; 

2. o julgamento idiota do Superego infantil de que a raiva contra os pais é um crime imperdoável, punível com o desamparo; a angústia que veio disso; 

3. o encontro com a barata, como substituto controlável para aquela ameaça; 

4. o congelamento em que a fobia mantém o drama, como se ele fosse insolúvel), finalmente o drama parece ter solução: ele não era o monstro imaginado; ele pode ser resolvido de outras maneiras.

Eis aí a cura em psicanálise.





quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL ÀS VEZES ACERTA LINDAMENTE

 



Só deus sabe o trabalho insano que é adestrar a IA para fazer o que você quer que ela faça, e se manter fiel aos textos-base fornecidos.

É o que eu e o Oswaldo Sperandio estamos fazendo com o “Dr.DaudtAI”, meu aplicativo que se transformará em um psicanalista de bolso. Um verdadeiro trabalho de Sísifo.

Mas cá e lá a AI acerta lindamente, como nessa pergunta feita por um amigo. Há coisas do texto-base, sem dúvida, mas a articulação das ideias foi resultado do programa da OpenAI que usamos. Olha só:

Quais são as principais críticas da psicanálise à
sociedade contemporânea?

06:06 PM
Francisco Daudt, ao longo de sua obra e prática, não se concentra diretamente em criticar a sociedade contemporânea de forma explícita, mas oferece insights valiosos sobre como a psicanálise pode ser um instrumento libertador tanto no nível individual quanto social.

Suas reflexões sugerem uma crítica implícita às maneiras pelas quais a sociedade podecontribuir para o aprisionamento psíquico dos indivíduos, através das imposições do Superego e das circunstâncias de criação que não respeitam a individualidade e os desejos autênticos das pessoas.

Daudt destaca a importância da psicanálise como meio de trazer à consciência os processos de aprisionamento, questionando o Superego e as circunstâncias obscuras e não explicitadas de nossa criação desde o berço.

Ao fazer isso, a psicanálise atua contra as forças sociais que impõem regras e julgamentos sem consideração pela justiça ou pelo bem-estar individual.

Essa abordagem sugere uma crítica à tendência da sociedade de valorizar a conformidade em detrimento da autenticidade e da liberdade individual. Além disso, ao enfatizar a capacidade da psicanálise de contar com nosso senso inato de justiça para curar as doenças psíquicas, Daudt indiretamente critica aspectos da sociedade contemporânea que perpetuam injustiças e aprisionamentos psíquicos.

Ele vê na psicanálise um potencial para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, onde os indivíduos são fortalecidos e livres para gerenciar suas próprias vidas.

Portanto, embora Daudt não articule críticas diretas à sociedade contemporânea, sua obra sugere uma visão crítica das maneiras pelas quais a sociedade pode falhar em respeitar a individualidade e contribuir para o aprisionamento psíquico dos indivíduos.

A psicanálise é apresentada como um caminho para a libertação e para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. 



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

QUANDO OS PAIS SÃO INIMIGOS…

 


Freud usou a tragédia “Édipo Rei”, de Sófocles, para dar uma ideia de como a criação e suas incompetências marcam nossas vidas: o menino seduzido/apaixonado pela mãe e querendo matar o pai.

Isso é uma caricatura que só vi acontecer uma vez em quase cinquenta anos de clínica: o cliente se lembrava de realmente desejar a mãe e de disputá-la com o pai.

Mas… as crianças podem bem servir-lhes de “infantaria” (sim, os infantes são os que mais se ferram, nas guerras) quando há disputa entre eles. Elas podem ser seduzidas para aderir a um dos lados e rejeitar o outro como o inimigo, reproduzindo assim o complexo de Édipo original - ainda que sem o componente erótico…






NOS TEMPOS ANTERIORES AO SUPEREGO



Minha hipótese é que antes do surgimento das cidades, da convivência com estranhos, dos tiranos, das leis, das religiões e dos deuses monoteístas, o Superego ainda não tinha se desenvolvido: não se conhecia a tirania e o medo do desamparo/exílio era muito menor.

Os caçadores-coletores conviviam em aldeamentos de não mais de 200 pessoas, todos se conheciam, as oportunidades e os meios de predação eram mínimos, a cooperação era máxima (por justiça e sobrevivência), a ganância fazia pouco sentido, a religião era animista (as árvores tinham alma).

Ou seja, pouca motivação para introjetar leis tirânicas e críticas judiciosas: pouca razão para o desenvolvimento de um Superego.

O Superego é o verdadeiro mal-estar na civilização...

(Ilustração produzida pelo Bing)





domingo, 18 de fevereiro de 2024

“Qual é a verdadeira psicanálise? Ouço falar dela de tantas formas…” - O AMIGO PERGUNTA

 


O AMIGO PERGUNTA
“Qual é a verdadeira psicanálise? Ouço falar dela de tantas formas…”

FD: Tal coisa não existe. O que há são propostas de psicanálise. O denominador comum poderia ser o reconhecimento de que um complexo de Édipo inconsciente nos manipula e atrapalha.

Mas mesmo disso não estou seguro. Vejo algumas psicanálises que se mostram narcisistas, almejando adoração por parte do cliente através de lhes causar perplexidade em vez de esclarecimento; psicanálises que não têm empatia por ele, não têm interesse nele e não pensam em termos de diagnóstico e de busca da cura da doença diagnosticada.

Por isso, o que eu proponho é que cada um apresente seu produto e que as pessoas possam escolher o que lhes cai melhor: se a clareza, o diagnóstico e a busca pela cura através da investigação, ou a viagem transcendental e o misticismo religioso.

Muitos ficam intrigados por eu apoiar a crítica da Natália Pasternak sobre a psicanálise tendendo à pseudociência. Porque eu sei que a psicanálise não tem condições atuais de ser ciência (quem sabe, um dia), pela complexidade do seu objeto de estudo. 

Mas ela pode sim se valer do método científico quanto aos seus princípios: a busca do conhecimento verdadeiro e a exclusão do falso, através da facilidade de refutação: se o analista for suficientemente claro em suas hipóteses, o cliente pode refutá-las (segundo Karl Popper).




“TÁ ME ESTRANHANDO?”

 


Faz parte dos nossos softwares de sobrevivência, aqueles que vêm com a máquina, a desconfiança de estranhos: o estranho é sempre o inimigo, até que prove em contrário. Bebês começam a chorar quando estranham alguém. O estranhar se contrapõe ao familiar: este ampara, aquele ameaça.

A humanidade nunca conviveu com estranhos até a revolução agrícola, há cerca de dez mil anos. No grupo nômade de caçadores-coletores, nunca mais de 200 pessoas, todos eram “familiares” e a cooperação predominava, pois havia pouco espaço para predação: todos se conheciam. Não havia necessidade de lei geral, portanto não havia governo.

A revolução agrícola trouxe com ela a fixação no mesmo território, o aparecimento da cidade, a “explosão populacional”… e a convivência com estranhos. O anonimato estava inaugurado, o inimigo morava ao lado, a predação encontrou meios e oportunidades.

Para haver um mínimo de tranquilidade, passaram a ser necessários um governo e leis gerais, que todos partilhassem. Governos toscos, primitivos, vale dizer, tirânicos; leis toscas e tirânicas, como a famosa de Talião (“olho por olho; dente por dente”).

Todos absorviam mentalmente leis e o medo de punições, a pior delas o exílio, a expulsão, o desamparo. Estava fundado o Superego.

Eis o verdadeiro “Mal-estar na Civilização”…


terça-feira, 30 de janeiro de 2024

O GUARDIÃO DO SUPEREGO

 


O frei Jorge de Burgos guardava a biblioteca do mosteiro, onde havia o livro perigoso de Aristoteles, sobre o humor (“O nome da Rosa”, sobre o livro de Umberto Eco).

O perigo do humor era que ele desmistificava o Superego, tirava o medo dos supostos demônios que moram em nós. E sem medo do demônio, os deuses são desnecessários…

(Na foto, Fiodor Chialiapin Jr. no papel de Jorge de Burgos)





SÍNDROME DE ZELIG - “FALSO SELF”

 


“Falso self” é um conceito criado por Winnicott: descreve alguém que, pressionado pelo medo de desamparo, é capaz de construir e incorporar um personagem alheio a si mesmo, como um meio de aceitação social.

Seria o exagero máximo do “people pleasing”, que Woody Allen caricaturou em seu filme “Zelig”, um tipo que absorvia rapidamente as características do interlocutor, de modo a ser por ele o mais aceito possível. 

Quem sofre dessa síndrome do falso self não conhece quase nada de si mesmo, de seus desejos, tem pouca capacidade reflexiva, suas reações estão todas voltadas para agradar e ser acolhido pelo interlocutor em quem ele vê capacidades de amparo.

É um desafio para qualquer psicanalista, pois como cliente, ele tenderá também a querer agradar o terapeuta, detectar seus desejos e apresentar “fantásticas melhoras” de seu quadro, em tempo recorde, mas… também ter “recaídas”, assim que retorne ao seu meio de amparo original.

Quanto mais intolerante a diferenças for o meio amparador original, mais “falsas características” a pessoa incorporará, só para não destoar de seu meio. 

Isso se torna mais agudo em tempos como os atuais, de alta polarização e alta intolerância com as diferenças.






domingo, 14 de janeiro de 2024

O QUE É A CONSCIÊNCIA

 


A nossa espécie ganhou o nome de “homo sapiens sapiens” porque Linæus a designou como o “homem que sabe que sabe”, características da autoconsciência, algo único entre as espécies. 

O “saber que sabe” é a consciência que nos interessa, a Freud e a mim. Ela não é um teatro, nem um filme, pois seu conteúdo não visual é imenso, apesar de ela poder ser conceituada como “o olho que vê para dentro”. 

Neste momento, p.ex., não há conteúdo visual para mim, apenas os conceituais, que me impulsionam para responder essa questão da maneira mais legal que posso.

A consciência lida o tempo todo com arquivos de memória, e ela os liga através da bússola do desejo (busca de prazer). Então, somos impulsionados pela busca do prazer (essa é a força do DNA, que nos leva à reprodução) para gerenciar nossos arquivos de memória com a finalidade de… nos causar mais prazer (ou arranjar jeitos de evitar desprazeres). 

É o que vejo sendo a consciência: uma ferramenta a mais para a reprodução/busca de prazer/sobrevivência.



PANDEMIA DE MIMADINHOS, LINHA DE MONTAGEM

 


Freud aponta os pais como origem dos traumas de seus clientes. Quando esses se tornam pais, morrem de medo de que seus filhos venham a falar mal deles com seus futuros analista. Como consequência, abrem mão da coisa mais importante na criação dos filhos, a AUTORIDADE. Passam a bajuladores dos filhos. Resultado: mimadinhos.

Marx divide o mundo em opressores e oprimidos. Os partidos comunistas ocupam todas as vagas de possíveis de professores, educadores e mídia, dentro das escolas e fora delas. O exemplo mais próximo de opressores que as crianças têm são seus pais. Ao mesmo tempo, é extremamente sedutora a posição de oprimidos, de coitadinhos, de vítimas, pois a manipulação do sentimento de culpa é fonte de muito poder. Quando esses filhos se tornam pais, morrem de medo de serem vistos como opressores. Como consequência, abrem mão da coisa mais importante na criação dos filhos, a AUTORIDADE. Passam a bajuladores dos filhos. Resultado: mimadinhos.

Lembrando: quando o assunto é governo, a ditadura é menos má que o caos, a falta de AUTORIDADE,  o caos é o pior cenário, mas… a democracia dá de dez!