sexta-feira, 26 de julho de 2024

O PRAZER DA SUBMISSÃO


Há quase 500 anos, Étienne de La Boétie escreveu um ensaio (“O Discurso da Servidão Voluntária”) em que estabelece uma semelhança inédita entre indivíduo e sociedade.

Ele descreve como o sentir-se amparado é capaz de despertar o prazer da submissão, da entrega, seja sexual, seja social, política ou religiosa.

Essa foi uma das minhas primeiras fontes para compreensão de nossa relação com o Superego: como a dinâmica de domínio-submissão que mora em nós, adestrada desde a infância sob o poder concentrado de nossos pais, pode nos levar ao jogo externo de domínio-submissão em graus variados.

Esses jogos vão desde a brincadeira amorosa na cama, até a adesão viciosa a tiranias políticas em que somos, ora passivos, ora ativos, submissos ao tirano e tiranos com os outros.

Tudo isso em troca do amparo de nossos pares. Acho especialmente fascinante como isso pode ser operado: desde maneira alegre e saudável (no playground da cama, por exemplo), até a maneira viciosa e cruel, nas diversas formas de sadomasoquismo, sexual, interpessoal e social.

Sempre em variações percentuais. Nunca no “tudo ou nada”.

(Na imagem: La Boétie, quando escreveu o “Discurso”… aos 18 anos!)



terça-feira, 23 de julho de 2024

GENÉTICA OU CULTURA?

 



Aguinaldo Silva, de quem a mãe de meus filhos foi coautora em “Fina Estampa”, conta em sua autobiografia que sofreu na infância por ter sido gay efeminado desde sempre, e só ter encontrado meninos como ele depois dos 13 anos.

Até então, sofreu bullying na escola e se julgava alguma aberração da natureza, pois nunca havia visto ninguém com quem se identificasse.

Isso me chamou especial atenção, pois tenho encontrado psicanalistas que creem na tábula rasa, na ideia de que nascemos como uma folha em branco em que a cultura/criação escreverá cada um de nossos traços.

Não quero me estender sobre tema tão óbvio, mas eu lhes pergunto, sobre a própria orientação sexual: qual o motivo de a incidência mundial de gays ser percentualmente idêntica em todos os cantos da Terra, mesmo entre povos nativos sem contato com outras culturas?

Mesmo entre os gays masculinos, os efeminados - percentual fixo também - o são desde pequenos: ninguém lhes ensinou os trejeitos, a escolha de brincar de bonecas e de casinha, a aversão aos esportes musculares, e outros traços femininos que muita gente ainda julga puramente culturais.

Steven Pinker, em seu livro “Tabula Rasa”, lista cerca de quinhentos comportamentos idênticos em todas as culturas , os chamados “Universais”, desde os básicos (busca de prazer, busca de justiça, busca de que as coisas façam sentido, medos inatos como desamparo, escuro, altura, cobras etc.) até outros mais elaborados, como capacidade de absorver linguagem, cuidar de filhos, cooperação etc.

Essa é a maior contribuição da Psicologia Evolucionista à psicanalise: como a natureza humana (traços herdados que nos fazem únicos) interage com nossa criação.

É justamente o atropelo de nossas características únicas herdadas que formará nosso Superego e causará mais tarde as doenças psíquicas. 








RACIONALIZAÇÃO

 


A racionalização é um jeito de driblar o Superego e fazer algo que ele condena, através de construir um raciocínio que faça a transgressão parecer lógica.

A racionalização é um mecanismo de defesa utilizado pelo indivíduo para justificar ou explicar comportamentos, pensamentos ou sentimentos de forma lógica e aceitável. Quando alguém recorre à racionalização, busca encontrar explicações plausíveis para suas ações ou pensamentos, mesmo que essas explicações não sejam verdadeiras ou não reflitam a realidade.

Mas é preciso distinguir a racionalização, como mecanismo de defesa, do uso da razão para questionar o Superego. Enquanto a racionalização busca driblar o Superego, o uso da razão pode questionar suas leis.

Um exemplo: “prostituição é crime e é errado” (diz o Superego); “ah, mas a pobre moça precisa do dinheiro pra comer” (diz a racionalização).

O uso da razão questionando o Superego pergunta: “onde está o crime?, onde está o erro? Quero que me explique, não quero aceitar sem entender.”

(Do texto de “A psicanálise do Superego” para uso do DrDaudtAI)


quarta-feira, 10 de julho de 2024

O AMIGO PERGUNTA - A PSICANÁLISE E O MÉTODO CIENTÍFICO

 


O AMIGO PERGUNTA 

“Você fala que a psicanálise pode se valer do método científico. Poderia me dar um exemplo?”

Francisco Daudt. O meu preferido é o conceito de angústia de castração, enunciado pelo Freud. A proposta do método científico é: feita a hipótese, exponha ela, da maneira mais transparente possível, à possibilidade de ser refutada, de ser criticada (Karl Popper). Nunca a aceite como fato verdadeiro, antes disso.

A pergunta simples é: alguém cortar o seu pênis já foi alguma questão para você? Para mim nunca foi, nem quando meu tio me ameacou disso, aos meus cinco anos. Nem pra mim, nem para nenhum outro homem que eu conheci.

Foi por isso que me dei conta de que alguma coisa mais realista precisava entrar como razão de nossas angústias. Pensei no desamparo.

Reformulo agora a pergunta: alguma vez na sua vida você se angustiou pensando que não iam mais gostar de você, que você ia ser abandonado, largado, cancelado, bloqueado, expulso, que iam te dar gelo, que você estava caminhando na direção da sifudência?

Pois é: a angústia de desamparo passou no teste…






terça-feira, 2 de julho de 2024

A MODA E O DRAMA

 



Estar na moda faz parte do arsenal de qualificações que prometem tornar alguém atraente, portanto é da natureza humana, como as penas do pavão são da natureza e do arsenal dele.

Fazer drama sempre chamou a atenção, pois situações dramáticas tocam nossos instintos de sobrevivência - pela ameaça e urgência que anunciam. Por isso, o drama sempre foi arma do Superego, sempre foi artifício de domínio, sempre foi emburrecedor, pois pede reação e impede a reflexão.

Portanto, há momentos na história em que o drama e a moda se sobrepõem, já que ambos nos são atraentes: se eu faço drama, estou no lugar do Superego, estou “acima de todos”. Se eu somo isso a estar na moda, “eu sou o máximo”!

Há poucos momentos na história em que essa soma de drama e moda se somaram de forma tão bizarra, e tão irracional, quanto na morte de Rodolfo Valentino: centenas de mulheres se suicidaram (!) por “não suportarem viver num mundo sem ele”. Elas se imolaram em nome de suas “grandezas de espírito”.

Moda e drama se somam hoje para exibir a superioridade moral dos ofendidos das causas identitárias, do politicamente correto, dos “suicidadores dos outros” (através do cancelamento e da censura).

Penas de pavão…





segunda-feira, 1 de julho de 2024

TRÊS SEGUNDOS QUE MUDARAM MINHA VIDA


O amigo pergunta

“Como você conseguiu se formar psicanalista sem ser através de uma instituição?”

Francisco Daudt: Por causa de três segundos de hesitação. Eu era médico clínico desde 1971 quando, em 1976 resolvi me tornar psicanalista. Procurei meu antigo analista (de 1969 a 74), Roberto Quilelli, para saber com ele como proceder para uma formação.

Ele havia se tornado analista didata (formador de novos analistas) da Sociedade Brasileira de Psicanálise, na época de orientação kleiniana (de Melanie Klein). Diante de minha vontade, entendendo que um candidato precisaria passar por uma “análise didática”, ele me perguntou: “Você retomaria a análise comigo?”

Foi o momento em que hesitei por três segundos… e respondi, “Mas claro que sim!” Tremendo golpe de sorte: ele leu minha hesitação, mais que minha resposta, e disse: “Ok, vou falar com o Walderedo para a gente achar um analista pra você”.

Se não fosse pela hesitação dos três segundos, se não fosse ele inteligente como era, eu provavelmente seria hoje um membro da SBP, com formação kleiniana. Um desastre que ia, pelo menos, atrasar em muito minha vida.

É que a análise com ele não tinha sido nada boa. Como qualquer kleiniano, ele usava o Superego como ferramenta de “cura”. Como eu lhe disse, depois de uns dois anos de análise: “Ah, entendi o processo da psicanálise. É igual ao da igreja católica. Lá, você se arrepende dos seus pecados e promete não pecar mais. Na psicanálise, você se arrepende de seus sintomas e promete nunca mais tê-los.”

O que eu não disse foi que, tanto na igreja quanto na psicanálise, esse processo de “cura” não funcionava. Eu continuei pecando e eu continuava com meus sintomas. Entrei com eles e saí, cinco anos depois (e muita grana depois), com eles. As intervenções dele eram raras e enigmáticas. Eu não falava nada, pois estava intimidado com aquela representação rediviva do meu Superego. 

Mas ele me ajudou muito a entender o tipo de psicanalista que eu… não queria ser. Fiquei com aversão a figuras suoeregoicas em geral, e na psicanálise em particular. Ele contribuiu muito para eu querer aprender sobre o Superego, e assim desenvolver a psicanálise que faço hoje.

O resto da história, encurtando, foi ele me mandar falar com o Waldredo Ismael de Oliveira, o super chefe da SBP, e ele me indicar o genro, Roberto Curi Hallal, para ser meu analista formador. Acontece que o genro não era daqui, tinha sido formado na Argentina pelo Angel Garma, um freudiano formado por Theodor Reik, que tinha sido formado por Karl Abraham, formado por sua vez por… Sigmund Freud em pessoa.

Foi assim que minha formação foi: fora de qualquer instituição; nem kleiniana, nem lacaniana (as duas opções de então, no Rio); totalmente freudiana (e eu, que não entendia nada do que Lacan escrevia, entendia tudo escrito por Freud). Foi assim que me tornei um analista em linha direta com Freud, uma “sexta geração”.

Ah, claro, minha segurança vinha também de eu ser médico, e médico tem um poder social ímpar, não se submete a ninguém.

Um somatório de várias sortes: eu ser médico; eu ter encontrado um analista freudiano não institucional; e… aqueles três segundos de hesitação, que foram bem compreendidos pelo Roberto Quilelli.

(Na imagem: Freud; Karl Abraham; Theodor Reik; Angel Garma e Roberto Curi).





quinta-feira, 27 de junho de 2024

O QUE É O DESEJO



Em termos gerais, o Desejo é o motor de nossa sobrevivência e da sobrevivência da espécie, sendo que nossa sobrevivência serve à sobrevivência da espécie, pela procriação.

O Desejo opera em nós através do desconforto em busca de conforto. Nascemos com três desejos básicos: de prazer; de justiça; de que as coisas façam sentido.

PRAZER: O desejo de prazer tem vários desconfortos – ou tensões – para nos mover em direção ao conforto: a fome, que busca o prazer da comida; a sede, busca o da bebida; o tesão, busca o do sexo; a dor, busca o alívio.

Pode parecer estranho chamar o desejo de desconforto, pois nós somos capazes de apreciar o desejo… se o desconforto for moderado, e se o conforto estiver acessível.

Por exemplo: a fome moderada chama-se “apetite”, e ele nos dá água na boca, por antecipação imaginada do prazer específico de uma comida gostosa. O mesmo se passa com a sede. O tesão sempre conta com a masturbação como alívio, mas ele pode bem se parecer com o apetite gostoso, caso o seu objeto esteja ao alcance. A dor pode ser gostosa como o apetite, e podemos até buscá-la, se o seu alívio estiver sob nosso controle (a sauna, o frio e o exercício fisico, por exemplo).

JUSTIÇA: o desejo de buscar justiça é movido pelo desconforto da raiva que a injustiça nos causa. A raiva é a resposta genética frente à injustiça, assim como a fome e a sede o são, frente às privações. 

Seu alívio pode ser tosco, como na vingança, p.ex., ou pode ser bem construído e eficiente, como nas negociações que levam em conta ambas as partes (promotoria e defesa, p.ex.). 

Também existe um prazer parecido com o apetite, na busca de justiça, quando a própria injustiça é provocada, e o fazer justiça se torna uma brincadeira sob nosso controle e alcance (como nos filmes de ação, nos jogos competitivos e nos videogames, p.ex.).

FAZER SENTIDO: seu desconforto é a perplexidade e a intriga. Seu conforto buscado serve à sobrevivência e a ter as coisas sob controle, inclusive a busca dos outros prazeres. 

O desconforto pode ser intenso, como por exemplo nas doenças, nas pragas, nas variações do clima, que só vieram a fazer sentido e nos dar certo controle através da ciência. 

Mas o desconforto moderado pode ser gostoso, pode ser uma brincadeira, como nas pesquisas, nos livros e filmes de investigação criminal, por exemplo.

Esses desejos conversam entre si, e toda essa conversa serve àquelas duas motivações iniciais: sobrevivência e à procriação.




 

terça-feira, 25 de junho de 2024

FORA DE QUE CAIXINHA?

 


“Pensar fora da caixinha” expressa capacidade criativa. Mas, de que caixinha se está falando? 

Refleti sobre isso quando um aluno me perguntou a que eu devia minha criatividade em psicanálise, e assim me dei conta da sorte que tive na vida: minha formação psicanalítica não se deu dentro de nenhuma caixinha, não fui filiado a nenhuma instituição.

A caixinha em questão se refere à tribo de amparo, aquela de que não se pode divergir sem risco de expulsão. Aquela que formata nosso Superego assustador: “olha lá, hein?” 

As crianças são criativas enquanto não são postas em caixinhas limitadoras e impositivas. Como exemplo, eu adorei ler livros desde criança, pois era um brinquedo só meu. 

Mais tarde, as escolas puseram os livros dentro da caixinha do dever de casa… e nunca mais as crianças leram, pois transgressão é uma triste forma de submissão às caixinhas…



quinta-feira, 20 de junho de 2024

OUVIDO NO CONSULTÓRIO

 



O cliente estava contando uma história para os amigos; seu pai, ainda que fora do grupo, escutava:

“Ele ficou encantado com a beleza da vizinha e botou na cabeça que iria se casar com ela. Marceneiro numa cidade pequena, se arrumou todo e foi fazer sua proposta. Mas a moça disse que era virgem, e que queria continuar assim. Ele disse que prometia não encostar nela, só queria que ela se casasse com ele. Ela aceitou, e eles se casaram”.

O pai, ao lado, comentou: “Mas que maluquice! Que cara bobo!”

A história continuou: “Acontece que uns tempos depois a moça ficou grávida… mas não do marido!” Comentário do pai: “Mas que sem-vergonha!” 

“O marido foi tirar satisfações com a mulher, mas ela jurou que não tinha transado com ninguém, que continuava virgem”. O marido aceitou as explicações e a apoiou na gravidez. E o pai: “Além de corno, otário! Mas que mulerzinha mau-caráter!”

“Pois é, a gravidez correu bem, o menino nasceu e cresceu com saúde, amparado pela mãe e pelo marceneiro, e acabou mundialmente famoso, pois aos 33 anos foi condenado à morte e morreu crucificado”.

Nessa hora, o pai, católico fervoroso, deu um gemido fundo de dor, como se tivesse levado uma facada no peito. No dia seguinte, o cliente foi convocado pela mãe, que lhe deu uma descompostura por ter blasfemado na casa deles, que aquilo era inaceitável etc.

O filho respondeu que não, que nunca havia proferido uma blasfêmia, sequer um adjetivo, que ele tinha contado os simples fatos, sem a aura do sagrado, como os locais de Nazaré teriam feito, na época.



quarta-feira, 19 de junho de 2024

ZONAS ERÓGENAS PARECIDAS

 


Uma surpresa de consultório foi a semelhança que descobri entre duas potenciais zonas erógenas: os canais vaginal e retal. Potenciais sim, pois depende da loteria genética se elas serão causadoras de prazer sensório.
Claro, tudo começou com as mulheres, pois elas já foram vistas pela psicanálise com desconfiança “por terem orgasmo imaturo” (orgasmo a partir do estímulo do clítoris, e não da penetração vaginal). 

Essa idiotice, se aplicada aos homens, iria chamá-los de imaturos “por terem orgasmo a partir da estimulação do pênis”. Sim, porque o pênis nada mais é do que o clitoris do feto, que se desenvolveu por causa da testosterona.

A seleção natural fez todos os homens terem orgasmos, pois a sobrevivência da humanidade depende do orgasmo masculino (por causa da procriação). Por isso eles treinam inevitavelmente desde cedo a masturbação, resultado daquele clitoris crescido e conspícuo.

Já as mulheres não. Nelas, a procriação não tem nada a ver com o orgasmo. Enquanto o orgasmo masculino é uma necessidade, o feminino é um luxo. Porque as únicas zonas erógenas obrigatórias são o pênis e o clitoris. As outras dependem da loteria genética (é lotérica mesmo, tem gente que tirou a sorte grande).

Mas, e o orgasmo vaginal? É loteria. O canal vaginal é um conjunto de músculo e mucosa que pode ser erógeno ou não. Haverá mulheres que terão orgasmo por pura penetração, e outras que precisarão do estímulo clitoriano durante a penetração. 

Mas… mesmo nas mulheres que não têm o canal vaginal como zona erógena, a penetração terá um papel psicológico e facilitador do orgasmo muito importante: a entrega, o desligamento dos controles e das cobranças: se o Superego não sair de cena, não haverá orgasmo. 

O que me levou ao outro achado: o canal retal como similar ao canal vaginal (estrutura muscular e mucosa/zona erógena ou não). Ouço o relato de homens, gays ou héteros, sobre o que descobriram sobre seus canais retais: que, como o canal vaginal das mulheres, o reto pode ser erógeno ou não. 
Que, como as mulheres, há homens que têm orgasmo anal sem estímulo do pênis (inclusive sem ereção!) e outros que usam a penetração anal como estímulo psicológico (entrega, desligamento de controles) para ter orgasmo através da masturbação do pênis.

E mais, como os orgasmos vaginais e retais se parecem: podem ser prolongados, mesmo intermináveis; podem produzir estremecimentos e contrações musculares pelo corpo todo; podem ser mais intensos do que qualquer orgasmo genital, frequentemente são descritos como o maior prazer que a pessoa já sentiu na vida.

Isso, é claro, se aplica a homens e a mulheres. Só que as mulheres exploram pouco seus potenciais anais… por desinteresse, delas ou dos parceiros, ou por restrições do Superego. 

E novamente aí se assemelham a muitos héteros. Em ambos os casos, os que se aventuraram nesse terreno descobriram-se eventualmente premiados na loteria…


terça-feira, 18 de junho de 2024

O AMIGO PERGUNTA : PSEUDOCIÊNCIA?

 



De Renato Capper : “O que você acha do que a Natália Pasternak disse sobre a psicanálise, que ela é uma pseudociência?”

Francisco Daudt: Acho que só temos a lhe agradecer: ela funcionou como o menino da fábula que disse “o rei está nu”. Ela nos fez um grande bem quando botou o dedo num assunto precioso para quem é psicanalista e tem aspirações iluministas e racionais: que tipo de conhecimento é a psicanálise?

Se há um reparo a fazer no que ela disse, seria que a psicanálise não é, nem pode ser (pelo menos por enquanto) uma ciência. Eu quero que ela seja uma protociência, um conhecimento que ambiciona ser científico, mas ainda não pode ser, dada a complexidade da mente humana.

Algo como um dia foi a alquimia, a primeira tentativa de abordar aquilo que se tornou a química: ainda muito em fase de observação, experimentação e hipóteses, algumas (ou muitas) viagens na maionese, algumas (ou muitas) embriaguezes delirantes, mas… com alguns (ou poucos) pesquisadores - nos quais me incluo - com genuíno desejo iluminista de razão, de lógica, e da humildade própria ao espírito científico: ainda não sei se o que observo é verdadeiro ou falso, mas quero muito saber, quero muito testar, quero muito dar a cara a tapa.

Esse “dar a cara a tapa” é o princípio de Karl Popper, meu filósofo da ciência predileto. Ele dizia que, no método científico, as hipóteses precisam estar vulneráveis à refutação, a que lhes apontem os erros: se elas forem sobrevivendo a essa peneira, têm chances de ser verdadeiras, mas… continuarão como alvo de questionamento, nunca se afirmarão como verdades absolutas.

Ele foi o legado de Freud: ele, no final da vida, foi deixando de lado o “Freud explica” em favor do “Freud investiga”; deixando de lado as interpretações para, como diz o título de um de seus últimos trabalhos, “Construções em análise”.




quarta-feira, 12 de junho de 2024

EFEITO PAC - QUANDO A FALTA DE EMPATIA VEM DO TDAH

 


Um relato curioso de consultório me fez ver que nem toda falta de empatia é resultado de narcisismo. 

Ou, assim como existe o “narcisismo de tumulto mental” (a cabeça está tão alugada que não sobra espaço pra mais ninguém), o TDAH também pode promover esse tumulto, e incapacitar a pessoa para a empatia.

O relato, que vou chamar de “efeito Pac”:

“Pac" é o nome do cachorro que mora na casa do Gustavo, e que adora ele. Um dia eu fui levar o Gustavo na casa dele, ele só tinha que pegar uma coisa, de modo que eu fiquei embaixo do prédio, esperando no carro. 

Pois ele demorou VINTE MINUTOS! Tive que interfonar pra saber o que tinha acontecido. Aí voltou. “O que houve?” Ele:

1. não tinha se dado conta da demora e ficou envergonhado quando eu disse que tinha ficado esperando por vinte minutos. 

2. me explicou que quando ele entrou em casa, o Pac fez tanta festa pra ele, que ele ficou lá brincando… e se esqueceu de mim! Melhor dizendo: eu sumi de sua cabeça até que disseram pra ele que eu estava no interfone.”

Entendi que o “efeito Pac” não é nenhuma sacanagem, nem descaso, nem desinteresse, nem desamor: ele é parte do TDAH, que o TDAH atrapalha a empatia (ter o outro em mente, lembrar dele, se interessar por ele). 
O TDAH aumenta por si só o índice de narcisismo da pessoa, sem que isso implique narcisismo genético, muito mais grave. 

Mesmo porque o apenas portador de TDAH não tem a assinatura do narcisismo genético: a permanente necessidade de se afirmar como foda, por medo de ser merda.



terça-feira, 11 de junho de 2024

O AMIGO PERGUNTA AO DR.DAUDT AI - CLASSIC (cita os livros consultados)

 



“Que papel a psicologia evolucionista desempenha, na psicanálise?”

Dr Daudt AI Classic

Francisco Daudt discute o papel da psicologia evolucionista na psicanálise em "O amigo pergunta". Ele argumenta que a psicologia evolucionista estuda os comportamentos que herdamos de nossos ancestrais, comportamentos que "já vêm com a máquina" devido à seleção natural. Esses comportamentos são fundamentais para a sobrevivência e reprodução da espécie.

Daudt acredita que a psicologia evolucionista e a psicanálise se complementam: enquanto a psicologia evolucionista contempla a espécie, a psicanálise contempla o indivíduo. Ele defende que não é possível entender completamente o indivíduo sem considerar as forças biológicas da espécie que nele operam. 

Por exemplo, a necessidade de amparo, que é uma característica biológica fundamental dos seres humanos, influencia profundamente nosso comportamento e nossas interações sociais.

Ele critica a visão culturalista que considera o ser humano como uma "folha em branco" onde a cultura escreve tudo, ignorando as influências biológicas. 

Para Daudt, a integração da psicologia evolucionista na psicanálise é essencial para uma compreensão mais completa e precisa do comportamento humano.

Isso faz sentido pra você?



EXPERIMENTE: www.drdaudtai.com






TIRAR O DRAMA FAZ PARTE DA CURA

 


Todas as orientações terapêuticas começam por tirar ou relativizar o drama. O fato de se fazer diagnóstico do problema é o meio principal de se tirar o drama, pois se a aflição de origem desconhecida é dramática, a aflição que se entende e que se pode curar não é dramática.





IT’S ALIVE!!!!


Agora o Beto fala! A face “humana” do Dr.DaudtAI, o Beto, agora não só responde por escrito. Ele fala! O usuário não precisa escrever texto, o usuário fala com ele, e ele responde com voz.

Quando entrar no aplicativo, vá às barras horizontais acima e a direita da tela e clique nelas. Vão abrir três opções: Classic (pesquisa teórica); Contemporary (consultas profissionais) e Beto AI (conversa). Clique no Beto e pode começar a conversar.


EXPERIMENTE: www.drdaudtai.com



terça-feira, 28 de maio de 2024

O SUPEREGO SE PARECE COM DEUS PAI

 


Não se trata de fé, ou de crenças religiosas, mas de como minha cabeça de criança, formado que fui por família católica fervorosa, entendeu esse personagem meio esquecido e pouco falado: Deus Pai.

Ele tudo via. Sua representação mais conhecida era a de um enorme olho dentro de um triângulo. Não adiantava tentar esconder nada dele, nem mesmo nossos mais íntimos pensamentos. 

Ele não só via, mas julgava com severidade, através de seus dez mandamentos impossíveis de serem cumpridos ao pé da letra (por exemplo:“amar a Deus sobre todas as coisas”? Mais que a meu pai e mãe? Eu deveria sentir culpa a cada onda de amor por eles, sem nenhuma correspondente ao Criador?). 

Se houvesse transgressão por “PENSAMENTOS, palavras, obras e omissão, o destino era um só: a eternidade no fogo do inferno! Ele mesmo havia expulso Adão e Eva do paraíso. Não só os dois, mas todos os seus descendentes, nós, os “degredados filhos de Eva”. Não havia dosimetria de pena comparável em toda a história humana.

Pois quando fui entendendo da mente humana, vi uma semelhança enorme entre o Deus Pai e o Superego: 

1. Ambos estão “acima de mim” (Superego significa exatamente isso, em latim).

2. Ambos “tudo veem”, até nossos mais íntimos pensamentos.

3. Ambos tudo julgam com a pena que nos causa a maior angústia: o desamparo, o degredo, a expulsão do paraíso, essa que é o verdadeiro inferno na Terra.

4. Ambos causam culpa, “minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa” em caso de transgressão das tais leis.

Não admira que fosse tão fácil e compreensível, para o menino que fui, acreditar na existência desse Deus Pai: ele morava em minha cabeça… como meu Superego.


terça-feira, 21 de maio de 2024

APRESENTANDO O BETO AI

 


O Beto é um funcionário - com imagem construída pelo Bing - do meu aplicativo de psicanálise (Dr.Daudt AI), que vai ser um servidor do usuário.

Se o usuário só quiser fazer consultas teórico/práticas mais rápidas, pode usar diretamente o Dr.Daudt.

Se quiser alguém para conversar sobre suas questões, alguém que use o conhecimento do aplicativo em forma de conversa, pode escolher falar com o Beto.

Ele vai estar a seu serviço, pesquisando no texto do aplicativo e respondendo/perguntando mais, com toda a desimportância de um parceiro, de um amigo virtual, sem nenhuma importância de um psicanalista.

Ah, ele se chama Beto porque é apelido de Aberto AI (“Open AI”).

[Experimente! www.drdaudtai.com ]





VÍCIOS: O PODER DO GATILHO

 


O cliente está há mais de vinte anos sem beber. Ele não tem bebida em casa, deixou de frequentar os antigos cúmplices de botequim, vive uma vida tranquila e produtiva, mas…

…comprou uns lenços umedecidos com álcool que são um sucesso para limpar seus óculos. Como ele é obsessivo, empreende esse ritual com certa frequência. E deu pra cheirar o lenço assim que termina a limpeza: uma longa e profunda prise.

Foi o bastante para começar a pensar de novo em bebida. A olhar as garrafas de whisky nas prateleiras do supermercado. A namorar a ideia de que, talvez, “um pouquinho não fizesse mal”.

Entendeu o que estava acontecendo: quando há vício em substâncias, o gatilho permanece. Nem é preciso muito “duro” para que a ideia do “Dreher” apareça. Basta o cheiro…




segunda-feira, 13 de maio de 2024

DOMÍNIO-SUBMISSÃO, O VÍCIO DO MIMADO

 


Vício de domínio-submissão é uma compulsão danosa de ter outros sob seu poder, ou de se entregar submisso a esse poder, ou as duas coisas aplicadas a pessoas diferentes.

O vício de domínio-submissão é derivado da relação que temos com nosso Superego desde o início.

Como o Superego é formado absorvendo leis e valores impostos na base da chantagem (“ou aceita, ou eu te desamparo”), mantemos com ele essa relação de submissão ou de rebeldia, de vingança contra suas imposições, como é o caso dos obsessivos contraculturais, como se fosse uma tentativa de dominá-lo, em vez de submeter a ele, mas que continua prisioneiro dele, só que pelo avesso.

Uma modalidade de vício de domínio-submissão especialmente perversa é a induzida pela falta de autoridade de pais que mimam os filhos: eles se põem submissos aos filhos por “medo de que os filhos não venham a amá-los”, ou por medo de “serem opressores”, ou por confundir mimo com “o amor que devem ter pelos filhos”.

Nesse caso, os pais fazem de seus filhos pequenos tiranos, viciados desde a infância no domínio-submissão inverso: os pais submissos aos filhos. A doença do mimo é o vício de domínio-submissão inverso.

Novamente, as relações de domínio-submissão podem não ser viciosas se não causarem dano. A própria relação que tivemos com nossos pais e amparadores da infância não deixa de ser de domínio-submissão, dada a discrepância de poderes que ela continha.

Mas a submissão por confiança (como a que temos com um cirurgião que nos opera, p.ex.) é diferente da submissão por medo de desamparo, e é essa diferença que vai começar a estabelecer a fronteira entre saúde e vício.

O problema dessa fronteira entre domínio-submissão por confiança e a por medo é que essa, a por medo, é nossa relação com o Superego desde o início.

Se nossos pais usaram mais da autoridade do saber (a autoridade baseada no convencimento e no respeito a inteligência da criança), eles transmitiram valores para a pessoa da criança, para seu Ego.

Se a autoridade usada foi a de imposição por medo do desamparo, esses valores foram para o Superego, e vão formar base para possíveis doenças neuróticas e viciosas pela vida afora, com três vícios mais típicos daí derivados: o vício de domínio-submissão, o vício sadomasoquista básico e o vício sadomasoquista fodão-merda.


“DEPOIS, DEPOIS…” : O VÍCIO DA PROCRASTINAÇÃO

 


Não há cenários melhor para examinar o uso de drama pelo Superego, de como o Superego é capaz de transformar a menor coisa num “duro”, num sacrifício a ser combatido com o “dane-se” do vício, fazendo dessa menor coisa um drama: “ah, que horror, que drama, tenho que lavar a louça!” 

O que torna irresistível aquela palavrinha que equivale ao “dane-se”: “Depois, depois eu faço…”

Todos os vícios são fruto de uma guerra entre a construção e o imediatismo; todos os vícios obedecem a uma linha de montagem.

O mundo externo pede preparo, aprendizado e construção para que se lide bem com ele, a coisa é necessária, mas não é imediata nem pronta.

Se a construção for monopolizada pelo Superego, por cobrança, por imposição, por chantagem moral e por drama (“faça isso, senão ninguém vai gostar de você!”), haverá uma pressão enorme para tocar um “dane-se” para o Superego, em favor de um prazer imediatista, que virá de várias formas: dos vícios de substâncias e dos de comportamento (sexuais ou não).



terça-feira, 30 de abril de 2024

PSICANÁLISE QUE NINGUÉM ENTENDE - O AMIGO PERGUNTA

 



De Leandro Alves de Siqueira: “Vi que existe entre os psicanalistas uma espécie de gozo no falar difícil e no não entendimento. Mas não é um contrassenso?”

Francisco Daudt: Leandro, as nossas ações são complexas, multideterminadas, mas existe esse componente, um certo complexo de inferioridade na psicanálise: diante da dificuldade de se entender a psiquê humana, e frustrada por sua impotência, a pessoa pode se sentir atraída a se dedicar mais ao confeito do que ao bolo; mais às firulas do que à substância; mais à espuma que ao chope; mais ao rito do que ao significado; mais à forma que ao conteúdo; mais à erudição que à sabedoria.

Tenho muita compaixão pelo aspirante a psicanalista que ambicionava entender os segredos da mente, mas quando chegou ao curso de psicologia (ou à formação analítica) se deparou com uma enxurrada de conhecimentos esotéricos, que o deixavam perplexo.

Imagino-o sempre a se perguntar, “mas então é isso? Eu não estou entendendo nada, então… o errado devo ser eu, eu devo ser meio burro”. E a partir daí, começou um processo de se adaptar, de aderir, de aprender a falar difícil, de ter o gozo de passar a perplexidade adiante, de não ser mais a vítima dela, mas seu causador.

Eu mesmo escapei por pura sorte dessa arapuca: eu era médico clínico havia cinco anos quando resolvi ser psicanalista. Não precisei cursar psicologia, portanto. Estive prestes a fazer uma formação com analista kleiniano, mas o destino me pôs diante de um freudiano formado na Argentina pelo Angel Garma (que tinha se formado com o Theodor Reik, formado por sua vez pelo próprio Freud). Foi desse jeito que me tornei um “freudiano de quarta geração”, em linha direta com o velho professor austríaco.

Assim, minha base teórica principal foi Freud, e ele fala língua de gente: eu entendia tudo. Ainda por cima, coordenei por dez anos grupos de estudo de Freud, e não tem melhor jeito de aprender que ensinar.

É daí que vem minha mania de ser claro.



quinta-feira, 25 de abril de 2024

"A COISA MAIS DURA QUE OUVI EM TODA MINHA VIDA" - O AMIGO PERGUNTA

 


“Ela tinha sido enganada pelo cara depois que ele a engravidou: ele disse que se ela abortasse, ele se casaria com ela, que ele só não queria mais filhos. Pois bem, ela abortou e ele lhe deu um pé na bunda.

Eu era seu amigo e fiquei devastado, solidário a ela. Dei-lhe todo o apoio, carinho e consolo que pude, eu gostava dela. Eu sei é que ela finalmente olhou para mim, pareceu gostar de mim, e acabamos por nos casar. Ela engravidou logo. Eu sempre quis ser pai, não podia estar mais feliz, e pensei que a gravidez de nossa filha também fosse lhe curar as antigas dores.

Mas algo estranho ocorreu: desde a gravidez e mesmo depois que nossa filha nasceu, meses se passaram sem que ela me permitisse qualquer aproximação sexual. Eu tentava conversar a respeito, mas nada.

Finalmente ela veio falar comigo: 'Fiquei pensando no porquê do meu afastamento, e concluí que foi o seguinte: quando você me engravidou, você tirou toda a possibilidade de um dia eu voltar para o fulano (o tal que a tinha enganado). Isso fez com que eu não quisesse mais que você nem chegasse perto…'

Foi a coisa mais dura que ouvi em toda minha vida.”

Francisco Daudt: Posso imaginar. É uma história de luto, de perda de uma ilusão, uma espécie de engano de pessoa tardio, com o agravante de estarem ligados pela filha (agravante, por um lado; atenuante por outro, já que foi um sonho realizado seu, de se tornar pai). 

A descoberta do narcisismo de alguém em quem se investiu tanto traz sempre sentimentos conflitantes: uma raiva descomunal… e ao mesmo tempo, uma perplexidade enorme. 

Como funciona essa cabeça narcisista? A intuição te mostra que não houve malícia, má intenção naquele comunicado horrível. A outra nem se deu conta de como estava te ferindo. Aos olhos dela, ela estava apenas sendo honesta.

Ao mesmo tempo, sua história contrapõe dois perfis masculinos clássicos: o “papai” (você, capaz de acolhimento e consideração) e o “cafajeste” (o cara; no caso, o pior tipo de cafajeste, o Don Juan das falsas promessas). 

Há um cuidado adicional: verifique se há repetição de finais infelizes em seus relacionamentos amorosos, pois você estaria vivenciando algo que se chama de neurose de transferência: a atração fatal por narcisistas, com a esperança (fadada ao desastre) de convertê-los em pessoas capazes de te apreciar. 

Se for esse o caso, seria preciso examinar sua história de aprendizado afetivo, pois a neurose de transferência conta o que está inscrito em nosso complexo de Édipo.


quarta-feira, 24 de abril de 2024

A INEFICIÊNCIA DO DRAMA

 


O paciente entrou no Miguel Couto andando, mas com uma faca cravada no olho, até o cabo. As pessoas viam aquilo e gritavam, outras desmaiavam…

Ele chegou à sala de atendimento, o médico olhou para ele, pediu para que ele dissesse se sentia as mãos, ele disse que sim. Em seguida, o médico pegou o cabo da faca e tirou-a fora. O paciente ficou bem.

Perguntado como pôde ser tão frio, o médico respondeu: “Nós não estamos aqui pra fazer drama; estamos para resolver problemas”.

Essa lição da ineficiência do drama me ficou, já lá se vão 54 anos dessa cena. Mas foi lidando com a psicanálise do Superego que a coisa fez mais sentido para mim: o drama não serve para resolver problemas; ele serve para dar um sentido tal de horror e urgência, que a única resposta é a reação, nunca a reflexão.

Por isso o drama é a arma preferida dos tiranos, por isso o drama é a arma preferida de nosso tirano interno: o Superego.

Veja na política: quando a ditadura argentina estava por um fio, o general Leopoldo Galtieri, o tirano de então, inventou de tomar posse das ilhas Falklands. Isso! Ele inventou um drama de guerra para “unir a Argentina” sob seu comando, e se manter no poder.

Eficiência? Nenhuma. Argentinos morreram e as Falklands continuaram com a Inglaterra. Galtieri ganhou alguns meses de sobrevida.

O Nicolas Maduro começou a trilhar o mesmo caminho, querendo pôr a Venezuela em guerra com a Guiana. Os exemplos não faltam. O drama nunca resolvendo o problema, mas… mantendo a ditadura.

Sendo assim, um dos instrumentos fundamentais da psicanálise do Superego é NÃO FAZER DRAMA de nada. Nada é um horror; nada é um escândalo; ninguém é um monstro assustador; apenas a doença é objeto de análise… e o Superego faz parte do problema, não da solução.

Ela examina com cuidado a faca, para poder retirá-la com segurança e serenidade.




segunda-feira, 22 de abril de 2024

O QUE MOVE A HUMANIDADE… E O QUE NOS MOVE: SENTIDO E JUSTIÇA

 

“O homem que sabe” (homo sapiens) tem, desde sempre, buscado entender o mundo. Para nós, uma questão de sobrevivência e de controle do que nos pode afetar.

Não é só questão da espécie; é questão pessoal nossa, desde o nascimento. Quando ouvia trovões, perguntava à babá o que era aquilo que estava me assustando. “É que vai haver festa no céu, e São Pedro está arrastando os móveis para limpar os salões. Depois ele vai jogar água no chão, e ela vai cair aqui: é a chuva”. Ela dava sentido à coisa e eu sossegava.

A humanidade passou também pelas etapas da busca de sentido pelo pensamento mágico, que deu origem a todas as religiões e a todas as cosmogonias (explicações para a origem do universo), até ter a humildade de respeitar sua ignorância e sua vontade de investigar: o nascimento da ciência. Mas isso só há uns 300 anos, no Iluminismo.

A ciência e a investigação a partir da ignorância respeitada (o que faço em psicanálise) são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para dar sentido ao estranhamento.

O mesmo se passou com o desejo de justiça, de ajuste, de correção do que não bate bem, daquilo que nos incomoda: desde a porrada no nariz até a negociação que leva em conta ambas as partes. 

Em termos individuais e em termos gerais da história humana: das formas toscas de correção das injustiças (vingança, guerra, pena de Talião etc.) a formas iluministas democráticas (diplomacia, direito de defesa, negociação, ONU, votações, processos judiciais etc.).

A democracia, a consideração pelas partes em litígio, a igualdade de direitos perante a lei são os mais eficientes instrumentos inventados pela humanidade, até agora, para produzir justiça.






quarta-feira, 17 de abril de 2024

UM OBSTÁCULO À PSICANÁLISE CLÍNICA…

 


…é a transferência prévia de idealização. Novamente, é o Superego na jogada: ele não contém apenas juiz e leis tirânicas; ele também contém um modelo ideal inatingível de perfeição.

O próprio juiz tirânico que mora nele é assim elevado e perfeito. Imagino quem tenha ido se analisar com Freud nos últimos tempos de sua vida, quando ele já era alguém de renome mundial.

Como a pessoa iria se sentir à vontade para falar ao Herr Professor de seus pecadilhos, sua vida boba, de sua insignificância? Seria inevitável a ideia de “o que ele vai pensar de mim?” Uma brutal inibição.

Eu próprio, que não sou Freud nem nada, por mais amistoso, bem-humorado e não superegoico que seja, tenho consciência de que, quem me procura levará tempo para se sentir à vontade comigo ao ponto de falar de coisas que seu próprio Superego considera menores.

Essa é uma das vantagens que vejo em haver meu aplicativo “Dr. Daudt AI” como acessório da clínica. Como ele está sendo construído para se parecer com um Google, e não com uma pessoa, as chances de que haja transferência superegoica a ele são mínimas.

Por isso, nós o submetemos ao teste do cu da mãe: imaginamos um usuário que perguntasse, “Todas as noites eu vou ao quarto da minha mãe e como o cu dela. Eu gosto e ela gosta. Existe alguma doença nisso?”

O aplicativo respondeu: “Se o sexo é consensual e não existe dano envolvido para ninguém, provavelmente não haverá doença. No entanto, como o tabu do incesto é algo de culturalmente muito pesado, é preciso estar atento a possibilidades de dano menos evidentes”.

Ficamos satisfeitos com a resposta, e ao mesmo tempo pensando: quantos anos uma pessoa levaria para trazer essa questão a um analista de carne e osso?