domingo, 30 de janeiro de 2022

MEDOS - O AMIGO PERGUNTA

 



“Qual o principal medo que nos atinge?”

Francisco Daudt: o medo de desamparo e seus derivados, como solidão, culpa, ridículo, sifudência, degredo, discriminação, má fama, rotulação, desqualificação, e em tempos de mídias sociais, cancelamento.

É incrível, mas esses medos acabam sendo maiores e tendo mais consequências psíquicas que os de ameaça física, doença e morte.


HÁ UM PREDADOR DENTRO DE NÓS; CUIDADO COM ELE

 


O risco das lutas justas é a vitória, e o que fazemos com ela.

Para o predador que existe em nós, a aspiração do oprimido é se tornar opressor. A inveja não ambiciona a igualdade, mas o privilégio. A luta contra a Ditadura militar não era por democracia, mas pela ditadura do proletariado.

A motivação predadora humana só aguarda meios e oportunidades.



FREUD E DARWIN CONVERSAM - O INDIVÍDUO CONVERSA COM A ESPÉCIE

 



Todos os seres vivos são como a galinha: uma máquina inventada pelo ovo para fabricar outro ovo.

A pena do pavão serve ao ovo através da atração que ele exerce sobre a fêmea; o voo do pavão serve ao ovo através da sobrevivência, para fugir dos predadores enquanto ele não se reproduz. Nós somos comandados pelo gene e seus interesses egoistas, a nossa própria sobrevivência só tem sentido para sustentar a multiplicação dos genes.

Nós somos totalmente descartáveis, do ponto de vista do gene. O esquisito é sermos conscientes, o que inaugura o conceito de indivíduo: os interesses dos indivíduos podem ser diferentes dos interesses dos genes, posso querer ter prazer e não passar meus genes adiante. Essa é a fascinante conversa a que vou me dedicar no próximo livro: indivíduo (psicanálise; Freud) conversa com a espécie (psicologia evolucionista; Darwin). 



ORGASMOS - O AMIGO PERGUNTA

 



“Existe mesmo essa coisa de diferentes orgasmos nas mulheres? De que o orgasmo vaginal é ‘mais maduro’ que orgasmo clitoriano?”

Francisco Daudt: Existem diferentes orgasmos, tanto para mulheres quanto para homens. Só essa história de “orgasmos maduros” é que é conversa fiada e idealização superegoica.

O orgasmo, como quase tudo na espécie humana, é também resultado da interação “nature-nurture”, natureza e criação, hardware e software, nascença e cultura. O pênis e o clitoris têm a mesma estrutura e origem anatômica. Nosso embrião tem genitais em forma original feminina. No caso dos meninos, ainda durante a gestação, os hormônios vão fechar a vagina e fazer crescer o clitoris, os ‘ovários’ descem e se transformam em testículos.

É assim que os meninos terão um clitoris/pênis exposto e sensível, impossível de escapar à estimulação: todos os meninos (só os meninos?) se masturbam, a masturbação é a principal vida sexual dos homens. Com isso, os circuitos cerebrais que permitem o orgasmo ficam muito bem treinados, e como consequência, não há homens que nunca tenham experimentado o orgasmo. A mãe natureza agradece, pois a existência da humanidade depende do orgasmo masculino. Além disso há a cultura, que os impele ao sexo, por gosto e afirmação de masculinidade.

Com as mulheres, é diferente. Sua estrutura genital é escondida. Uma vez, em sala de aula, pedi que os alunos situassem anatomicamente 1.ânus, 2.meato urinário, 3.canal vaginal e 4.clitoris, no sentido ventre-dorso. Eles deveriam escrever os números sequenciados num papel e me entregar. O índice de erros foi muito alto. (A propósito, a sequência certa é 4;2;3;1).

Com isso, a masturbação feminina já é menos comum. A inibição cultural sobre a sexualidade da mulheres costuma reprimi-la ainda mais: enquanto os homens temem se parecer com mulheres/gays, as mulheres temem se parecer com promíscuas/putas, isso contribui muito para que haja mulheres que nunca se masturbaram. Uma cliente me contou que, dentro do box da privada, em seu colégio interno, havia uma pintura na porta representando o olho de Deus num triângulo, com a legenda “Deus te vê!”

Não é de se espantar, portanto, que haja muitas mulheres que nunca experimentaram orgasmo, já que seus circuitos cerebrais para ele dependem do treino masturbatório.

As diferenças de orgasmo (intensidade de prazer), tanto dos homens quanto das mulheres, correm por conta da equação controle/entrega: quanto mais controle, menos prazer; quanto mais entrega, mais prazer. Um homem pode querer um orgasmo que é quase apenas um alívio: uma rapidinha, uma mera ejaculação. A propósito, o excesso de controle leva a um problema masculino: a ejaculação precoce.

O abandono dos controles é capaz de levar a orgasmos espetaculares. A entrega, em graus maiores, leva a orgasmo que toma o corpo inteiro, deixa a pessoa exausta, e em dois casos produz até miniconvulsões: os orgasmos vaginais e anais, estes últimos em mulheres e em homens. O orgasmo anal é tão diferente do orgasmo por estímulo genital, que os homens o experimentam sem ereção e sem ejaculação.

De novo, isso não tem nada a ver com graus de maturidade ou qualquer outro juízo de valor. É apenas fruto de capacidade orgânica (zona erógena) somada ao desejo de intensidade, que leva a um treino dedicado.


PSICOLOGIA EVOLUCIONISTA MAL COMPREENDIDA

 


Fiquei feliz de ver um psicanalista contemplando a psicologia evolucionista, mas… ele a entendeu mal. Não há essa separação tão forte entre bons e maus. A capacidade predadora mora em todos nós, a capacidade de altruísmo recíproco também.

A boa sociedade civilizada incentiva a segunda e diminui as chances para a primeira, pois sabe que “a ocasião faz o ladrão”. A boa justiça pune a predação com penas dosadas, e dá ao transgressor a oportunidade de se regenerar. O temor da justiça é um dos fatores que inibem nossas capacidades de predação. Mas o principal é o objetivo democrático de igualdade de oportunidades.

Existe sim o predador irrecuperável, a quem chamamos de psicopata/sociopata. Estes precisam ser afastados, em prisão perpétua, mas são minoria. 


DESEJOS REPRIMIDOS - O AMIGO PERGUNTA

 


“Você diz que o caminho para a felicidade consiste em conhecer os próprios desejos e realizá-los. Mas, e quanto aos desejos reprimidos? Isso se aplica?”

Francisco Daudt: Não… em parte. Acontece que alguns desejos são reprimidos porque são olhados pelo Superego de maneira rudimentar e distorcida, e aí sim, parecem monstruosos e qualificados para a repressão.

Por exemplo: você descobriu em análise que “no fundo, queria matar seu pai”. Daí concluiu que existe um monstro dentro de você, ele tem que ser mantido sobre repressão. Faz todo o sentido, não?

Mas suponha que você arranjou um psicanalista capaz de entender que o desejo em pauta não tem nada de assassino, que há sim um desejo digno e legitimamente seu envolvido na coisa: o desejo de justiça. Você sofreu com as injustiças vindas de seu pai e, por falta de instrumentos, ficou com a reação infantil de vingança, a forma mais primitiva de justiça.

“Ah, se você quer mal a essa pessoa sagrada que te deu tudo na vida, então você é um monstro”, diz o Superego. Pronto: repressão nele!

A partir daí, a questão principal está obscurecida pelo medo do monstro, e os efeitos da repressão vão se construindo (o menino bonzinho que não sabe dizer não, p.ex.).

Quando se descobre o desejo de justiça envolvido, a pessoa pode aprender instrumentos civilizados de corrigir as injustiças: negociação, mediada ou direta, acerto de ponteiros, ou se não der, tomar distância e cuidar da própria vida.

Nessa hora, o desejo reprimido mostra sua face legítima, a de desejo de justiça, e deste modo pode ser realizado.

Resumo da ópera: o desejo reprimido dos neuróticos obsessivos é, afinal, o desejo de justiça.


NARCISISMO

 



Sim, claro, existe a pessoa narcisista que só se interessa por si mesma, se acha o máximo, é um poço de vaidade, não tem um pingo de empatia nem de interesse por ninguém. Essa não vê nenhum problema em si: é perfeita.

Mas também há a tomada por tal tumulto mental, que não lhe sobra espaço para a contemplação de mais nada. Esse narcisismo tem cura.







PSICOLOGIA COGNITIVA E PSICANÁLISE - O AMIGO PERGUNTA

 



“Já ouvi você falar bem da psicologia cognitiva. Ela tem alguma relação com a psicanálise?”

Francisco Daudt: Primeiramente, eu vou ressaltar que se trata de psicologia cognitiva, e não daquilo de que se costuma falar, da TCC (terapia cognitivo-comportamental). Cognitiva, sem a comportamental, portanto.

Depois, sim, existe um conceito da psicologia cognitiva que se parece muito com o que é pesquisado em psicanálise: o erro cognitivo que leva à crença disfuncional. Por exemplo, “a masturbação é pecado mortal (erro) e te levará ao inferno pela eternidade (crença)”, um jeito de associar a sexualidade ao sentimento de culpa.

O objetivo, tanto da psicologia cognitiva quanto da psicanálise, é entender como a crença disfuncional foi absorvida, para que a pessoa se livre dela.

A diferença está na complexidade: a psicanálise não afirma que são erros, mas maneiras de ver a vida nas quais você foi envolvido quando criança, e das quais pode discordar, se tiver um olhar crítico sobre elas.

P.ex., suponha que você cresceu num ambiente familiar que dividia o mundo em fodões e merdas, e absorveu essa crença altamente disfuncional, com grande prejuízo para a sua saúde mental e a dos que te cercam. Se você se torna consciente desse conceito, e pode discordar dele por achá-lo injusto, começa aí o seu caminho de cura da doença sadomasoquista mais comum da humanidade.







domingo, 2 de janeiro de 2022

MEDO DO RIDÍCULO - O AMIGO PERGUNTA

 


“Em que categoria de angústia mora o medo do ridículo?”

Francisco Daudt: Na da angústia de desamparo. É uma forma sutil, mas está lá. 

Antes de mais nada, vamos defini-lo. O ridículo é o sentimento que o desmascaramento da pretensão descabida desperta. Ele é diferente do patético, que é a pretensão descabida escancarada. O ridículo é um momento; o patético é uma constante.

Para haver o ridículo é preciso que a pessoa exiba algo – ou algum comportamento – pretensioso, com intenção de assim se engrandecer. Mas o tiro sai pela culatra, pois a coisa se mostra nada engrandecedora, muito pelo contrário, e a pretensão sem base fica patente.

Aí vem a parte do desamparo: o mau julgamento, o repúdio, o riso que escarnece, a má fama que daí se segue, o abandono da plateia.

Para haver ridículo, portanto, é preciso que o desejo exibicionista esteja presente, somado à soberba e aos meios de ter-se o que exibir, bem como a um público-alvo especialmente crítico. 

Disso resulta uma coisa curiosa: o medo do ridículo é comum nas camadas sociais mais altas e/ou mais educadas; quanto mais tempo de dinheiro e educação, mais riscos de ridículo haverá. Arrivistas e novos-ricos não temem o ridículo, pois ainda não formaram Superego para isso.

Sim, o ridículo pode bem ser uma arma do sadomasoquismo sutil, mas também é causador de um peculiar sintoma de neurose obsessiva: a lembrança constrangedora. Além da ressaca do mico da véspera, ela se dá por flashes de memória, provocados por associações de ideias, em que acontecimentos antigos (alguns, de décadas) fazem a pessoa querer cavar um buraco no chão para ali sumir, de tanta vergonha.

Como todo sintoma neurótico, esse também é muito esquisito…







A COMPLEXIDADE DO CHORO


“Para quem quer se soltar / invento um cais”

A conversa entre ninho e voo; chegada e partida; âncora e viagem; porto e mar; simples, complexo e simples de novo, é uma constante nesse especial dos 50 anos do Clube da Esquina: Milton, nascimento e morte…

Milton se soltando das amarras de seu Parkinson, a conversar com o menino Zé Ibarra, reencarnação de sua voz cristalina de criança, aquela que me deslumbrou em 1967, quando ouvi “Travessia” pela primeira vez.

De quantas camadas é feito um pranto? Da beleza da música, e do impartilhável que ela contém, por certo… mas também da tristeza, da pena, que contempla o tempo que passou para ele e para mim, o efêmero da vida, sua irrelevância e riqueza. 

Se pudesse escolher um momento máximo desse choro, seria o da dimensão sinfônica que a Orquestra de Ouro Preto deu àquela que considero a melhor frase instrumental de Milton, os acordes decrescentes com modulação que iluminam o “Cais”.

Sei que não poderia ter um presente de natal melhor, uma viagem pela delicadeza que me fez esquecer por um momento o ano torpe.

Invento um cais, e la nave va.


 





RECUSA NÃO É INSULTO

 




Um dos maiores problemas na negociação sexual é levar bem a recusa. Há algo em nós que sempre a traduz como juízo de valor (é bem verdade que, às vezes, a outra parte a apresenta como tal).


Mas de fato ela não é. É apenas manifestação de desencontro de desejo: o do outro não se encaixa com o seu. Por exemplo, dois desejos iguais não se encaixam, eles precisam ser complementares.


“A vida é arte do encontro, apesar de haver tanto desencontro pela vida…”

(Vinícius de Moraes)







SUICÍDIO - O AMIGO PERGUNTA




“Como o psicanalista lida com o risco de suicídio de seu cliente?”

Francisco Daudt: Tratando da dor. É preciso ter isso claro: ninguém tem vontade de morrer, o que se tem é vontade de se ver livre de uma dor para qual não se vê outra saída senão a morte.

Isto posto, vamos adiante. Há vários tipos de suicídio; eles vão do mais benigno e aceitável, a eutanásia, ao mais maligno e irritante, o suicídio de vingança (quando se quer matar alguém pelo sentimento de culpa).

Um australiano de 104 anos foi para a Basiléia, Suíça, para pôr fim à sua exaustão de viver, através de um instrumento legal e extremamente civilizado que lá existe, o suicídio assistido. Eutanásia se traduz do grego como “boa morte”.

O adolescente rebelde, ou o apaixonado sem perspectivas, se seduzem pela ideia de que sua morte será sua vingança contra o outro que ele ama/odeia, a quem se sente aprisionado. É também uma busca de libertação da dor, mas de difícil compaixão. No samba-diálogo “Amigo é pra essas coisas” (Aldir Blanc), um diz, “Que bom se eu morresse / talvez Rosa sofresse”, e o outro dá a resposta definitiva: “vá atrás…”

Entre esses extremos, existem as tentativas de suicídio – que são na maioria das vezes pedidos de socorro. Num estágio mais brando/precoce estão as lesões que os “cutters” se fazem, adolescentes que se cortam, pois não têm outros meios de exprimir suas dores.

Por isso volto ao início: o foco do psicanalista deve ser sempre a dor. Avaliá-la, diagnosticá-la, aliviá-la, resolvê-la. Muitas dores são – em parte – fruto da imaginação do cliente: é preciso olhar o monstro, para saber seu tamanho real. Crianças imaginam um bicho-papão debaixo da cama, mas não se atrevem a dar uma espiada, e aí… não há nada mais maravilhoso nem nada tão terrível quanto o imaginado: é onde mora o Superego, vale dizer, o Ideal e o Mortal.

A posição do psicanalista pode ser crítica: quando alguém está para pular da ponte, não tem conversa: primeiro é preciso segurar, senão não haverá o que conversar. Já pedi seis meses ao cliente: “Já que você vai morrer mesmo, que diferença faz? Me dê esse tempo, para eu ver se há saídas possíveis”. E havia.

Mas é preciso ter em mente que há doenças psíquicas tão terminais quanto um câncer. Há dores incontornáveis. E há fim da vida: vivemos um tempo em que a morte foi medicalizada, ninguém mais morre em casa, quase toda morte é escondida num CTI, num hospital, como se morrer fosse uma obscenidade.

Num belo movimento contrário a essa tendência estão os atuais cuidados paliativos. Diante da falta de perspectivas, eles visam à boa morte, a morte sem dor e com dignidade. Às vezes, é o que resta para um psicanalista fazer… 


 





IDENTIDADE - O AMIGO PERGUNTA

 




“Como nos tornamos o que somos? Ou melhor, a pessoa que acreditamos ser?”

Francisco Daudt: Através de processos de identificação. O curioso é que “identificação” é “tornar-se idêntico, tornar-se igual”, um caminho que começa com imitação e termina (termina?) num ser único, singular. O falar português, que é parte da minha identidade, começou comigo imitando o que ouvia, mesmo que eu já não me lembre mais disso.

“Quando eu crescer, quero ser igual a você” é uma linda frase por causa do verbo “querer”. É ele que distingue a identificação por gosto da identificação por imposição. O que caracteriza esta última é o “ter que”: “você tem que ser macho, tem que ser isso ou aquilo!”

A identidade construída pelos modelos de identificação por gosto é a que mais dá paz interna. Mas é preciso que a pessoa esteja acostumada a se consultar: “eu quero isso?; ou “eu tenho que querer isso”? Esse respeito consigo mesmo forma uma pessoa com autoestima e serenidade: é o que queremos para nossos filhos, é o que queremos para nós. Ela é fruto de escolha, ela é a cara da democracia mental. Os fragmentos dessa colcha de retalhos de coisas que nos caem bem formarão um tecido único, não mais idêntico a nada nem a ninguém: um indivíduo.

No caso oposto, a identificação por imposição causa perturbação incessante, causa guerra interna e externa. A pessoa briga consigo mesma sem saber porquê, briga com os outros para forçá-los a se tornarem o que ela pensa ser o certo (ela passa adiante o processo que sofreu).

Ela não experimentou ser levada em consideração, por isso tenta repetir como tirana o domínio de que foi vítima. É a cara da tirania, não importa se política, familiar ou religiosa: seja igual a nós, e morte aos infiéis.

Como visto, essa tirania pode ser exercida pelos pais, mas não só. Sua turma de adolescentes pode bem operá-la para você se tornar homogêneo.

Atualmente, as mídias sociais se tornaram o principal instrumento de construção identitária por imposição: pressionam, patrulhando ideologias e comportamentos, regulando pensamentos e maneiras de falar através do sentimento de culpa de te igualar a antimodelos: “ou você é como nós, ou você é… (e aí vem uma série de adjetivos monstruosos)”.

Sim, é a eterna luta da espécie: a democracia é uma possibilidade construída; a tirania é nossa tendência natural enraizada. Para que lado tenderemos? Para o indivíduo, que começou imitando e se tornou autor? Ou para a massa homogênea, que se submete à imposição por medo?







VÍCIOS SADOMASOQUISTAS - O AMIGO PERGUNTA

 



Marcelo Albiero de Faria: “De onde vem o amor de certas pessoas pelo 'barraco' (no sentido de briga, escândalo)?”

Francisco Daudt: Se você está falando daqueles que entram compulsivamente em brigas, bate-bocas, tretas, confrontos com variados graus de violência verbal – deixemos a física de lado, por enquanto – em que os adjetivos humilhantes imperam sobre os substantivos argumentativos, bem, a principal causa é o vício sadomasoquista do tipo fodão-merda.

Novamente, é preciso separar hábito de vício. Nem toda altercação implica vício. O vício é o ato compulsivo, repetitivo, alugante das ideias, que dá satisfação imediata mas causa dano tardio aos interesses principais da pessoa, ou dos outros, ou de ambos.

Faço um reparo ao termo “amor”, usado na pergunta. No caso, seria preferível “atração”, ou “compulsão”. Amor é sentimento complexo, construído, consciente; a atração e a compulsão, mais simplórios, primitivos, imediatistas.

O vício fodão-merda espelha para o mundo a relação sadomasoquista que temos com nosso Superego: ele, poderoso, idealizado, fodão, está sempre a nos cobrar e criticar, dizendo que, se não estamos à sua altura, então somos uns merdas. Isso é tão doloroso que tendemos a terceirizar essa briga para nossos contatos externos, a posar de fodão para os outros, fazendo com que se sintam uns merdas. Nessa hora, vivemos um alívio momentâneo de nos parecer com o Superego, de nos identificar com ele, de nos ver como ideais.

Mas já que você falou de amor, devo constatar com tristeza o quão comum é que as relações de casais se baseiem nesse vício. O maltrato fodão-merda é um laço, muitas vezes mais poderoso que o amor, para manter longos casamentos.

Com a agravante (ou seria a atenuante?) de poder funcionar como artifício fetichista para despertar tesão. Ouvi certa vez de um cliente: “Ela me humilha o quanto pode, mas isso me dá tesão, eu me vingo depois, fazendo ela gemer debaixo de mim. E ela gosta!”

Ih, esse casamento tem tudo para durar…







O SUPEREGO COMO PARTE DO PROBLEMA 2: CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS - O AMIGO PERGUNTA




“Se você diz que o Superego faz parte das doenças, como então deve agir o psicanalista em sua prática clínica?”

Francisco Daudt: É curioso, eu poderia fazer uma lista de atitudes que decorrem dessa percepção do Superego como parte do problema, mas… se eu o fizesse, estaria estabelecendo ideais grandiosos, juízos de valor sobre o analista, e sutilmente ou não, impondo regras para sua prática.

Ou seja, estaria eu mesmo sendo superegóico, fazendo o jogo do Superego.

Em vez disso, prefiro lembrar do valor da análise em que o analista é cliente (melhor ainda se for autoanálise), para sua boa formação.

Se ele entender bem seu próprio Superego, se ele for capaz de diminuir a relação sadomasoquista que tem com seu Superego, se disso resultar uma postura clínica de humildade científica que o tire do pedestal, se ele passar a ver sua prática clínica como uma prestação de serviços de saúde mental a seus clientes, com isso virá sua progressiva mudança de atitude frente a seus clientes.

É o que basta para começar a desinvestir do vício fodão-merda (em que o analista se sente fodão e o cliente, merda) para investir na virtude de se buscar a cura – a de seus clientes… 







 

AUTOESTIMA - O AMIGO PERGUNTA




Clô Franklin: “Qual é a relação entre autoestima e o Superego? É possível ter autoestima quando se tem um Superego cruel?

Francisco Daudt: É uma relação fortemente... negativa. Quanto mais cruel o Superego, mais a gente briga com ele, e isso quer dizer ora se submeter às suas críticas (e se achar um merda), ora se identificar com ele e criticar os outros (e posar de fodão, dizendo que merda são os outros).

Só que a doença, o vício fodão-merda passa ao largo, passa longe da autoestima. Quando a pessoa se sente um merda, claro que a autoestima está arruinada. Mas quando ela posa de fodona, também!

Um fodão é um inseguro; ele precisa de afirmação constante para não se sentir um merda. Isso não é autoestima elevada.

O que nos leva a perguntar: afinal, o que é autoestima?

Estimar-se é estar em paz consigo mesmo; é estar “na sua”. Tem a ver com serenidade, não com briga. Não é vaidade nem orgulho, é sim um estado de desimportância que se importa, consigo e com os outros. Uma autoavaliação de que você “é bom o bastante”, um sentimento que não ocupa a sua mente, muito menos a aluga; ao contrário, deixa-a livre para outros assuntos que te interessem.

A autoestima é como a saúde do seu pé: você confia nele, e ele nem está te chamando a atenção, só pensou nele agora porque eu falei.

É claro que isso não funciona assim o tempo todo, isso é um retrato do ótimo; na verdade, é mais uma meta a se ambicionar que uma situação a que se chegue.

E para se chegar nela, é preciso sim questionar o poder do Superego; entender que ele é um juiz tirano, um caga-regras que tem você como primeira vítima, mas não a única, pois você pode se defender dele criticando os outros.

Infelizmente, isso só faz fortalecê-lo.







 

SCHADENFREUDE

 



Palavra alemã que, em bom português, significa “alegria de ver o outro se fodendo”. Ela traduz o sentimento universal da inveja, principalmente das pessoas que usam seu sucesso para posar de metidas.

Quando traduzida em qualquer outra língua, não produz estranheza. A reação costuma ser, “ah, eles têm uma palavra pra isso? Legal!”








DRAMA: COMBUSTÍVEL DO SUPEREGO

 



Dez metros separam a casa da minha irmã da janela do meu consultório. Ela veio me perguntar: “Eu ouço você às gargalhadas com os clientes. Eles te pagam pra isso?” Respondi: “Pagam, e pagam bem. Você sabe, puta que goza ganha mais…”

Acho que minha aversão ao drama na psicanálise veio das histórias de amigos que diziam, “Hoje a análise foi fundo, cara! Saí aos prantos, saí de rastos…” Como uma Scarlet O’Hara, jurei para mim mesmo que nenhum cliente meu sairia da sessão pior do que entrou.

Passei a olhar o drama com desconfiança, não apenas na prática clínica, mas na vida em geral. O senso de humor sempre me pareceu mais atraente. Quando entendi em mim o sadomasoquismo fodão-merda, também fui deixando de lado o sarcasmo, a ironia e o deboche, pois os efeitos humilhantes de se rir de alguém também são dramáticos. Prefiro rir junto.

Finalmente entendi que o drama é o grande combustível do Superego. Essa mistura de “Juiz Cruel” com “Ideal de Perfeição” que mora em nossa cabeça precisa do drama para se fazer crível. O drama produz um clima de urgência, de ameaça, para nos chantagear com a angústia de desamparo. Quer algo mais dramático do que a ideia de que “ninguém mais vai gostar de mim”?

O Superego quer que você se leve a sério, e que leve tudo a sério, caso contrário ele não impera. Sorry, mas esse drama aí não sou eu…







DEMOCRACIA E ANTIBIÓTICOS – REMÉDIOS ANTINATURAIS

 



A cliente perguntou ao médico se, em vez do antibiótico receitado, ele não poderia prescrever-lhe alguma coisa mais natural.

Ele respondeu: “Minha senhora, natural é o micróbio. Não existe nada mais antinatural que o antibiótico, que significa ‘contra a vida’. Mas é contra a vida da bactéria, e a favor da sua”.

De fato, grande parte da luta humana consiste em defender-se contra a natureza. Antinaturais são a geladeira e o ar-condicionado, por exemplo.

Nesse processo, é preciso conhecer bem a natureza para saber quando ela nos é favorável e quando opera contra nós.

Quem admira a democracia precisa saber que ela é tão antinatural quanto o antibiótico. Natural mesmo é a tirania. A democracia é uma construção trabalhosa e complexa, sempre em ameaça. A tirania é simplória e imediatista, vive ao alcance das mãos; como qualquer vício, traz satisfação imediata e danos tardios.

O desejo de domínio está tão arraigado em nossa natureza que, mesmo quando alguém é submisso no trabalho, busca ser tirano em casa. Ou um grupo/povo que foi historicamente oprimido, quando se revolta, produz uma reviravolta: torna-se de oprimido em opressor. A essa reviravolta dá-se o nome de “revolução”.

Isso aconteceu, por exemplo, nas revoluções francesa e bolchevique. Os oprimidos, na última, buscavam declaradamente uma nova tirania: a ditadura do proletariado (sempre dirigida por um ex-proletário, na melhor das hipóteses).

Isso acontece dentro de nossas casas, quando nossos filhos, tornados poderosos pela nossa culpa de opressores, transformam-se em tiranos domésticos.

Isso acontece dentro de nossas cabeças, quando nós (o Ego), de um lado, oprimidos pelo Superego e sua moral impositiva e tirânica do senso comum; e do outro, seduzidos pela promessa do Id de ter prazeres infindáveis, nos rebelamos na transgressão… e passamos a ser dominados pelo vício e pelo imediatismo. É o Superego nos comandando pelo avesso.

Quem quiser sair desse binarismo, quem quiser um regime interno de respeito e construção (dentro da cabeça, do trabalho, da sociedade, da política), quem prezar a democracia, precisa saber de nossa “natural” tentação tirânica. 







O SUPEREGO COMO PARTE DO PROBLEMA - O AMIGO PERGUNTA

 



“Você acha que acrescentou alguma coisa às teorias psicanalíticas que já existem?”

Francisco Daudt: Creio que sim. Espero ser refutado, que alguém venha me mostrar artigos em que minha hipótese já tenha sido descrita. Mas, como em 45 anos de psicanálise clínica nunca li ou ouvi nada de parecido, tenho a impressão de que, sim, é algo novo. Não apenas novo, mas crucial no jeito de se entenderem as doenças psíquicas e na maneira de se criar uma estratégia de tratamento delas.

Trata-se de uma nova maneira de ver o Superego. Há uma crença antiga, seja no senso comum, seja na psicanálise, de que o Superego é necessário para a ética, para os processos civilizatórios do indivíduo, para ele ser correto, para eliminação de suas doenças psíquicas e de seus vícios. “Quem não tem Superego é psicopata, é serial killer, é preciso sentir culpa para se andar na linha!”, seria o resumo desse pensamento, dessa crença.

Para questioná-lo, é preciso entender o que ele é e como funciona. O Superego é um software cultural construído em cima de um natural, que vem pela genética. O natural é um programa de sobrevivência que se liga a partir dos dois anos de idade: medos. Medos herdados que vêm nos salvando a vida nos últimos 70 mil anos: escuro, altura, confinamento, cobra, grandes répteis, grandes insetos voadores, e um último – o mais importante deles – que será base para a construção dos medos culturais embutidos no Superego, o medo do desamparo.

A criança de dois anos tem medo de sair de perto dos pais, se está em lugar estranho. Mas já está pronta a sofisticar esse medo: que coisas ela não pode fazer, pois seus pais não gostam e ela corre o risco de ser desamparada por eles? Quais desejos seus a põem em conflito com a autoridade que a ampara? “Ah, mas ela pode ter medo de apanhar, e não de ser desamparada”. O medo do castigo físico não é tão grave quanto o medo que vem junto: “eles não gostam mais de mim”.

Freud enunciou esses medos como “ameaça de castração”, mas se isso fazia sentido na época dele – eu sou tão velho que fui ameaçado de castração na infância, por um tio sádico –, hoje não faz mais. Já a ameaça de desamparo…

Mais tarde, a ameaça de desamparo “passa pra dentro”: não se sente mais aquela coisa de alguém falando de fora. Não, a criança se antecipa e passa a se vigiar: se, motivada por seus desejos, faz algo de impróprio ou inaceitável pela cultura, sente-se culpada, envergonhada, angustiada, atormentada. As vozes da cultura/pais já passaram para dentro. Já é o Superego em ação.

Essa guerra se estenderá pela vida afora. Há dois grupos de desejos “feios”, proibidos, inaceitáveis pela cultura/Superego: os derivados do sexo e os derivados da raiva. Da briga entre esses desejos e o Superego surgirão os sintomas de neuroses e de vícios, frisando que foi a briga que distorceu esses desejos e os tornou mais inaceitáveis ainda.

São essas as doenças o objeto de investigação e tratamento pela psicanálise.

Uma segunda face do Superego é a construção imaginada de um Ideal a que devemos nos modelar. Essa, curiosamente, não tem a ver com a sobrevivência do indivíduo, mas sim com a sobrevivência da espécie, o impulso sexual.

Ela parte de uma lógica inconsciente: se formos/parecermos perfeitos, não apenas escaparemos da crítica, seremos amados. A crítica do Superego nos faz sentir uns merdas; parecer/ser Ideal nos faz sentir fodões. E o fodão parece ter mais chances de acasalamento, parece aumentar nosso cacife sexual.

E aqui estamos nós: aprisionados entre dois fogos de uma guerra interna. Nosso Eu (Ego) tendo que atender medos e ambições, ambos impossíveis de solucionar, em permanente aluguel mental, sem paz para reflexão, condenado a reagir, tendo que achar um meio de realizar nossos desejos. O meio mais costumeiro é a transgressão, quando dizemos “foda-se” ao Superego, e com a consequente ressaca moral, culpa e angústia por tê-lo desafiado.

O que entendi é que nossa relação com o Superego é de crueldade, vingança, submissão, obediência e rebeldia, ressentimento e glorificação. Ou seja, uma relação viciosa de sadomasoquismo e de domínio/submissão.

Nossa relação com o Superego é o pai e a mãe de nossos vícios e neuroses.

Freud uma vez disse: “onde esteve o Id, que esteja o Ego”. Traduzindo: vamos trazer para nosso entendimento (para nós, para o nosso Eu, para o Ego) os processos e desejos inconscientes que nos manipulam a partir desse “Algo em nós” (o Id).

Pois eu digo – e esta é a novidade que proponho –, “onde esteve o Superego, que esteja o Ego”. Traduzindo: vamos entender como as leis de nosso Superego foram construídas. As problemáticas, tolas ou injustas (“a masturbação é pecado e vai te mandar para o inferno”) serão canceladas, pois o Ego discorda delas. As interessantes e apreciadas (“você tem que ser honesto”) serão trazidas para mim, para meu Eu, para o Ego, e por ele apropriadas: eu não “tenho” que ser honesto; eu acho bom ser honesto, eu “quero” ser honesto. A honestidade será um valor meu, nunca uma tarefa imposta por uma instância “acima de mim” (“das Über-ich”, o Superego).

A meta da psicanálise será, portanto, me tornar sujeito de meus verbos, dono de meus valores, gerente dos meus desejos. Ela investigará como o complexo de Édipo (como fui enrolado pelos problemas de meus pais, que não tinham nada a ver comigo) me levou a ter minha cabeça tumultuada por essa guerra interna.

Através dessa investigação, saberei como meus desejos foram distorcidos pela guerra, como eles podem ser (expurgada a distorção), como meu Superego foi formado, como ele me manipula e me leva a exteriorizar a relação que tenho com ele (trazendo a guerra fodão/merda para minha relação com o mundo). Da consciência virá o desejo de justiça – esta é a maior força da psicanálise – e dele, o desmonte da manipulação, para que eu – o Ego – esteja na gerência da minha vida.

Espinoza disse que a liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam: eis aí a função da psicanálise.








PSICANÁLISE É CIÊNCIA? - O AMIGO PERGUNTA

 



“Você diz que a psicanálise não é ciência. O que é, então?”

Francisco Daudt: É um tipo de conhecimento empírico (baseado na experiência e na observação), muito parecido com a investigação criminal sofisticada: a partir da “cena do crime” (os sintomas diagnosticados), deduzem-se hipóteses e novas pesquisas são feitas. O problema é que elas não podem ser testadas em laboratório, há poucas pistas materiais, pois tudo se dá em cima do relato do cliente.

O curioso é que Arthur Conan Doyle foi contemporâneo de Freud, e seu Sherlock Holmes fazia o mesmo tipo de investigação dedutiva, sem poder contar muito com laboratórios. Hoje em dia, quem conhece a série CSI (“investigação da cena de crime”) fica assombrado com o apoio que os laboratórios dão às investigações. Ainda assim, o trabalho dos detetives continua não sendo ciência, só está bem apoiado por ela.

Mas será que a psicanálise não seria então uma proto-ciência, algo como a alquimia, da qual surgiu a ciência química? Humm, não creio. Nossa mente é o que há de mais complexo no mundo, sobretudo do ponto de vista de seus softwares em constante mutação, que é onde a psicanálise trabalha. Há milhares de componentes operando em cada ação humana, desejos, medos, influências culturais e animais, motivações, meios e oportunidades, circunstâncias históricas e pessoais… Não vejo uma ciência dando conta disso tudo.

No entanto, o método científico e sua busca do conhecimento verdadeiro (episteme) precisam estar presentes na prática psicanalítica, para que conversem e questionem a opinião (doxa) do analista, seja uma que ele creia certa (ortodoxa = opinião certa), seja uma diferente (heterodoxa = opinião diferente).

O filósofo da ciência que é meu farol-guia na psicanálise é Karl Popper. Sua proposta, em resumo, é: faça hipóteses vulneráveis à refutação (claras, transparentes e diretas); faça predições que possam ser conferidas. Se elas passarem nesses testes, terão chances de ser verdadeiras.

Estou lendo o livro de David Buss, “Evolutionary psychology - the new science of the mind”, ainda sem publicação em português. Devo confessar que com uma certa inveja: ele segue o método científico passo a passo… e conta com uma base de dados infinita para transformar aquele conhecimento em ciência.







ERRO MÉDICO & ERRO PSICANALÍTICO

 



“Iatropatogenia” é um bom exemplo de como os médicos gostam de falar difícil. “Parece que estão falando grego”. Não, isso é grego mesmo, significa “doença (páthos) causada (gênese) pelo médico (iatros)”.

Para reduzir as chances de causar doença, uma grande rede médico-hospitalar adotou o código de barras nos medicamentos administrados aos pacientes, de modo que a enfermeira tenha que conferir se o código da pulseira do internado bate com o do remédio. Como eles dão remédios, em todo o país, 117 mil vezes por dia, as probabilidades de isso dar merda passou de imensa para aceitável.

A psicanálise tem também alta probabilidade de iatropatogenia (ou, em português claro, dar merda em sua prática). Pelo fato de eu ter sido médico clínico, isso sempre foi uma preocupação e um cuidado na minha carreira de psicanalista.

Como previnir o erro psicanalítico, sem poder contar com um código de barras para conferência? Concluí que seria pelo mesmo princípio de conferir o acerto ou erro de nossas intervenções.

Se minhas hipóteses são vagas, faladas em linguagem misteriosa ou poética (quando múltiplas interpretações são possíveis, e a maioria será errada), as chances de conferência – e de o cliente me dizer que eu estou errado – são minúsculas. Mas é tão chato ouvir do cliente que você está errado, não? É tão tentador parecer um sábio onipotente, um oráculo de Delfos inquestionável, não é mesmo?

De modo que a decisão de falar claro que um psicanalista toma, sim, requer a humildade de correr risco de ser refutado.

Mas reduz imensamente o risco de iatropatogenia.