quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

O QUE UMA KOMBI TEM A VER COM A PSICANÁLISE

 



O Daniel Accioly é o craque do marketing digital que gerencia e produz toda a minha comunicação pelas redes: Site, Twitter, Facebook profissional, YouTube, Instagram etc. são desenhados, musicados, legendados e postados por ele. Eu só faço o conteúdo. É uma parceria que me deixa muito feliz.

Pois sabedor do meu gosto por carrinhos 1:18 (já que não sou o Jay Leno e não tenho os originais), ele me deu de presente de natal essa kombi da foto. Ela tem um valor simbólico para além da boniteza: o da metáfora da kombi, tantas vezes usada por mim.

Digo que uma pessoa com doença psíquica é como uma kombi: até anda, mas 80% do seu motor são usados para vencer a resistência do ar, já que a kombi é uma parede ambulante.

Cabe ao psicanalista desbastar suas arestas, melhorar seu Cx (coeficiente de penetração aerodinâmica), tendo como meta transformá-la num Jaguar E-type, uma flecha cujo motor só precisa fazê-lo andar… ou voar!

Tirar, portanto, o fardo das doenças, essa parede que carregamos a contragosto, de modo a sua libido (o motor do nosso “carro”) ser usada de acordo com nosso desejo, e não nos desgastes que o complexo de Édipo nos impõe.

Obrigado, Daniel!

(Em tempo: o Jaguar E-type foi considerado por Enzo Ferrari como o mais belo carro jamais feito).





O DIA EM QUE EU RETRIBUÍ AO PELÉ (AINDA QUE SÓ UM POUQUINHO)

 



O Pedro Bial me comentou que ele estranhava todos o chamarem de 
”Bial”, quando ele se sentia sendo “Pedro”.

“Mas é porque “Bial” é sua profissão, é uma persona profissional, e “Pedro” é você. Há vantagens nessa separação. Não vê o Pelé, que só fala nele em terceira pessoa? Quando ele fala “o Pelé isso, o Pelé aquilo”, ele está intuitivamente se protegendo, protegendo o Edson, estabelecendo para si mesmo e para os outros essa distância”.

O Pedro gostou muito da teorização, e quando mais tarde entrevistou o Pelé, contou para ele a minha teoria. O rei ficou encantado, disse que era isso mesmo que ele sentia, mas nunca tinha sabido explicar.

E eu, mais encantado ainda, de ter podido retribuir a ele, ainda que só um pouquinho, por tanta beleza que ele me fez ver!






segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

PRAZERES QUE VOCÊ PODE ESTAR PERDENDO

 



Síntese

Os prazeres mais desprestigiados/ignorados: os que vêm do ânus e do reto (sobretudo entre homens); do períneo; da virilha; do umbigo; das laterais do abdome; do mamilo/aréola masculinos; das axilas; da parte interior das coxas; da nuca e de toda a volta do pescoço; do canal auditivo e das narinas; da bolsa escrotal; da parte posterior dos joelhos; dos dedos dos pés.

Mas, atenção: ter essas áreas do corpo sensíveis à excitação é resultado de uma loteria genética. Mesmo as mais óbvias podem ser cegas: há mulheres que não têm mamilos “felizes”, p.ex., enquanto há homens que os têm radiantes. E áreas menos óbvias (dedos dos pés lambidos e chupados, p.ex.) que podem ter tirado a sorte grande.

Como dizia um amigo, “esse negócio de pressa de foder é pra proletário: serve para fazer prole e deixa de lado todo o playground que uma cama pode ser”.

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Agora sim, por extenso, se você se interessar pelos detalhes:

Dos aprendizados que a psicanálise, a medicina e a psicologia evolucionista me trouxeram, se destaca o das zonas erógenas.

Elas são as áreas do corpo capazes de despertar excitação sexual, pelo prazer que dão quando estimuladas da maneira certa. Toda a superfície corporal, e suas cavidades, têm esse potencial erógeno (significa “gerador de excitação erótica). Ok, talvez seja necessário excluir os cotovelos, mas de resto, é tudo mesmo.

Com esse aprendizado, veio a percepção de desperdício: o quanto de prazer se perde por desconhecimento dessas zonas. Pudor e senso comum são as causas mais comuns desse alheamento.

Vamos mapeá-las, então. As mais comuns são a boca, a região anal e a genital. Foi daí que Karl Abraham nomeou as fases do desenvolvimento dos bebês como “fase oral” (da época da amamentação), “fase anal” (a partir dos dois anos, o aprendizado do controle dos esfíncteres e a negociação com o mundo que isso implica) e a “fase fálica” (a descoberta do prazer dos genitais).

Os prazeres da boca são desperdiçados pela pressão de performance: em vez de brincar e de pesquisar sem pressa, os beijos cinematográficos e sôfregos fazem parte de uma triste linha de montagem para se chegar aos “finalmentes”.

Os prazeres do ânus e do reto podem ser reprimidos por pudores femininos (“coisa de puta”) ou medos masculinos (“coisa de viado”). Se eles tiraram a sorte genética de ser felizes, há de se estar atento ao que preferem: carinhos digitais, lambidas, penetração. A penetração exige cuidado com a prevenção da dor: o prazer do reto vem da sua distensão alternada com o relaxamento (não tem nada a ver com a próstata, as mulheres podem tê-lo igual). O início será sempre mais delicado, pela contração automática.

Os prazeres genitais se perdem principalmente por causa do senso comum. Nas mulheres, pois muitos não dão atenção ao clitoris, pois acham que a penetração do canal vaginal “é a coisa a fazer”. No entanto, a vagina é como o reto: pode ou não ter sido sorteada como zona erógena, pode ser cega e só dar o prazer psicológico de estar sendo possuída.

Nos homens, o pau mole pode ser fonte de muito prazer, mas sofre de tremenda discriminação: há mulheres que consideram um insulto, chupar um pau mole. Mal sabem elas que o membro masculino tem ideias próprias, e reage mal a cobranças do Superego.

Como se vê, o assunto é tão extenso quanto negligenciado…








O ALÍVIO LIBERTADOR DA INSIGNIFICÂNCIA

 



“Poxa, Daudt, o bacana é que, com seus livros, você deixa um legado para a posteridade!”

“Ah, que nada, eu escrevo porque gosto, porque é um dos meus brinquedos. E depois, que legado? Todo mundo é esquecido. Me diga, quem foi Vieira Souto?”










INSTITUIÇÕES EM GERAL: UM OLHAR DE SUSPEITA

 



“Um mal genérico das instituições de qualquer espécie é que as pessoas que se identificam com ela tendem a fazer dela um ídolo.

O verdadeiro objetivo de uma instituição é simplesmente servir de meio à promoção do bem-estar de seres humanos. Na verdade, uma instituição não é sacrossanta mas ‘descartável’.

Porém, no coração de seus devotos, ela tende a se transformar num fim em si mesmo, ao qual o bem-estar dos seres humanos é subordinado, e mesmo sacrificado, se isso for necessário.

Os administradores responsáveis por qualquer instituição estão sempre inclinados a cair no erro moral de julgar ser seu dever fundamental preservar a existência da instituição que lhes foi confiada.”

Arnold Toynbee (1889-1975)

Arnold Joseph Toynbee, foi um historiador britânico, cuja obra-prima é “Um Estudo de História”, em que examina, em doze volumes, o processo de nascimento, crescimento e queda das civilizações sob uma perspectiva global.

MINHAS CONCLUSÕES

A partir do aprendizado com gente como Toynbee, e da minha experiência pessoal, deduzi as três leis de qualquer instituição, em ordem de prioridade:

1. Fazer de tudo por sua própria importância na instituição a que você pertence.

2. Fazer de tudo para que a instituição a que você pertence tenha relevância social.

3. Fazer um pouco pelas finalidades a que a instituição se propõe.





O SENTIDO DA FÉ

 



“A frase, dita por muitos, ‘Encontrei Jesus e ele me salvou!’, faz algum sentido para você?”

Francisco Daudt: Faz completo sentido. Nossa espécie é a mais carente de amparo, entre todas. Nossa dependência de pai e mãe, de seres mais fortes que nos cuidem, começa em 100% quando nascemos, cai muito lentamente, e nunca chega a zero. Desamparo é nosso maior medo.

Para agravar as coisas, temos a consciência de que nosso destino é a morte, o máximo de solidão, o desamparo final, a escuridão, o desconhecido, o estranho e todos os seus horrores, possíveis e imagináveis.

Bem, se o negócio é imaginar, por que não imaginar o amparo e partilhar com o maior número de pessoas essa imaginação? É o que temos feito nos últimos 70 mil anos: vestígios de ritos fúnebres são a primeira e mais antiga pista de uma espécie capaz de ter consciência de si, indicando que desde o início construímos uma ficção partilhada de como vencer a morte.

Todos os deuses criados desde então têm como denominador comum o amparo definitivo, a vida após a morte, todos eles pais protetores. Em nome deles, pirâmides foram construídas, guerras foram travadas, sacrifícios foram feitos, um tremendo investimento em troca de… amparo.

De modo que, sem entrar em discussões teológicas, seja pensamento desejoso ou não, a frase inicial faz todo o sentido para nossa espécie.





“ELE ESTÁ ACIMA DE NÓS” - A PSICANÁLISE DO SUPEREGO

 



“Qual a diferença dessa sua psicanálise do Superego e as outras?”

Francisco Daudt: Para começo de conversa, minha psicanálise do Superego é totalmente derivada da de Freud. A diferença é que o foco de investigação freudiana era o Id, o inconsciente reprimido, os desejos e as raivas tão transgressores que não eram suportáveis na consciência.

Quando eles vinha à tona, no consultório, era sempre com muito horror e vergonha. O cliente ficava arrasado de ver o monstro que morava dentro dele: “quer dizer que, no fundo, eu queria matar meu pai? Queria ter minha mãe só para mim? Horror!”

Claro que eu estou aludindo ao Édipo e a reação que ele teve quando “sua verdade” veio à tona. Ele ficou tão horrorizado que furou os próprios olhos.

Mas a tal “verdade” de Édipo era, afinal, uma grande injustiça contra ele. Foi o próprio Édipo a vítima da tragédia, da trama armada por aqueles que estavam “Acima dele”. Quem conhece a história sabe que seu pai tentou matá-lo duas vezes, quando ele nasceu e na estrada de Tebas. Só que na segunda vez se deu mal, e Édipo matou-o, sem saber que era ele, e em legítima defesa!

Todas as psicanálises puseram o cliente no banco dos réus, examinaram suas “culpas”, endossando-as, fizeram o cliente se arrepender de seus desejos e raivas, viram o Superego como se ele fosse o padrão moral a seguir, o meio de cura.

Mas eu sempre achei isso uma tremenda injustiça. O próprio Freud nunca questionou a “culpa” de Édipo, e eu fui seu advogado de defesa desde o meu primeiro livro, escrito há 32 anos, mostrando como tramaram contra ele, desde antes de seu nascimento.

Quem tramou? Os que estavam “Acima dele”: os adultos que o criaram. Por isso resolvi investigar quem reprime, quem pune, quem julga. Neste momento em que escrevo, uma moça foi condenada à morte pelo “crime” de usar seu véu de maneira inapropriada. Foi justo?

Eis porque resolvi investigar o juiz e suas leis: são eles justos? São tirânicos? São cruéis? Se as iranianas tiverem sintomas neuróticos e pesadelos com o desejo de uso inapropriado do véu, a psicanálise deve fazê-las se arrepender desse desejo proibido? Ou deve questionar a justiça do juiz e de suas leis?

Foi o que resolvi fazer: investigar o “Acima de nós”, o Superego.


ATO FALHO (“FEHLLEISTUNG”) E AMBIVALÊNCIA

 



Fehl + leistung = falho, errado + realização, ato = ato falho

Ele estava na fila de pêsames do velório da sogra odiada do amigo. Quando chegou sua vez, abraçou-o e disse: “Meus parabén… opa, quer dizer, meus sentimentos!”

Não foi de sacanagem, apenas saiu assim. Depois do acontecido, ele - muito envergonhado - se deu conta de que, desde de que soube da morte, vinha tentando não pensar naquele ódio que o amigo tinha.

Ao mesmo tempo, se condoía de verdade pela perda que a filha havia sofrido, não houve hesitação nem erro quando ele a abraçou.

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Assim se formam os atos falhos (lapsos de fala, esquecimentos, perda de objetos, erros sintomáticos do dia-a-dia): por causa da ambivalência.

“Ambivalência” é quando se tem sentimentos opostos em relação a alguém ou a alguma coisa, e ambos valem (ambi + valem). No caso dos atos falhos, um dos sentimentos é bem aceito, mas o outro não (tristeza pela filha x a noção sobre o ódio do amigo).

A repressão do “mau sentimento” se manifesta na esquisitice do ato falho, essa foi a descoberta de Freud (em “A psicopatologia da vida cotidiana”). Todos os sintomas neuróticos têm isso em comum: a esquisitice, vide p.ex. a fobia de baratas.

PS: Sobre o “falar língua de gente”, Ernest Jones, o primeiro tradutor de Freud para a língua inglesa, nos fez o desfavor de inventar o termo grego “parapraxia” para nomear o “ato falho”… (soava mais médico, sabe?). 





SUGESTÃO PARA OS ALUNOS: Roteiro de Autoanálise

 



1. Escolher uma hora regular diária. Sugiro assim que acordar, para poder anotar os sonhos, e uma durante o dia/noite, para o geral.

2. Fazer uma pauta de assuntos que quiser tratar (incômodos/sintomas atuais, ou temas que perturbaram a vida inteira).

3. Quando for fazer a análise, usar a pauta (sonhos, assuntos) e começar a fazer associações livres em cima deles, tudo por escrito (com senha), para poder ser relido.

4. Na ausência de pauta, usar associação livre: olhar para os pensamentos como se fosse para uma tela de tv, e descrever o que aparece, sem censura. Se aparecer alguma censura (ah, isso é bobagem, ah, isso me dá vergonha, ah, não quero falar desse assunto), escrever a censura... e a coisa censurada.

O que for escrito funciona como pecinhas de um quebra-cabeças, não se preocupe em juntá-las logo, NUNCA FAÇA INTERPRETAÇÃO. Você vai ver que uma associação puxa outra, anote todas.

Aí já tem um bom começo de conversa.






CONVERSA ou TRETA? REALISTAS ou IDEALISTAS? NEO-ILUMINISTAS ou PÓS-MODERNOS?

 

Creio que as conversas devem começar, não no assunto, mas numa declaração de princípios, na posição das pessoas que o discutem: ela é uma “realista”? Ela crê que a árvore que cai no meio do deserto, sem testemunhas, faz ruído ao cair?

O realista está convencido da existência de uma realidade para além dele mesmo e de suas crenças. Já para os chamados “idealistas” (a realidade mora em suas ideias, convicções e narrativas), o ruído só existirá por causa das testemunhas que o ouvem, ele é dependente da realidade psíquica do espectador.

Minha proposta é: para conversar com alguém, é preciso partilhar axiomas, verdades autoevidentes, caso contrário você não terá uma conversa, terá uma treta cuja finalidade é derrotar o outro, nunca será se aproximar do conhecimento verdadeiro (episteme).

Uma conversa assim não atende ao meu desejo, pois o inevitável atrito trará mais calor do que luz. Não tenho desejo de treta, tenho desejo de luz (daí me definir como neo-iluminista).

Mas meu tio dizia que eu era muito exigente, nesse alinhamento. Para ele, bastava que a pessoa concordasse com apenas uma posição:

“Você mataria sua mãe a facadas? Não? Oba, então já partimos de um ponto em comum”…