Lucas Peccin: “Como deve se posicionar o psicanalista diante de dilemas decisórios de um cliente?”
Francisco Daudt: Ah, isso tem uma história interessante. Freud dava um único conselho aos clientes: que não tomassem nenhuma decisão crucial antes de se completar um ano de análise. Ele não queria que o cliente “mudasse de vida” sem saber se essa mudança estava baseada em seus desejos ou em suas neuroses.
Nada de gravidezes, separações, casamentos, demissões de emprego, rompimentos etc., portanto. Que eles pensassem suas vidas, antes.
Sempre achei muito sensata essa sugestão. O objetivo da psicanálise é o “debugging”, tirar os vírus do software, separar o joio do trigo, conhecer cada vez mais os desejos do cliente sem as “invasões bárbaras” do Complexo de Édipo e as interferências do Superego – o representante supremo do Senso Comum –, sabendo que a singularidade da pessoa e o senso incomum de suas circunstâncias é que importam.
Mas... haverá momentos em que o cliente se vê frente a decisões difíceis, ele quer o apoio do analista, ele gostaria de um conselho.
É a hora de o psicanalista humildemente contemplar a inatingível complexidade do outro: todos nós temos uma balança interna de dois pratos – custos e benefícios – e só nós podemos avaliá-la. Não há ação que não passe por ela.
A melhor ajuda que ele pode dar ao cliente é apresentar custos e benefícios não percebidos na situação, para que tome uma decisão mais ponderada.
Mas há dilemas frente aos quais a coisa muda. “Não sei se me caso ou se compro uma bicicleta” é a indecisão caricatural da dúvida obsessiva. Não é dilema, é sintoma. O cliente está alugado, não consegue pensar em mais nada, aquilo é compulsivo e atormentador. A balança nunca pende para um lado, pois há sempre um contrapeso a ser posto no outro.
Aqui entra o psicanalista investigador: o sintoma obsessivo é uma questão deslocada. Um assunto secundário substitui um drama que não pode ser pensado, pois está reprimido.
A cliente estava abduzida pela dúvida: que nome dar ao filho ainda por nascer. Queria o nome perfeito, só pensava naquilo, chegava a sonhar com as infinitas possibilidades, imaginava que se errasse arruinaria a vida do filho para sempre.
O que estava em jogo, afinal, era sua profunda ambivalência com aquela gravidez que atrapalhava (arruinava?) seus próprios planos de vida. Tinha pensado em abortar, mas um brutal sentimento de culpa fez o pensamento sumir, substituído pelo mais radical “amor antecipado” pela cria,...
...e pela dúvida obsessiva.
A CRIAÇÃO ORIGINAL - A TEORIA DA MENTE SEGUNDO FREUD
Disponível em: https://7letras.com.br/livro/a-criacao-original/