quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Inveja

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Minha irmã tem dois anos a menos que eu, e está se casando no mês que vem, enquanto estou chegando aos 30 e ainda não tenho ninguém em vista. Confesso que sinto inveja, e tenho vergonha disto.

Aqui temos dois assuntos: o fato de vocês serem apenas duas irmãs, e a inveja, ela mesma. A configuração familiar de duas irmãs é a mais complicada de todas. É da natureza humana que haja competição, ciúmes e disputa pelo amor dos pais desde cedo. Aquelas duas irmãs que se amam e são amigonas, pode acreditar, se constituem numa minoria e deram uma enorme sorte. É pior que um casal? É. É pior que dois irmãos? Também. E o mais grave é que a fonte dessa coisa tem a ver com o casamento. Quase todas as mulheres nascem com esse desafio biológico: casar e ter filhos antes que o prazo se esgote. É uma pressão de nascença que se agrava quando você tem que conviver com uma competidora, com todas as comparações que isso traz: a mais bonita, a mais sociável, quem levou chá de cadeira na festa etc.

Quanto à inveja, todos a temos. Mas há aquela do mal e aquela do bem. A do bem é um estímulo para nosso crescimento pessoal (“Fulana é um exemplo, gostaria de ser como ela”). A do mal é aquela que faz o mal para prejudicar o outro. Passa a chave na pintura do carro bacana do vizinho; faz intriga para prejudicar reputações. Essa é à que o famoso plástico se refere (“a inveja é uma…”). A primeira não tem problema nenhum, mesmo que às vezes você pense mal de sua irmã. Se pensar mal atingisse alguém, não haveria ser vivo sobre a Terra.

Consulta: Enfrentar o Mundo

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Estou completando 17 anos e o vestibular vem aí. Não sei se estou preparado para enfrentar o mundo. O Sr. poderia me ajudar?

“O” mundo. Em primeiro lugar, não acredite nesta lenda urbana. “O” mundo não existe, apenas em sua imaginação. Se você conquistar independência financeira, poderá construir o “seu” mundo. “O mundo é cruel, você terá que matar um leão por dia”. É mentira. Um diploma universitário é tão útil como um passaporte. Não escolha um curso que só te possa levar à Bulgária, como uma universidade de música, de dança, de artes cênicas, ou plásticas, a menos que seja a coisa que você mais adore na vida. Uma vez eu assessorei um vídeo sobre profissões. Havia 15 pessoas na sala. Perguntei-lhes: “Quem tem diploma superior?” Todas. “Quem trabalha naquilo em que se formou?” Nenhuma! Ou seja, seus passaportes as possibilitaram a tomar as oportunidades variadas que passaram por elas. Escolha um curso assim, como comunicação, ou administração de empresas (se você tem algum talento para as exatas). O importante é que você ganhe seu sustento. A partir daí, deixe a vida te mostrar o que você mais gosta, e pegue as possibilidades. O grave, na vida, é não ter possibilidades. Tendo-as, você pode construir um mundo confortável para você, com gente amiga, com trabalho agradável, com circunstâncias que possam extrair de você sua melhor criatividade, e poder brincar para sempre.

Consulta: Receber Pensão de Ex?

 (Publicado em 01 de fevereiro de 2012)


Após o casamento de quase 20 anos houve separação traumática (descoberta de outra “família” com filhos) e venho tentando tocar minha vida. Meu sustento financeiro vem da pensão aos filhos, o que me envergonha e não vejo como me libertar da situação. Mas tem dias que me pergunto: será que quero e preciso me libertar?

Abrem-se aí algumas possibilidades: se o acordo tácito (ou explícito) do seu casamento foi que você cuidasse da infra-estrutura da casa, e da criação dos filhos, enquanto seu marido cuidava do provimento, você tem direito jurídico e ético à continuação desse provimento, não apenas para seus filhos, mas para você também, e não há porque ter vergonha disso. Seu marido cometeu uma traição grave, desviando substanciais recursos da sociedade que mantinha com você para sustentar outra família. Equivalente a perder patrimônio apostando em cavalos lerdos.

Se ele estimulou uma carreira para você, participou da infra da casa e dos filhos, te apoiou como pessoa e profissional, e seu papel de provedor, ainda que gastasse seu dinheiro com outra família, não implicou uma vida insatisfatória para vocês (ou seja, se ele é rico o bastante para essa proeza), bem, apesar do jurídico te apoiar, viver do dinheiro dele é mais uma punição do que uma necessidade. Aí a ética torce o nariz, e você deve mesmo ter alguma vergonha. Além do fato de que você está prolongando uma relação de dependência que te impede de procurar a felicidade pessoal.

Consulta: Sobre As Elites

 (01 de fevereiro de 2012)


Tenho lido muita coisa sobre as elites, principalmente contra. Afinal, o que são as elites?

Elite é uma palavra que vem do francês, significa “os eleitos”, os escolhidos. O presidente Lula, por exemplo, pertence às elites. Não importa de que origem sejam, se eles ascenderam social ou culturalmente, são elite. A igualdade democrática é esperada frente à justiça: “todos são iguais perante à lei”. Não existe outra. Sabemos que as diferenças existem. Uns mais belos, outros mais inteligentes, ou mais cheios de sabedoria. O livro “A cabeça dos brasileiros”, de Alberto Carlos de Almeida, pôs abaixo a crença da sabedoria ética do “proletariado”, um dos mais prezados mitos da esquerda brasileira. Ao propor a questão “Se alguém é eleito para um cargo público, deve usá-lo em benefício próprio”, obteve uma resposta positiva de 40% dos analfabetos, e de 3% de pessoas de nível superior ou mais. Isso significa que quanto mais educação um indivíduo ganha, mais valor ético ele absorve. A chave da questão está na batalha que o candidato à presidência Cristóvão Buarque travou. Ele era o samba de uma nota só: educação. Quanto mais educação, mais elite, mais valores éticos, mais capacidade de pensar fora do senso-comum. Não que eu concordasse com o tipo de educação que ele queria, porque sou um democrata liberal, e ele é um socialista, mas que a essência de seu desejo comunga com a minha. Ele e eu queremos mais elites.

Consulta: O Que Querem As Mulheres?

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Há quase cem anos, Freud perguntou: “Afinal, o que as mulheres querem?” Existe resposta para isto hoje?

Existe. Se Freud estivesse mais em contato com Darwin e seu entendimento da natureza humana, poderia responder a sua famosa pergunta, mudando seu foco. Em vez de “mulheres, pessoas”, perguntaria: o que querem seus genes? “Querem” casar, mesmo as casadas, porque seus genes “querem” um marido melhor, mais inteligente, bonito, mais bem sucedido, que possam provê-las, e a sua prole, de maneira melhor, legando genes mais inteligentes, capazes, e melhor reprodutores. Um exemplo disso são as “marias-chuteiras”, que perseguem os jogadores de sucesso em busca de um sêmen (principalmente hoje, com os testes de DNA) que lhes dêem filhos e sustento de boa qualidade. Isto vale para as que se entregam aos pop-stars famosos, o “golpe-da-barriga”. Pelo critério de seus genes, as mulheres querem ser protegidas, mantidas e alimentadas pelos homens, pois têm o ônus de cuidar de suas proles, o que já é muita coisa.

Outra coisa é considerar a mulher como indivíduo. Haverá muitas que desejam ser ótimas companheiras, cooperativas. Outras não querem filhos. Outras que querem ficar solteiras e se destacar como executivas bem sucedidas. Algumas que querem adotar crianças, para o bem delas e das crianças. As que querem uma “produção independente”, para não terem a influência de um pai indesejável. Mas, lembrem-se, a pressão da mãe natureza é muito grande.

Consulta: Político ou Psicanalítico?

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Seu artigo na Folha foi político e não psicanalítico, como o Sr. explica isto?

Porque psicanalítico é sempre político, e vice-versa, às vezes. A política é mal entendida. Não é só o que os políticos fazem. Seu sentido vem da Grécia clássica, a correlação de poderes entre governantes e governados. Portanto, quando você repreende seu filho, isso é política. Não acredite que psicanalistas são apolíticos, ou “neutros”, como alguns gostam de dizer. Seus silêncios e resmungos são políticos (no sentido clássico). Seria redundante dizer que um psicanalista também é um cidadão, mas talvez necessário, pois um dos meus opositores neste assunto resolveu questionar a minha ética, achando que eu não poderia falar o que falei por ser psicanalista. É uma outra confusão, quanto ao sentido de ética. A ética básica é não causar dano injustificado. Pôr um criminoso na cadeia, é, portanto, ético, ainda que lhe cause dano. Antiéticas, na medicina (porque sou médico), são a imperícia, a imprudência e a negligência, as coisas de que acusei o governo. Se o governo quer se ater à frenagem do avião como causa do acidente, ele está sendo político, pois está tirando o assunto de um contexto muito mais amplo. Quer ocultar da opinião pública sua imperícia, imprudência e negligência, que podem causar aquele, este e vários outros acidentes. Como nas estradas. Como no futuro apagão energético. Como na educação, e assim por diante. Nada tenho do que me defender. Meu direito de cidadão é indiscutível, e não se deve discutir o indiscutível, porque ele se tornará discutível.

Consulta: Quem Nos Molda? Cultura ou Natureza?

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Como é possível que, desde o século XIX, a ciência e a tecnologia terem evoluído tanto, e o ser humano ter-se tornado pior, mais violento, mais predador? Afinal, não é a cultura que molda o homem?

Este é um engano que vem sendo cultivado desde o iluminismo pelas ciências humanas: “o ser humano nasce como uma ‘tábula rasa’, um papel em branco onde a cultura vai escrever seus valores e desvalores”. Não é assim. Nós somos 50% genética e 50% criação. Existe uma coisa chamada NATUREZA HUMANA, que não é massinha de modelar, como pensaram os regimes socialistas. A seleção natural entregou, há 100 mil anos, o homo sapiens, depois de milhões de anos de evolução (evolução não é progresso, é adaptação). Ele continua trapaceiro, assassino, estuprador, guerreador, ganancioso, tirano, predador e egoísta. Também continua capaz de cooperação, generosidade, troca justa, zelador de seus filhos, ambicioso de proeminência social, mais pela sabedoria que por dinheiro, compassivo, amigo leal de quem lhe corresponde. Este pacote complexo é nossa herança dos 100 mil anos, e estará conosco sem alteração por mais uns milhares de anos (se chegarmos até lá). A tecnologia e a ciência vieram realçar os dois aspectos da natureza humana: ficamos mais perigosos e mais solidários. É claro que o perigo aparece mais na mídia, e deve ser assim! As virtudes são uma combinação dos bons exemplos e do medo de punição. A mídia vem cumprindo seu papel. Já os governos…