quinta-feira, 17 de outubro de 2024

MAU HUMOR

 



A cara fechada, a expressão de poucos amigos, de “nem vem”, os grunhidos baixos e outras manifestações parecidas fazem o conjunto do que se chama de mau humor.

O mau humor emite sinais variados, o mais claro deles é de que há um drama em curso: ou a pessoa está sob uma situação dramática, ou ela mesma é quem produz o drama. No primeiro caso, ela está sofrendo; no segundo, ela está no controle, fazendo os outros sofrerem (mas também sofrendo do drama, pois ela o leva a sério).

Em termos psicanalíticos, o mau humor é sinal de que o Superego está imperando: ou o mal humorado está sob seu massacre, ou ele está assumindo o papel de Superego para massacrar os outros. Ou seja, sim, mau humor e mau sinal, é sinal de provável doença psíquica, pois a pessoa que dele sofre vai buscar algum alívio, dentro da equação “drama leva à dureza; o duro pede um Dreher”.

Tomando o Dreher como alívio vicioso (que pode ser alcoólico, como o próprio Dreher), abrem-se algumas possibilidades:

1. a pessoa está sofrendo de drama externo ocasional? O mau humor é novo e seu alívio será tão pontual quanto seu mau humor, logo, não há doença.

2. a pessoa está fazendo seu drama e já incorporou o mau humor como estilo próprio? As chances desse alívio vir de uma doença aumentam muito.

3. a doença mais comum ligada ao mau humor é o vício de sadomasoquismo não sexual, em que a pessoa encarna seu Superego para fazer sofrer os outros, para repassar seu sofrimento.

4. outro vício ligado ao mau humor é o sadomasoquismo do tipo fodão-merda, em que o mau humor é mais uma exibição de sua “temida superioridade fodona”, que chama a todos os atingidos de merdas.

5. seu mau humor vem dela mesma, mas não é costumeiro, não está presente há muito tempo? Há chances de haver depressão, tendo a irritabilidade como sintoma principal, o que é um dos principais problemas para o diagnóstico de depressão, pois a pessoa não parece derrubada, e sim ativamente irritada com tudo.

6. Há um curioso mau humor matinal do mimado, que está furioso de sair do sono e entrar no mundo que lhe cobra coisas, faz disso um tremendo drama… que pede Drehers variados, o mais comum entre os jovens será a maconha.

Enfim: em psicanálise, o mau humor é mau sinal a ser investigado, não pode passar como “ele é assim mesmo, deixa pra lá”. 





quarta-feira, 18 de setembro de 2024

ESTRANHOS APEGOS À DOENÇA: RESISTÊNCIAS AO TRATAMENTO

 


Resistência pelo Benefício secundário do sintoma (ou “ganho secundário do sintoma”):
O sintoma pode trazer algum tipo de vantagem para o paciente, como ganhar atenção, ou ter desculpa para evitar responsabilidades, o que dificulta a sua eliminação.

Há sintomas viciosos de comportamento que podem estar entranhados até no ganha-pão do cliente, como vícios de domínio e submissão, ou sadomasoquismo fodão merda.

Outro ganho secundário, ou benefício secundário, é que o vício pode ser parte do amparo da pessoa, seu consolo, ou mesmo seu grupo afetivo social, e largar o vício pode ser equivalente a perder o amparo.

Um caso típico é o do casal que convive com maltrato, em que o vício sadomasoquista core solto, mas é o que eles conhecem, a alternativa estaria na separação… e na falta de alternativas de amparo.

O mesmo se passa com os companheiros de bar, ou com os cúmplices do uso de drogas: interromper o vício supõe perder o amparo que lhes foi possível arranjar até ali.

(Ilustração criada por IA pelo Bing)






quarta-feira, 28 de agosto de 2024

TRATAMENTO DOS VÍCIOS COMPORTAMENTAIS

 


Um ponto central na terapia dos vícios comportamentais é que neles é muito difícil a abstinência. Enquanto no vício de substâncias a abstinência é essencial, no comportamental a abstinência não só é difícil quanto também é preciso separar o que o vício contém do desejo autêntico da pessoa, ainda que mal gerenciado.

P.ex., o sadomasoquismo contém raiva mal administrada, desviada para a vingança ou para o vitimismo, mas a raiva precisa de administração legítima, para alcançar seu objetivo inicial, que é fazer justiça.

Então, podemos ver o caminho da cura desses vícios: perceber o desejo legítimo que eles contêm, aprender a gerenciar esse desejo para seus objetivos autênticos (aqueles que não causam dano e atendem à pessoa), e promover uma transição gradual de desinvestimento no vício e investimento no desejo legítimo.

Como em todos os vícios, é preciso que a vida bacana os substitua, que ela entre no lugar deles.



terça-feira, 20 de agosto de 2024

FORMAS DE TESÃO

 


Tesão é o mesmo que “tensão” que busca alívio; ainda que esse termo seja só aplicado ao desejo erótico. Todos os nossos desejos produzem tensão que busca alívio. 

Mas quando se trata de interações pessoais, há várias camadas de complexidade no tesão, desde a básica que se resolve com a masturbação, até a mais complexa, que envolve interação afetiva, intelectual e erótica.

Esses três “tesões”, essas três interações possíveis podem falar umas com as outras, podem se contagiar, se comunicar, de forma que uma admiração intelectual pode despertar desejo afetivo, a interação afetiva pode despertar desejo erótico. 

Ou seja, o tesão não é necessariamente estanque, confinado apenas a uma das ligações humanas possíveis. 

Como exemplo, a principal forma de tesão erótico dos homens é visual, e ele pode impulsionar os encontros afetivos, românticos. 

Como outro exemplo, o tesão erótico nas mulheres costuma começar pela admiração, e será despertado quando elas virem desejo erótico na outra pessoa. 

Ou seja: tesões, desejos, sejam eles eróticos, afetivos ou intelectuais, contêm um potencial de contágio entre eles.


quinta-feira, 1 de agosto de 2024

A FALÁCIA DA SUBLIMAÇÃO

 


Para o aluno do Santo Inácio que fui, o conceito de sublimação tinha muita importância: ela era o meio pelo qual os padres “redirecionariam” seus instintos sexuais tidos como “baixos”, para um propósito “sublime, de amor e dedicação ao próximo.”

A sublimação não seria um mecanismo de defesa; a sublimação parece ter sido concebida como um expediente idealizado do Superego de “remover instintos baixos por meio de um reinvestimento de sua energia em direção a um propósito sublime, superior”, portanto ela contém em si um julgamento de valor. 

A sublimação foi descartada por Freud justamente por isso: ela é mais uma peça de propaganda, das idealizações do Superego, que um mecanismo psíquico regular.

Aliás, o descarte de Freud foi literal: depois de escrever sobre sublimação, ele olhou o texto, olhou outra vez… e atirou-o na lareira.



O PEGADOR E A MULHER-MARAVILHA

 


É importante lembrar que nem todo uso de um personagem construído em que nos metemos remete ao falso-self. 

De algum modo, todos nós usamos personagens diferentes em ambientes diferentes, o que mais se adapta a aquele ambiente, como diversas faces de nossa personalidade, como o “sociável”, o “engraçado” etc. 
Há mesmo personagens construídos que servem à nossa sobrevivência, mecanismo de defesa diferente do falso-self: uma pessoa com infância muito sofrida pode construir em si uma espécie de super-herói a quem nada afeta. 

O problema é ela se acostumar a esse personagem, não saber nada de seus desejos e manter pela vida afora circunstâncias adversas em que o personagem continue a ser necessário. Isso poderia se estabelecer como um vício de domínio-submissão difícil de largar.

Outro personagem defensivo é o “pegador”, uma espécie de defesa contra as inibições sexuais em que a pessoa se vê com autoestima baixa para se fazer desejado, mas seu “personagem pegador” supostamente não sabe o que é isso. 

O problema é que a pessoa pode se tornar dependente desse personagem, novamente como num vício de domínio-submissão, continuar pela vida sem saber seus próprios desejos, e se ver impotente quando quiser uma relação mais pessoal.


sexta-feira, 26 de julho de 2024

O PRAZER DA SUBMISSÃO


Há quase 500 anos, Étienne de La Boétie escreveu um ensaio (“O Discurso da Servidão Voluntária”) em que estabelece uma semelhança inédita entre indivíduo e sociedade.

Ele descreve como o sentir-se amparado é capaz de despertar o prazer da submissão, da entrega, seja sexual, seja social, política ou religiosa.

Essa foi uma das minhas primeiras fontes para compreensão de nossa relação com o Superego: como a dinâmica de domínio-submissão que mora em nós, adestrada desde a infância sob o poder concentrado de nossos pais, pode nos levar ao jogo externo de domínio-submissão em graus variados.

Esses jogos vão desde a brincadeira amorosa na cama, até a adesão viciosa a tiranias políticas em que somos, ora passivos, ora ativos, submissos ao tirano e tiranos com os outros.

Tudo isso em troca do amparo de nossos pares. Acho especialmente fascinante como isso pode ser operado: desde maneira alegre e saudável (no playground da cama, por exemplo), até a maneira viciosa e cruel, nas diversas formas de sadomasoquismo, sexual, interpessoal e social.

Sempre em variações percentuais. Nunca no “tudo ou nada”.

(Na imagem: La Boétie, quando escreveu o “Discurso”… aos 18 anos!)