quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Consulta: Aborto

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Sobre o aborto, o que o Sr. tem a dizer?

Aristides Freire

Prezado Aristides,

Admirei muito a coragem do Ministro Temporão de pôr o tema em debate. Ele rompe com a hipocrisia nacional que só fala dele nos cochichos de família. A família pobre com perdas aos milhares de suas filhas entregues às mãos de curiosas. A família de classe média para cima contando com os recursos das clínicas que não ousam dizer seu nome. O economista Steven Levitt, em seu livro “Freakonomics”, constata que foi 20 anos depois da legalização do aborto nos EUA que a criminalidade começou a despencar “inexplicavelmente”. O que levou-o a pensar: qual é o futuro de uma criança indesejada, ignorada, maltratada, abusada, rejeitada? Qual o tamanho da revolta que ela contém? Qual o apelo que a marginalidade tem sobre ela? Que perspectivas de vida ela vê? Juntou 2 + 2 e deu 4. Penso que o drama das mulheres é enorme, e me seduz a idéia de que um futuro e possível plebiscito sobre o assunto deveria se restringir ao voto delas, coisa que não acontecerá, por certo. Por séculos a Igreja foi a fonte de poder sobre os Estados (seus tiranos eram endossados pelo poder de Deus). Isto acabou com a revolução francesa, que separou Igreja e Estado, em 1789. Não somos mais obrigados a ser religiosos desde então. Existem Estados religiosos ainda, como os muçulmanos, mas o Ocidente logrou esta conquista. Minha melhor esperança é de que os métodos anticoncepcionais atinjam toda a população por iniciativa do governo, pois qualquer aborto é pesado para qualquer mulher.

Consulta: Bullying

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu filho é um menino sensível e estudioso, de 10 anos, e vem sendo maltratado na escola por um colega da mesma idade, mas muito mais forte que ele, que costuma importunar os colegas da mesma maneira. Ele sofre muito e não sei o que dizer a ele.

Amanda

Prezada Amanda,

Minha filha estava no pré-escolar quando eu fui a uma reunião de pais. A diretora nos disse que não toleraria violência na escola, que iria reprimi-la com mão de ferro. Pedi a palavra e disse que a escola brincava de um modelo de sociedade democrática, para preparar seus alunos para a vida adulta. Que havia nela um executivo (a direção); um parlamento (representantes de turma), mas que não havia treinamento para um judiciário. Onde estavam os tribunais? Por que as desavenças não eram trazidas a um foro apropriado que discutisse acusação e defesa, por que os alunos não podiam advogar, onde estava o júri, a sentença e a punição? Ela achou a idéia muito interessante, mas nada mudou. Por causa dessa falha das escolas, aconselho meus filhos a meterem porrada se forem importunados por valentões (em inglês, bullies). É provável que apanhem um pouco antes de a turma do “deixa disso” entrar. Mas nunca mais serão importunados. Como eu gostaria que suas queixas fossem levadas a um tribunal apropriado, e que a porrada não fosse necessária. Como eu gostaria que esta carta estivesse sido lida por uma diretora de escola que implementasse o judiciário.

Consulta: Coito Anal

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu marido prefere o coito anal ao normal. O problema é que eu também tomei gosto. Eu me masturbo enquanto ele me penetra, e é um orgasmo que nunca experimentei antes. Ele faz de um jeito que não dói. Mas tenho dúvidas se isso é uma coisa normal.

Isolina

Prezada Isolina,

Qualquer parte do corpo humano pode ser uma zona erógena (capaz de produzir prazer), com a possível exceção dos cotovelos. Mas algumas são privilegiadas, como os genitais, os interiores das coxas, os mamilos, os lábios e línguas, as orelhas, a periferia anal e a parte interna dilatada do esfíncter anal. O problema desta área é a maneira de tratá-la. A região não tem lubrificação natural, e sem ela o atrito é doloroso. Se o seu marido aprendeu a regra do 1-2-3, com abundante lubrificação (primeiro a dilatação com um dedo, depois dois e por fim três), de fato, você não terá dor alguma, só prazer. A sensação de entrega, para quem gosta, é inigualável, e será fonte de prazer para vocês dois. A lubrificação deve ser feita com o KY gel, e o coito deve ser feito com camisinha, pois é a área de maior risco de contaminação pelo HIV. Mas sua suspeita de que seu marido tenha um fetiche homossexual não procede inteiramente. Há muitos homens que desejam esta particular entrega de suas mulheres, e há muitas mulheres, como você, que adoram lhes proporcionar isto. Desfrutem sem problemas.

Consulta: Preferência Por Filhos

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Desde criança quase sempre meus pais brigavam por minha causa. Minha mãe sempre me defendia e meu pai sempre me condenava na maioria das vezes por motivos banais. Hoje aos 24 anos não existem brigas, mas eu e meu pai mal conversamos. Amo ele mesmo assim, mas não sei se ele gosta de mim ou apenas tolera minha presença. Por que ele me trata assim e é tão diferente da minha mãe?

Eduardo

Acho que Renato Russo comenta em uma música que pais também foram crianças e tiveram pais, que também os tiveram, e assim por diante. A mãe natureza não está nem um pouco interessada em nossa felicidade, só quer que a gente se reproduza. Não pede atestado de competência, nem para pais, nem para mães. Um provérbio americano diz que são “dez segundos de prazer e trinta anos de preocupações”. Mas também podem ser trinta anos de descaso, de mal-tratos, de indiferença. O fato é que há pessoas vocacionadas para o bem cuidar de filhos e outras que não estão nem aí. Nem me parece muito o caso de seu pai. Deduzo que ele participou de sua criação, pelo menos sendo provedor, ou, como o condenava, tendo alguma intenção educacional (ou mesmo sendo uma peste, ou para implicar com sua mãe, quem pode saber?). Acaba sendo uma forma de educar. Pelo reverso. Exemplo: “Nunca na minha vida vou tratar minha mulher e filhos assim”. Não é uma forma de educação? De resto, quando a gente cresce, o que conta é a afinidade. Deixamos de ser filhos, e, se há afinidades, passamos a amigos. Ou não.

25.04.07

Consulta: Síndrome do Confinamento

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Minha mulher sofreu um acidente de lambreta na Itália, e teve que ficar imobilizada em um hospital. Tivemos que ficar lá por dez dias e ela nem podia ir ao banheiro. Cuidei dela com todo o carinho, mas no 5º dia ela teve um surto psicótico paranóico, achando que todos queriam matá-la, culpando-me a mim por sua situação. Nunca senti pavor maior na vida. O médico disse que ela estava sofrendo da “síndrome do confinamento”. O que é isso, afinal? Ela vai ficar boa?

Carlos

A síndrome do confinamento existe de fato. Ela é mais comum em CTIs e Unidades Coronarianas, que são lugares aterrorizantes. Mas foi vista em rede nacional de TV quando o “Ban-Ban” do BBB1 entrou em crise porque desmantelaram sua boneca Maria Eugênia, uma referência inventada por ele. A escola de tortura do Panamá usou esta técnica de tirar as referências dos prisioneiros de modo a enlouquecê-los e fazer com que eles confessassem. Algumas pessoas são mais vulneráveis que outras. Quem tem depressão é vítima fácil. A tendência é que, na volta ao Brasil, e com a presença de pessoas conhecidas ela volte ao normal. Mas convença-a, com o tempo, de procurar terapia, pois o trauma é grande. É também um mecanismo de defesa. Como foi ela que insistiu em andar de lambreta e trazia o filho na garupa, a idéia de que poderia ter matado o filho foi desestruturante. Ela precisava pôr a culpa em alguém. Este alguém foi você. Assim com é fácil amar o próximo, também é mais fácil odiar o próximo.

Consulta: Perda de Filho

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu filho morreu num acidente de carro há um ano. Voltava de uma festa como carona de um amigo que bebeu demais, mas sobreviveu. Ele tinha 20 anos, estava na faculdade e namorava uma menina encantadora. Continuo em frangalhos. Isto vai passar? Porque não quero que passe!

Lydia

Prezada Lydia,

Não. Não vai passar. Você nunca mais será a mesma pessoa, pois experimentou (experimenta) a pior dor psíquica possível a um ser humano. Gostaria de parar por aqui e abraçá-la, mas tenho que pensar nos outros leitores. Os americanos, que têm mania de gráficos, fizeram uma “curva de dor” relativa à perda de filhos. Ela começa baixa, no aborto espontâneo de até três meses. Vai crescendo sem parar até atingir seu ponto mais alto: um filho, na casa dos 20. Se ele tivesse deixado descendentes, a dor seria menor. Se ele tivesse 40 anos ou mais, idem. Mas o que importa é sua dor, seu luto neste momento. Freud descreveu o luto como um processo doloroso que se divide em períodos. O reconhecimento da morte (eis a razão de se poder ver o corpo no velório). A sensação de vazio, a perda de todo um investimento. Finalmente a recuperação das boas lembranças, a herança afetiva do ente querido. Lydia, não há apenas um jeito de você homenagear seu filho, de mantê-lo vivo de algum modo. Você pensa que sua dor despedaçadora é este jeito, por isso não quer que ela passe. Mas conceba a beleza que foi a experiência de conviver com ele. Tudo o que você aprendeu e desfrutou de sua breve existência. Permita-se aceitar a herança dele em seu coração, e você conseguirá um pouco de paz, mesmo que nunca mais volte a ser a pessoa que era.

Consulta: Alcoolismo Patológico

 (Publicado em 31 de janeiro de 2012)


Meu marido é um amor de pessoa, carinhoso comigo e com as crianças, trabalhador, honesto e tantas outras qualidades. Sei que ele me ama, e eu também o amo. Mas de uns tempos para cá tem acontecido uma coisa muito estranha com ele. Se ele bebe, não importa onde esteja, parece que lhe baixou um santo, ele fica tomado por um ser estranho, violento e agressivo, como se tivesse se transformado em outra pessoa, que eu não reconheço. E não precisa ser muito não. Dois whiskys e pronto. O Sr. já viu alguma coisa parecida?

Daisy

Prezada Daisy,

Já vi sim. É provável que ele sofra de uma doença chamada “alcoolismo patológico”. Não significa que seu marido é alcoólatra, mas que o álcool altera, mesmo em pequenas doses, a química cerebral dele de tal forma que, de fato, a pessoa se torna irreconhecível. Há vários que destroem bares, vão parar na polícia, são capazes de cometer crimes. A coisa é séria. Por sorte, existem vários graus de gravidade da doença e parece que a do seu marido não é das mais graves. Algumas pessoas chamam o alcoolismo patológica da doença de “O médico e o monstro” (o nome de um filme antigo). A pessoa portadora, se notificada judicialmente da doença, passa a ser considerada responsável com agravantes se cometer algum deslize sob uso de álcool. Ele deve reconhecer o que lhe acontece, procurar um psiquiatra para saber se é isso mesmo, e passar a ir ao AA, pois precisa do programa de “álcool zero”. Não há cura até agora, só controle.