sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

TRAUMA

 



O AMIGO PERGUNTA

“O que é o trauma, em psicanálise?”

Francisco Daudt: O trauma é um acontecimento recente externo ou interno que impõe na pessoa uma desorganização mental (de seu jeito de pensar) e produz uma reorganização problemática: a doença psíquica.

Ele é o detonador de uma bagunça prévia que pode ter durado anos, geralmente vinda dos conflitos da pessoa com seus amparadores da infância - como os pais, p.ex.

Um exemplo típico é o da fobia: a criança já vinha tendo raiva reprimida contra seu pai, p.ex., quando uma barata entrou voando em casa e veio em cima dela.

A partir daquele momento, a bagunça mental que seu conflito com o pai causava se desloca para seu “conflito” com a barata: “não é meu pai que pode me atacar, eu não tenho nenhum problema com ele. Meu problema é com as baratas”. A raiva do pai foi reprimida e a fobia apareceu em seu lugar.

Então, o voo da barata foi para a criança um trauma. Outras crianças, sem o conflito paterno, poderiam passar pela mesma experiência e simplesmente matariam a barata.

É claro, também existe a síndrome pós-traumática, tipo “neuróticos de guerra”, quando o estímulo atual é tão desestruturante que nem precisa de bagunças prévias para causar a doença. Mas essa é rara, não é tão cotidiana quanto a que gera neuroses e vícios.

E o acontecimento mental, como pode ser traumático? Ah, o melhor exemplo desse são as releituras dos “abusos sexuais da infância”: a criança participou daquela brincadeira divertida com a pessoa mais velha, achou tudo ótimo, inclusive a atenção que recebeu, mas… um dia ela foi informada de que aquilo era um horror, que era pecado, que era uma violência, que podia marcá-la para sempre. A partir daí a coisa é lida como uma bagunça horrível que exige rearrumação mental.

O exemplo clássico é o de Édipo: ele matou um viajante que tentou matá-lo. Foi em legítima defesa, portanto. Ele decifrou o enigma da Esfinge e livrou Tebas de sua praga, foi recebido como herói e forçado a se casar (“como prêmio”) com a rainha viúva.

Até aí, tudo bem, a vida seguia tranquila. Um dia descobre que o cara que matou em legítima defesa era “na verdade” seu pai (biológico) e que a viúva hoje sua esposa era “na verdade” sua mãe (biológica).

Aí se deu o trauma: ele se considerou (ou melhor, seu Superego o considerou) um monstro e cegou-se em automutilação, um vício sadomasoquista gerado pelo trauma daquela “descoberta”.

Nunca vi exemplo melhor das injustiças do Superego do que essa história.




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SOBRE PERCENTUAIS DE DESEJO

 


O AMIGO PERGUNTA

“Eu vi sua postagem sobre percentuais de desejo e fiquei com uma dúvida: sempre olhei só pra mulheres, elas sempre foram a fonte única do meu tesão.

Mas de um tempo pra cá vi uma garota de programa trans na internet e comecei a sair com ela. E agora eu estou adorando, pois descobri que tenho erotismo anal. Significa que eu vou virar gay?”

Francisco Daudt. Não existe isso de virar gay. Fazemos as coisas acontecerem quando motivação, meios e oportunidades se juntam. Pelo que você me contou, apesar de a sua motivação hétero ser de 90%, você vive um monopólio de meios e oportunidade hétero nas mãos da sua mulher, que perdeu o interesse em sexo (a droga da menopausa).

Ao mesmo tempo, seus 10% de desejo homoerótico encontraram meio e oportunidade extremamente favoráveis, pois a moça trans é super legal com você, animada e amiga, ótima parceira de playground. Ou seja, as coisas estão acontecendo.

Você está é deslumbrado com o brinquedo novo, que além de tudo veio melhorar o clima em casa, pois você parou de ficar ressentido com sua mulher, parou de cobrar dela algo que lhe está difícil.

Ainda por cima me transmite sua tranquilidade de que a história com a moça trans não compete nem atrapalha seu casamento, como seria o caso se você arranjasse uma amante.

Pode ser até que ajude a você deixar sua esposa redescobrir o desejo em seus próprios tempos, através da reposição hormonal, sem você ficar lhe enchendo o saco com cobrança.






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GAY ENRUSTIDO?

 


O AMIGO PERGUNTA

João Bandeira: “Você disse que a homofobia é resultado de um medo de uma fração gay da própria pessoa. Quer dizer que o homofóbico é um gay enrustido?”

Francisco Daudt. Não necessariamente. Os héteros sem nenhuma capacidade de desejo homoerótico são apenas 50% da população; assim como os gays sem nenhuma capacidade de desejo hétero são só 3%. O resto tem misturas percentuais variadas.

Como se avalia essa predominância de desejo? Entre os homens, é muito fácil: “para onde vão seus olhos?, que corpos te atraem?”. A resposta a essa pergunta define a predominância hétero ou homoerótica.

Definindo gay como quem tem mais de 50% de desejo homoerótico, um hétero pode bem ter 10% de desejo homoerótico, fazer disso um drama, e em vez de desfrutar desse seu "capital", em vez de fazê-lo render lucro, o coitado pode morrer de medo e entrar em mecanismos de defesa como a projeção, apontar os outros e dizer que "gay é ele, eu não!".

O termo “enrustido” significa que a pessoa tem plena consciência de algo que quer ocultar. Não é o que costuma acontecer com a “turma dos 10%”, pois eles causam mais perturbação do que consciência.






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UMBERTO ECO DEFINE O QUE É UM INTELECTUAL

 


O que é, afinal, um intelectual?

Para Eco, o verdadeiro intelectual não é definido por uma profissão ou classe social. Ele é aquele que “produz novos conhecimentos através da criatividade.”

O exemplo é brilhante:
Um camponês que descobre um novo enxerto capaz de criar uma nova classe de maçãs está, de fato, realizando uma atividade intelectual. Enquanto isso, um professor de filosofia que repete, ano após ano, a mesma aula sobre Heidegger pode não estar sendo um intelectual de verdade.

A chave, então, é a criatividade crítica: a habilidade de questionar, analisar e reinventar aquilo que fazemos.

“É a única régua capaz de medir a atividade intelectual”, conclui Eco.

Trecho inspirado na entrevista com Umberto Eco (1932-2016).






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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

SUPEREGO E INTELIGÊNCIA

 


Nossa inteligência é nossa capacidade de processar arquivos de memória que moram em nosso cérebro.

Quando o Superego é poderoso, ele restringe o acesso a esses arquivos: haverá arquivos que causam desconforto, que causam pudor, vergonha, medo, nojo, culpa, ridículo, enfim, todos as ameaças e angústias que moram no arsenal do Superego. Ele nos dará choques só de tentar acessar esses pensamentos e memórias.

Resulta que o Superego é um redutor de nossa inteligência, por ser um redutor de nosso acesso aos arquivos de memória. A inteligência depende do pensamento livre e despudorado. Quanto menos Superego, mais inteligência.

Isso não é surpresa, se tomarmos a metáfora da tirania como base: nenhum tirano quer súditos inteligentes.

Os tiranos não querem súditos pensando por si próprios, eles querem súditos dependentes e submissos às suas palavras sagradas inscritas em seus comunicados oficiais. Se alguém questioná-las, já sabe…




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terça-feira, 19 de novembro de 2024

COMO DISTRAIR O SUPEREGO

 


O Superego do Dumbo lhe dizia que ele era incapaz, que ele não tinha qualidades suficientes para voar (habilidade que ele descobriu quando estava de porre alucinógeno).

Uma vez sóbrio, Dumbo sofria de inibição: seu Superego o fazia imaginar se estatelando no chão caso tentasse alçar voos. O mesmo que faz conosco.

Pois o ratinho lhe deu um truque: a “magic feather”. “Segura nessa peninha e ela vai te fazer voar!” O resto é história: depois de algum tempo, Dumbo conquistou terreno sobre seu Superego e pôde dispensar a pena mágica.

Ora, então o Superego dele estava dizendo uma besteira e ele acreditando nela. O uso da pena deu um drible nele, mas não questionou as besteiras que ele diz. Ele continuou ali dentro, poderoso, esperando a próxima ocasião de fazer valer suas besteiras.

Tenho a ambição de não ter que ficar driblando meu Superego. Quero ouvir dele as besteiras para poder questioná-las. Quero ele debatendo comigo!



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quinta-feira, 17 de outubro de 2024

SOFRIMENTOS DO OBSESSIVO

 



Quem nasce com perfil obsessivo de funcionamento mental pode ser detectado desde cedo: são crianças que lidam com seus brinquedos de maneira arrumadinha, por exemplo.

A obsessividade traz muitas vantagens para quem a tem: as coisas são feitas de maneira caprichada, e são entregues a tempo. Não há desleixo. Por outro lado, a possibilidade de sofrimentos é grande.

Um obsessivo não deixa passar um quadro torto na parede, inclusive na casa dos outros ele precisa se conter para não acertá-los… e muitas vezes não consegue.

Um obsessivo tem horror de desperdício, ele segue a compaixão pelos famélicos da África e raspa o prato. Sua geladeira está cheia de tupperwares com restos de comida para… bem, para não desperdiçar.

Um obsessivo sofre com a “economia de palito”: seu tubo de pasta de dentes só vai para o lixo depois de ter sido aplainado até virar uma folha de papel (atenção: aplainado; nunca estrangulado). O final de um sabonete será colado ao novo (ou posto num pote para… bem, para não desperdiçar).

A pontualidade do obsessivo é outro tormento: “chegar pontualmente é chegar cinco minutos antes”, diz seu lema. Qualquer atraso é um insulto a quem se deixou esperando.

Outra agonia é a ansiedade: ela impõe que tudo seja antecipado e controlado para sair sem erro. Uma viagem de carro é mentalizada a cada quilômetro antes mesmo de se sair de casa.

Controle e pureza, são os dois eixos sobre os quais a obsessividade roda: pureza corporal e pureza de espírito. O pensamento binário “Cecilia Meireles” (“ou isso, ou aquilo”) do obsessivo não conhece “mais ou menos”: ou limpo, ou imundo; ou ama, ou odeia. Um obsessivo que defendia o ensaboamento da cabeça aos pés ficou atormentado quando eu perguntei se ele lavava completamente suas costas. No dia seguinte comprou um escovão de cabo longo.

Ou seja, quer conhecer um Superego 12 anos escocês legítimo? Esse é o Superego do obsessivo…