“Você descreve melancolia de uma forma completamente diferente do que se entende, em geral. Melancolia não é uma tendência à tristeza?”
FD: Você tem razão. Qualquer dicionário dirá isso. Mas Freud usou esse nome para descrever um tipo de luto patológico, uma doença, por causa de sua origem grega: melanos: negro + colis: bile.
Seria o sentido original, o envenenamento pela bile negra, um veneno que vem de dentro, não de fora. É como se a pessoa se envenenasse sem perceber: um auto-envenenamento inconsciente.
A melancolia descrita por Freud é uma forma de luto patológico situada entre neurose de transferência e vício sadomasoquista. O sujeito melancólico, ao perder uma figura cruel (como um pai ou mãe narcisista), internaliza esse modo de ser e passa a agir cruelmente com os outros — como se encenasse a relação perdida:
1º tempo: o sujeito age como o ente perdido — cruel, agressivo, destrutivo.
2º tempo: sofre com culpa e autocrítica severa — como se fosse a vítima que nunca pôde se defender.
Isso cria uma encenação sadomasoquista onde o sujeito é ao mesmo tempo o agressor e o agredido.
A repetição ocorre em vínculos afetivos e profissionais, como uma “neurose de transferência invertida”.
Essa descrição se aproxima muito da ideia de uma “síndrome do dedo podre às avessas” — onde não é o outro que fere, mas o próprio sujeito que reencena a violência recebida, buscando inconscientemente ver no outro a resposta que nunca pôde dar.
(Na foto, segundo os antigos, os humores vinham da bile).