COMOÇÃO CAUSADA PELO TITAN X INDIFERENÇA COM EMIGRANTES
De Renato Capper : “Como pode ser entendido o contraste entre as duas repercussões, Titan e naufrágio de emigrantes? O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?”
Francisco Daudt: Para tentar entender isso, somam-se a psicanálise e a psicologia evolucionista:
1. Há processos de identificação envolvidos: é muito mais provável que as pessoas tenham se identificado com aventureiros curiosos (e fascinados com o Titanic, como enorme parcela dos que veem notícias) do que com criaturas desesperadas em fuga.
2. Há medos naturais tocados em nós (confinamento, escuridão, isolamento, e principalmente desamparo: ajuda impossível).
3. Há torcida e expectativa, há tensão e acompanhamento, há vontade de ver os vídeos produzidos, há portanto investimento de tempo e emoção.
Há personalização: em técnica de roteiros, isso se chama “plantar um cachorro”. O filme mostra por mais de dez segundos um cão que não é personagem central. A partir daí, há transferência afetiva para o cão, ele se torna um “amigo”, e vamos sofrer quando inevitavelmente ele vier a se machucar/perder/morrer.
4. Há o contraste de pessoas bem-sucedidas empreendendo uma aventura cara e o resultado trágico dessa aventura, algo parecido com o próprio desastre do Titanic; algo que nos diz baixinho, “não há garantias…”
5. Por fim, infelizmente, há a banalidade do mal. Por mecanismo de defesa, a tendência é que se veja a morte de uma população sofrida como se vê perdas em combate na Ucrânia: mais raiva pelas causas (uma abstração ideológica) que compaixão pelas pessoas (uma dor individual que provoca identificação, “e se fosse comigo?”).
De modo que, a rapidez em condenar os que ficaram mais abalados com o caso do Titan só está a serviço das demonstrações de superioridade moral e da patrulha ideológica dos ofendidos. Ela, infelizmente, não traz benefícios para os desvalidos. Só traz raiva contida, por causa do julgamento injusto.

Nenhum comentário:
Postar um comentário