quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O QUE ESTÁ A NOSSO ALCANCE?

 


Tolerância dentro das relações pessoais. Querer ouvir a outra parte. Não querer exterminá-la. Não aceitar o convite para o ódio. Parece fraco? Pense bem: nosso alcance são as pessoas do nosso convívio, familiares, amigos, gente com quem tivemos bom encontro afetivo.

Como todos, também fui alcançado pelo acirramento político do “nós contra eles” nas minhas relações pessoais/familiares. Tenho me esforçado para não julgar, não falar mal, procurar outros assuntos a partilhar, outras zonas de encontro, áreas de diálogo.

Não há como converter crentes, é só desgaste, é uma sedução para nos pormos na posição do Superego.

Outra coisa é a hora de votar, ou quais políticos apoiar.




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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

PALMADA

 


O AMIGO PERGUNTA 

“Palmada forma Superego? O que forma o Superego?”

FD: É curioso, mas o senso comum impôs aos pais duas coisas que não existiam na minha infância: o horror ao castigo físico, como se fosse alguma espécie de crime, e a obrigatoriedade de “ser amiguinho” dos filhos, de dizer-lhes “eu te amo” o maior número de vezes possível.

Não adianta fazer a defesa da palmada: nesses tempos patrulhados, ela não voltará nunca mais. Porém… havia nela virtudes, que eram a clareza entre crime e castigo (“eu fiz merda - eu levei palmada”), a dosimetria da penalidade era justa (nenhuma palmada machucava, só assustava; a pena se encerrava no ato, não haveria caras e bocas depois, não durava mais que seu segundo, não havia prolongamento nem “clima”).

Não havia na palmada o principal elemento formador do Superego: a ameaça velada de desamparo que o silêncio, o gelo e a cara fechada trazem. Eles contêm uma falta de clareza, uma falta de relação crime/castigo que produzem efeitos duradouros: como a dosimetria da pena é injusta (“tudo isso só porque eu deixei cair a xícara?”), o ressentimento/raiva despertados não são claros, não há advogado de defesa, paira um sentimento de dívida, de estar em falta, de medo de que “não gostem mais de mim”. É o desamparo. É ele que vai formar o Superego, por medo inconsciente do desamparo.

Ok, tiraram a palmada de cena, mas… não houve substituição educativa justa e clara como a dela.

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Quando ao “eu te amo”, nenhuma criança nascida até os anos 1960 jamais ouviu essa frase dos pais. Ela era desnecessária. E pior, quando a frase é dita pela boca, mas a atitude diz o contrário, só causa confusão e desconfiança nos filhos.

Aqui vai o depoimento de Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe Eunice, hoje tão famosa por causa do filme “Ainda estou aqui”:

“Ela não exercia seu afeto por meio de afagos, mas pela praticidade. Nunca me disse “eu te amo, filhinho”. Mas eu sabia que ela me amava, orgulhava-se de mim, sem demonstrar.”




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TRAUMA

 



O AMIGO PERGUNTA

“O que é o trauma, em psicanálise?”

Francisco Daudt: O trauma é um acontecimento recente externo ou interno que impõe na pessoa uma desorganização mental (de seu jeito de pensar) e produz uma reorganização problemática: a doença psíquica.

Ele é o detonador de uma bagunça prévia que pode ter durado anos, geralmente vinda dos conflitos da pessoa com seus amparadores da infância - como os pais, p.ex.

Um exemplo típico é o da fobia: a criança já vinha tendo raiva reprimida contra seu pai, p.ex., quando uma barata entrou voando em casa e veio em cima dela.

A partir daquele momento, a bagunça mental que seu conflito com o pai causava se desloca para seu “conflito” com a barata: “não é meu pai que pode me atacar, eu não tenho nenhum problema com ele. Meu problema é com as baratas”. A raiva do pai foi reprimida e a fobia apareceu em seu lugar.

Então, o voo da barata foi para a criança um trauma. Outras crianças, sem o conflito paterno, poderiam passar pela mesma experiência e simplesmente matariam a barata.

É claro, também existe a síndrome pós-traumática, tipo “neuróticos de guerra”, quando o estímulo atual é tão desestruturante que nem precisa de bagunças prévias para causar a doença. Mas essa é rara, não é tão cotidiana quanto a que gera neuroses e vícios.

E o acontecimento mental, como pode ser traumático? Ah, o melhor exemplo desse são as releituras dos “abusos sexuais da infância”: a criança participou daquela brincadeira divertida com a pessoa mais velha, achou tudo ótimo, inclusive a atenção que recebeu, mas… um dia ela foi informada de que aquilo era um horror, que era pecado, que era uma violência, que podia marcá-la para sempre. A partir daí a coisa é lida como uma bagunça horrível que exige rearrumação mental.

O exemplo clássico é o de Édipo: ele matou um viajante que tentou matá-lo. Foi em legítima defesa, portanto. Ele decifrou o enigma da Esfinge e livrou Tebas de sua praga, foi recebido como herói e forçado a se casar (“como prêmio”) com a rainha viúva.

Até aí, tudo bem, a vida seguia tranquila. Um dia descobre que o cara que matou em legítima defesa era “na verdade” seu pai (biológico) e que a viúva hoje sua esposa era “na verdade” sua mãe (biológica).

Aí se deu o trauma: ele se considerou (ou melhor, seu Superego o considerou) um monstro e cegou-se em automutilação, um vício sadomasoquista gerado pelo trauma daquela “descoberta”.

Nunca vi exemplo melhor das injustiças do Superego do que essa história.




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SOBRE PERCENTUAIS DE DESEJO

 


O AMIGO PERGUNTA

“Eu vi sua postagem sobre percentuais de desejo e fiquei com uma dúvida: sempre olhei só pra mulheres, elas sempre foram a fonte única do meu tesão.

Mas de um tempo pra cá vi uma garota de programa trans na internet e comecei a sair com ela. E agora eu estou adorando, pois descobri que tenho erotismo anal. Significa que eu vou virar gay?”

Francisco Daudt. Não existe isso de virar gay. Fazemos as coisas acontecerem quando motivação, meios e oportunidades se juntam. Pelo que você me contou, apesar de a sua motivação hétero ser de 90%, você vive um monopólio de meios e oportunidade hétero nas mãos da sua mulher, que perdeu o interesse em sexo (a droga da menopausa).

Ao mesmo tempo, seus 10% de desejo homoerótico encontraram meio e oportunidade extremamente favoráveis, pois a moça trans é super legal com você, animada e amiga, ótima parceira de playground. Ou seja, as coisas estão acontecendo.

Você está é deslumbrado com o brinquedo novo, que além de tudo veio melhorar o clima em casa, pois você parou de ficar ressentido com sua mulher, parou de cobrar dela algo que lhe está difícil.

Ainda por cima me transmite sua tranquilidade de que a história com a moça trans não compete nem atrapalha seu casamento, como seria o caso se você arranjasse uma amante.

Pode ser até que ajude a você deixar sua esposa redescobrir o desejo em seus próprios tempos, através da reposição hormonal, sem você ficar lhe enchendo o saco com cobrança.






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GAY ENRUSTIDO?

 


O AMIGO PERGUNTA

João Bandeira: “Você disse que a homofobia é resultado de um medo de uma fração gay da própria pessoa. Quer dizer que o homofóbico é um gay enrustido?”

Francisco Daudt. Não necessariamente. Os héteros sem nenhuma capacidade de desejo homoerótico são apenas 50% da população; assim como os gays sem nenhuma capacidade de desejo hétero são só 3%. O resto tem misturas percentuais variadas.

Como se avalia essa predominância de desejo? Entre os homens, é muito fácil: “para onde vão seus olhos?, que corpos te atraem?”. A resposta a essa pergunta define a predominância hétero ou homoerótica.

Definindo gay como quem tem mais de 50% de desejo homoerótico, um hétero pode bem ter 10% de desejo homoerótico, fazer disso um drama, e em vez de desfrutar desse seu "capital", em vez de fazê-lo render lucro, o coitado pode morrer de medo e entrar em mecanismos de defesa como a projeção, apontar os outros e dizer que "gay é ele, eu não!".

O termo “enrustido” significa que a pessoa tem plena consciência de algo que quer ocultar. Não é o que costuma acontecer com a “turma dos 10%”, pois eles causam mais perturbação do que consciência.






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UMBERTO ECO DEFINE O QUE É UM INTELECTUAL

 


O que é, afinal, um intelectual?

Para Eco, o verdadeiro intelectual não é definido por uma profissão ou classe social. Ele é aquele que “produz novos conhecimentos através da criatividade.”

O exemplo é brilhante:
Um camponês que descobre um novo enxerto capaz de criar uma nova classe de maçãs está, de fato, realizando uma atividade intelectual. Enquanto isso, um professor de filosofia que repete, ano após ano, a mesma aula sobre Heidegger pode não estar sendo um intelectual de verdade.

A chave, então, é a criatividade crítica: a habilidade de questionar, analisar e reinventar aquilo que fazemos.

“É a única régua capaz de medir a atividade intelectual”, conclui Eco.

Trecho inspirado na entrevista com Umberto Eco (1932-2016).






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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

SUPEREGO E INTELIGÊNCIA

 


Nossa inteligência é nossa capacidade de processar arquivos de memória que moram em nosso cérebro.

Quando o Superego é poderoso, ele restringe o acesso a esses arquivos: haverá arquivos que causam desconforto, que causam pudor, vergonha, medo, nojo, culpa, ridículo, enfim, todos as ameaças e angústias que moram no arsenal do Superego. Ele nos dará choques só de tentar acessar esses pensamentos e memórias.

Resulta que o Superego é um redutor de nossa inteligência, por ser um redutor de nosso acesso aos arquivos de memória. A inteligência depende do pensamento livre e despudorado. Quanto menos Superego, mais inteligência.

Isso não é surpresa, se tomarmos a metáfora da tirania como base: nenhum tirano quer súditos inteligentes.

Os tiranos não querem súditos pensando por si próprios, eles querem súditos dependentes e submissos às suas palavras sagradas inscritas em seus comunicados oficiais. Se alguém questioná-las, já sabe…




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