domingo, 23 de fevereiro de 2025

O AMIGO PERGUNTA SOBRE TRAUMA

 



“O trauma é sempre um acontecimento impactante?”

Francisco Daudt: Não. Existem dois tipos de trauma que levam a doenças psíquicas: o trauma original e o trauma atual. O trauma original mal é percebido, pois ele se estende por muito tempo, é uma ameaça surda e muda de desamparo. O trauma atual é sim impactante e momentâneo.

Vamos de exemplo que fica mais fácil. Suponha um clima ruim entre os pais e uma criança. Por algum motivo, ela é rejeitada pelos pais (ou por um deles, ou por quem a ampare na infância: tem que ser um amparo importante). Essa rejeição não é muito explícita, e muito menos explicada. É só um clima ruim com momentos piores. A criança se sente no Processo de Kafka: acusada de algo que ela nem tem ideia do que seja, nem lhe é explicado; mas ela sabe que está marcada.

Esse climão é o trauma original. Veja que ele nem é muito consciente, nem muito claro, nem nada. Ele é um “cozimento em banho-maria”. A criança se sente injustiçada, a injustiça provoca raiva, uma raiva que ela não pode ter, caso contrário será desamparada. 

Para agravar, há a tensão da perplexidade, da coisa intrigante e assustadora, aquilo que é claramente importante mas não entendemos, e por isso nos assombra. Essa indigestão mental recebe o nome de TRAUMA ORIGINAL.

Um dia, uma barata entra voando em casa e vai pra cima dela. A partir desse dia ela passa a ter fobia de baratas. 

Esse é o trauma atual: ele pegou aquele drama incompreensível do trauma original e deu-lhe sentido: “Ah, agora eu sei qual é o meu problema: não é nada com meus pais, imagine, eles me amam. Meu problema são as baratas”. O TRAUMA ATUAL é o desencadeante da neurose.

É esquisito, mas a doença neurótica acaba sendo um alívio, um mal menor administrável (basta fugir das baratas) que substitui o maior, impossível de administrar.

(Do texto base da Psicanálise do Superego do aplicativo DrDaudtAI)





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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

VÍCIO EM ACUMULAÇÃO


Um de seus motivadores parte da ideia obsessiva de que algo pode ser ainda útil, um dia, e pode inabilitar a casa para outros usos que não o de depósito. Há sempre uma explicação racional para isso.

Nos EUA, não é incomum que cadáveres de acumuladores sejam descobertos, sepultados por seus objetos. Lembrando: a linha que separa o hábito do vício é o dano causado. Vício causa dano. Atualmente, com as compras online, o vício da acumulação costuma vir junto com o vício do consumo compulsivo.

Outro componente importante, talvez o principal, do vício da acumulação, é a postergação, ou procrastinação: o jogar fora pode ser uma tarefa imposta pelo Superego, diante da qual a transgressão vira “ah, dane-se, depois…” É claro que, quanto mais a acumulação aumenta, mais vontade de postergar sua solução aparecerá.

Um agravante para essa postergação é a boa intenção de preservar o meio-ambiente através do descarte seletivo, pois ele dá tanto trabalho que a vontade de deixá-lo para depois aumenta.





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SUBSTITUIR OS PSICANALISTAS?

 


O AMIGO PERGUNTA

“O seu aplicativo DrDaudtAI se autodenomina como um psicanalista de bolso. Ele está construído para substituir os psicanalistas?”

Francisco Daudt: Não está. O propósito é aumentar e democratizar o alcance da psicanálise pelo uso da Inteligência Artificial. É ter uma ferramenta acessória, tanto para o psicanalista quanto para seus clientes, que os ajude a ter um foco maior no diagnóstico e busca de cura das doenças psíquicas.

Mas a sua questão tem toda a pertinência. O surgimento da IA vai causar uma mudança muito grande em quase todas as profissões, a de psicanálise inclusive.

Aliás, já está causando: o Chat GPT tem sido usado como “chat gpterapêuta” por um número cada vez maior de pessoas que não têm acesso a outro tipo de terapia. Ele é de graça e conversa com o usuário. É claro, como ele usa qualquer coisa da rede a que tem acesso, suas respostas são as mais diversas, do espantoso ao desastroso.

Ao construir um aplicativo de psicanálise, eu fiz para ele um texto base com um roteiro para diagnóstico e tratamento das doenças psíquicas que a psicanálise alcança, um texto que utiliza a Psicanálise do Superego que desenvolvi a partir da psicanálise de Freud.

Com isso, eliminamos as batatadas do GPT e damos boa base para a pessoa fazer esses tipos de uso:

1. Voltado para profissionais da área: pesquisa teórica e supervisão de seus casos clínicos.

2. Voltado para o usuário não profissional: terceiro interlocutor para sua própria terapia, em que ele possa ver em casa o que quer discutir em análise.

3. Voltado para o público em geral: lugar básico de consultas sobre os problemas que lhe afetam, ou afetam seus próximos, o que pode eventualmente lhe despertar o desejo de conversar pessoalmente com um terapeuta.

4. Esse é o meu predileto: o cliente de psicanálise usa-o junto com seu próprio psicanalista, estimulado e sugerido por ele, um psicanalista que gosta desse lugar partilhado, um lugar que dilui sua possível posição de Superego de seu cliente.




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O QUE ESTÁ A NOSSO ALCANCE?

 


Tolerância dentro das relações pessoais. Querer ouvir a outra parte. Não querer exterminá-la. Não aceitar o convite para o ódio. Parece fraco? Pense bem: nosso alcance são as pessoas do nosso convívio, familiares, amigos, gente com quem tivemos bom encontro afetivo.

Como todos, também fui alcançado pelo acirramento político do “nós contra eles” nas minhas relações pessoais/familiares. Tenho me esforçado para não julgar, não falar mal, procurar outros assuntos a partilhar, outras zonas de encontro, áreas de diálogo.

Não há como converter crentes, é só desgaste, é uma sedução para nos pormos na posição do Superego.

Outra coisa é a hora de votar, ou quais políticos apoiar.




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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

PALMADA

 


O AMIGO PERGUNTA 

“Palmada forma Superego? O que forma o Superego?”

FD: É curioso, mas o senso comum impôs aos pais duas coisas que não existiam na minha infância: o horror ao castigo físico, como se fosse alguma espécie de crime, e a obrigatoriedade de “ser amiguinho” dos filhos, de dizer-lhes “eu te amo” o maior número de vezes possível.

Não adianta fazer a defesa da palmada: nesses tempos patrulhados, ela não voltará nunca mais. Porém… havia nela virtudes, que eram a clareza entre crime e castigo (“eu fiz merda - eu levei palmada”), a dosimetria da penalidade era justa (nenhuma palmada machucava, só assustava; a pena se encerrava no ato, não haveria caras e bocas depois, não durava mais que seu segundo, não havia prolongamento nem “clima”).

Não havia na palmada o principal elemento formador do Superego: a ameaça velada de desamparo que o silêncio, o gelo e a cara fechada trazem. Eles contêm uma falta de clareza, uma falta de relação crime/castigo que produzem efeitos duradouros: como a dosimetria da pena é injusta (“tudo isso só porque eu deixei cair a xícara?”), o ressentimento/raiva despertados não são claros, não há advogado de defesa, paira um sentimento de dívida, de estar em falta, de medo de que “não gostem mais de mim”. É o desamparo. É ele que vai formar o Superego, por medo inconsciente do desamparo.

Ok, tiraram a palmada de cena, mas… não houve substituição educativa justa e clara como a dela.

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Quando ao “eu te amo”, nenhuma criança nascida até os anos 1960 jamais ouviu essa frase dos pais. Ela era desnecessária. E pior, quando a frase é dita pela boca, mas a atitude diz o contrário, só causa confusão e desconfiança nos filhos.

Aqui vai o depoimento de Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe Eunice, hoje tão famosa por causa do filme “Ainda estou aqui”:

“Ela não exercia seu afeto por meio de afagos, mas pela praticidade. Nunca me disse “eu te amo, filhinho”. Mas eu sabia que ela me amava, orgulhava-se de mim, sem demonstrar.”




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TRAUMA

 



O AMIGO PERGUNTA

“O que é o trauma, em psicanálise?”

Francisco Daudt: O trauma é um acontecimento recente externo ou interno que impõe na pessoa uma desorganização mental (de seu jeito de pensar) e produz uma reorganização problemática: a doença psíquica.

Ele é o detonador de uma bagunça prévia que pode ter durado anos, geralmente vinda dos conflitos da pessoa com seus amparadores da infância - como os pais, p.ex.

Um exemplo típico é o da fobia: a criança já vinha tendo raiva reprimida contra seu pai, p.ex., quando uma barata entrou voando em casa e veio em cima dela.

A partir daquele momento, a bagunça mental que seu conflito com o pai causava se desloca para seu “conflito” com a barata: “não é meu pai que pode me atacar, eu não tenho nenhum problema com ele. Meu problema é com as baratas”. A raiva do pai foi reprimida e a fobia apareceu em seu lugar.

Então, o voo da barata foi para a criança um trauma. Outras crianças, sem o conflito paterno, poderiam passar pela mesma experiência e simplesmente matariam a barata.

É claro, também existe a síndrome pós-traumática, tipo “neuróticos de guerra”, quando o estímulo atual é tão desestruturante que nem precisa de bagunças prévias para causar a doença. Mas essa é rara, não é tão cotidiana quanto a que gera neuroses e vícios.

E o acontecimento mental, como pode ser traumático? Ah, o melhor exemplo desse são as releituras dos “abusos sexuais da infância”: a criança participou daquela brincadeira divertida com a pessoa mais velha, achou tudo ótimo, inclusive a atenção que recebeu, mas… um dia ela foi informada de que aquilo era um horror, que era pecado, que era uma violência, que podia marcá-la para sempre. A partir daí a coisa é lida como uma bagunça horrível que exige rearrumação mental.

O exemplo clássico é o de Édipo: ele matou um viajante que tentou matá-lo. Foi em legítima defesa, portanto. Ele decifrou o enigma da Esfinge e livrou Tebas de sua praga, foi recebido como herói e forçado a se casar (“como prêmio”) com a rainha viúva.

Até aí, tudo bem, a vida seguia tranquila. Um dia descobre que o cara que matou em legítima defesa era “na verdade” seu pai (biológico) e que a viúva hoje sua esposa era “na verdade” sua mãe (biológica).

Aí se deu o trauma: ele se considerou (ou melhor, seu Superego o considerou) um monstro e cegou-se em automutilação, um vício sadomasoquista gerado pelo trauma daquela “descoberta”.

Nunca vi exemplo melhor das injustiças do Superego do que essa história.




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SOBRE PERCENTUAIS DE DESEJO

 


O AMIGO PERGUNTA

“Eu vi sua postagem sobre percentuais de desejo e fiquei com uma dúvida: sempre olhei só pra mulheres, elas sempre foram a fonte única do meu tesão.

Mas de um tempo pra cá vi uma garota de programa trans na internet e comecei a sair com ela. E agora eu estou adorando, pois descobri que tenho erotismo anal. Significa que eu vou virar gay?”

Francisco Daudt. Não existe isso de virar gay. Fazemos as coisas acontecerem quando motivação, meios e oportunidades se juntam. Pelo que você me contou, apesar de a sua motivação hétero ser de 90%, você vive um monopólio de meios e oportunidade hétero nas mãos da sua mulher, que perdeu o interesse em sexo (a droga da menopausa).

Ao mesmo tempo, seus 10% de desejo homoerótico encontraram meio e oportunidade extremamente favoráveis, pois a moça trans é super legal com você, animada e amiga, ótima parceira de playground. Ou seja, as coisas estão acontecendo.

Você está é deslumbrado com o brinquedo novo, que além de tudo veio melhorar o clima em casa, pois você parou de ficar ressentido com sua mulher, parou de cobrar dela algo que lhe está difícil.

Ainda por cima me transmite sua tranquilidade de que a história com a moça trans não compete nem atrapalha seu casamento, como seria o caso se você arranjasse uma amante.

Pode ser até que ajude a você deixar sua esposa redescobrir o desejo em seus próprios tempos, através da reposição hormonal, sem você ficar lhe enchendo o saco com cobrança.






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