quinta-feira, 7 de agosto de 2025

INESPERADAS ZONAS ERÓGENAS

 



É certo que o corpo inteiro seja uma potencial área geradora de prazer/excitação (com a exceção possível dos cotovelos), com uma hierarquia habitual de zonas (genitais, boca, mamilos, perianal, canais vaginal e anal, períneo, face interna das coxas, pescoço, nuca e outras menos votadas), assim como uma hierarquia habitual de tipo de estímulos (oro-lingual; dilatadores - dedos, pênis -; ponta dos dedos).

Mas há um tipo de estímulo - a coceira - que se destaca pelo tipo de prazer que dá: de intensidade crescente, que só cessa pelo cansaço, não por clímax. Daí o “comer e coçar, é só começar”.

As costas são seu alvo preferencial. O curioso é quando a coceira encontra inesperadas zonas erógenas: as virilhas e o canal auditivo. Há pessoas, principalmente crianças, que entram em êxtase quando seus ouvidos são limpos com cotonete. E outras que se recusam a tratar da micose de virilhas, pelo prazer que obtêm ao coçá-las.

Novamente, um prazer de intensidade crescente, mas sem clímax: só se pára por exaustão.

P.S. A micose entre os dedos dos pés também tem seu lugar…







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quinta-feira, 17 de julho de 2025

O AMIGO PERGUNTA SOBRE MELANCOLIA

 



“Você descreve melancolia de uma forma completamente diferente do que se entende, em geral. Melancolia não é uma tendência à tristeza?”

FD: Você tem razão. Qualquer dicionário dirá isso. Mas Freud usou esse nome para descrever um tipo de luto patológico, uma doença, por causa de sua origem grega: melanos: negro + colis: bile.

Seria o sentido original, o envenenamento pela bile negra, um veneno que vem de dentro, não de fora. É como se a pessoa se envenenasse sem perceber: um auto-envenenamento inconsciente.

A melancolia descrita por Freud é uma forma de luto patológico situada entre neurose de transferência e vício sadomasoquista. O sujeito melancólico, ao perder uma figura cruel (como um pai ou mãe narcisista), internaliza esse modo de ser e passa a agir cruelmente com os outros — como se encenasse a relação perdida:

1º tempo: o sujeito age como o ente perdido — cruel, agressivo, destrutivo.

2º tempo: sofre com culpa e autocrítica severa — como se fosse a vítima que nunca pôde se defender.

Isso cria uma encenação sadomasoquista onde o sujeito é ao mesmo tempo o agressor e o agredido.

A repetição ocorre em vínculos afetivos e profissionais, como uma “neurose de transferência invertida”.

Essa descrição se aproxima muito da ideia de uma “síndrome do dedo podre às avessas” — onde não é o outro que fere, mas o próprio sujeito que reencena a violência recebida, buscando inconscientemente ver no outro a resposta que nunca pôde dar.

(Na foto, segundo os antigos, os humores vinham da bile).






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terça-feira, 15 de julho de 2025

DO “FREUD EXPLICA” PARA O “FREUD INVESTIGA”

 


Para mim, o texto mais importante de Freud é “Construções em análise”: foi quando ele deixou o “Freud explica” para trás em favor do “Freud investiga”. 

Foi esse texto minha bússola teórica desde 1976, quando comecei a estudar Freud, pela marca de seu espírito científico: ele estava inaugurando uma proto-ciência, não uma crença.

Construções em Análise (1937) é um dos textos mais sofisticados e reflexivos de Freud, escrito já no fim da sua vida. Nele, Freud se afasta da ideia de que o analista apenas interpreta elementos isolados — como atos falhos ou sonhos — e propõe que o trabalho analítico envolve construir narrativas sobre a história psíquica do paciente.

Principais ideias do artigo:

• Freud compara o analista a um arqueólogo: ambos trabalham com fragmentos — no caso da psicanálise, fragmentos de lembranças, associações e comportamentos — para reconstruir algo que foi esquecido ou reprimido.

• A construção é diferente da interpretação. Enquanto a interpretação se aplica a um dado isolado, a construção apresenta ao paciente um fragmento coerente da sua história primitiva, que ele havia esquecido.

• Freud reconhece que o paciente pode reagir com um “sim” ou “não” à construção, mas alerta que essas respostas não são definitivas. O “não” pode indicar resistência, e o “sim” pode ser apenas uma aceitação superficial. O que importa são as confirmações indiretas que surgem ao longo da análise.

• Ele também critica o uso abusivo da sugestão, quando o analista tenta convencer o paciente a aceitar uma construção. Freud defende que o analista deve escutar e construir, não impor.

• A construção tem valor terapêutico mesmo quando não é lembrada literalmente. Se o paciente se convence da verdade da construção, isso pode ter o mesmo efeito que uma recordação autêntica.

Freud termina o texto refletindo sobre a diferença entre verdade histórica e verdade material. Para ele, o que importa na análise não é apenas o que de fato aconteceu, mas como o sujeito viveu e registrou aquilo psiquicamente.

Esse artigo é uma verdadeira síntese da maturidade clínica de Freud. Ele já não busca certezas absolutas, mas sim sentido e transformação.




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segunda-feira, 30 de junho de 2025

PERVERSÃO X VÍCIO

 


A renegação (“dane-se, vou fazer”) é o mecanismo de defesa que produz os vícios.

Tradicionalmente, a renegação era ligada ao que se chamava de “perversão”. A doença perversa seria uma contraposição às neuroses: enquanto as neuroses sempre parecem esquisitas a quem sofre delas – como ter medo irracional de baratas – a perversão pareceria resultado de uma vontade consciente, não causa estranhamento, ainda que tenha os outros componentes da doença (compulsão, repetição, aluguel mental e dano causado a si ou/e a outros).

No entanto, resolvi não chamar esse grupo de doenças de “perversão”, pois a palavra tem uma conotação de maldade, de julgamento moral que não cabe na psicanálise que proponho, justamente por soar como um desses rótulos do Superego. Preferi chamar esse grupo de doenças de “vícios”.








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O AMIGO PERGUNTA SOBRE NOJO

 


“Ter nojo é normal, ou é coisa de obsessivo?”

Francisco Daudt: “Os dois”, seria uma boa resposta. Explico: o nojo, ou repugnância, faz parte de nossos programas genéticos que servem à sobrevivência, junto com os medos de escuro, de estranhos, de altura, confinamento, répteis, grandes insetos voadores, e o principal deles: de desamparo.

Para se ter uma ideia de como isso não é aprendido, a primeira vez em que alguém tiver contato com carne podre, vomitará no ato. Ninguém lhe ensinou isso; a coisa veio com a máquina.

Essa é a parte normal. Vamos à outra: o nojo aprendido. Ele - como o original - estará voltado para as “impurezas”. Mas “impureza” é um conceito muito flexível, totalmente percentual… exceto para o Superego binário de quem tem perfil obsessivo: este só considera duas categorias, o puro e o impuro.

“Esse seu quarto está nojento” dá bem a dimensão relativa do conceito de repugnância: não há nada de podre nele, só está bagunçado, mas… para a extensão cruel daquele Superego, o bagunçado e impuro, logo, nojento.

As coisas se complicam mais quando o sexo está na questão. A atividades sexual envolve (potencialmente) intimidades com saliva, genitais, outras partes do corpo igualmente consideradas impuras. O Superego pode bem encrencar com elas.

Nessa hora, entram em ação potenciais diluidores do Superego: o álcool e o tesão. O tesão muda as relações de custo-benefício habituais, fazendo com que os nojos obsessivos desapareçam… pelo menos enquanto o tesão durar.

Nossa relação com o Superego é tal, que até uma face transgressora, um “dane-se” do nojo pode entrar em pauta como meio de excitação, como é o caso de envolver fezes e urina nos jogos eróticos: “ah, é nojento, Superego? Então vê só!”

De modo que, voltando à sua pergunta, o nojo tem sua face protetiva da saúde, mas tem um potencial neurótico atrapalhador de nossa vida. Nessa hora, entra o critério que determina se algo é sintomático ou não: o dano causado. Se o nojo te impede de ter vida sexual, bem… ele é sintomático.








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CUSTO x BENEFÍCIO: AVALIAÇÃO INCONSCIENTE PARA CADA ATO NOSSO

 


“Muito caro para pouco prazer? Não!” Essa é uma questão óbvia quando estamos diante de uma vitrine, mas ela se apresenta, conscientemente ou não, diante de cada um de nossos atos.

O fato de você ter chegado até aqui na leitura deste texto indica que o benefício venceu: elementos como a curiosidade, as experiências prévias com o que escrevo, o brincar com as telinhas, e outros tantos que jamais saberemos entraram na conta, pesaram no prato da balança onde vão os benefícios… e ela apontou para o “vou ler”.

Mas há custos inconscientes - e muitas vezes irrealistas - que podem produzir inibição, podem nos assustar: os custos do Superego. Alguns são muito claros, tipo “humm, eu bem que gostaria, mas o que vão dizer de mim?”, ou “eu posso ser pego em flagrante!”, ou ainda “ah, ela nunca vai olhar para um cara como eu…”

Outros custos do Superego são mais sutis: “ah, dane-se, não vou fazer só porque meu pai disse pra eu fazer. Ia ser bom pra mim, mas não quero ser um menino obediente”.

O mais curioso deles é quando a gente gosta muito de fazer algo, mas aí vem o Superego e nos diz: “Ah, tá gostando? Pois agora você tem que fazer isso todos os dias!” O que era gosto vira imposição. Fica muito custoso…

A vantagem de ter-se consciência desse processo é poder discutir consigo mesmo: os custos do que você quer são realistas, ou são custos de suas neuroses.

Ah, e os benefícios? São realistas ou são ligados à sua vingança contra o Superego, o famoso “dane-se”?







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ALGORITMO (aprendi hoje)

 


Um algoritmo é uma sequência finita de instruções ou operações bem definidas que são seguidas para alcançar um objetivo específico, como resolver um problema ou executar uma tarefa.

Uma receita de bolo é um algoritmo, p.ex.

A origem da palavra é o nome do sábio persa que criou os algarismos arábicos. A propósito, "algarismo" também vem do nome dele.







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AS LEIS ERRADAS DO SUPEREGO

 


Como resultado do medo do desamparo, fomos absorvendo no Superego, desde cedo, várias crenças e leis que vieram de nossa criação, mas que são convicções erradas.

Elas serviam ao que o senso comum da época considerava certo, e foram reproduzidas por nossos pais ou criadores de modo a que nos adaptássemos ao mundo, e que não déssemos problema em casa.

Não houve má intenção dos pais no processo, apenas incompetência natural de dar conta de nossas singularidades, já que eles próprios foram atropelados pelo mesmo tipo de criação de poder concentrado: um ou dois criadores têm um trabalho imenso e uma limitação maior ainda de fazer uma educação dos filhos que atenda a suas complexidades.

Meu exemplo caricatural dessas leis erradas é uma que já saiu de moda, por tão absurda que era: “não pode ser canhoto!” As crianças nascidas assim eram obrigadas a amarrar suas mãos esquerdas para só usar a direita.

Assim, acabavam “ambidestros”, pois não perdiam a habilidade da mão esquerda, mesmo ganhando a da direita. O último exemplo que me lembro dessa esquisitice foi o comediante e entrevistador Jô Soares.

(Na foto, Jô me entrevistando quando do lançamento do "Natureza humana", em 2014)







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O AMIGO PERGUNTA SE OS CÃES TAMBÉM TÊM SUPEREGO

 


“Você diz que o Superego se forma por adestramento na infância, que nós somos adestrados, assim como os cães, e que eles também têm Superego. Pode explicar?”

Francisco Daudt. Você já viu “cara de cachorro que quebrou panela”? Pois é, eles também sentem culpa, também têm medo de que não gostemos mais deles, também temem seus Superegos, como nós.

Como isso se deu? Há 15 mil anos, lobos começaram a se aproximar de acampamentos humanos em busca de comida. Foi assim que os cães se tornaram os primeiros animais domésticos: eles foram adestrados às nossas conveniências, em troca de amparo.

A partir daí começou uma seleção artificial em que os mais dóceis eram mais amparados, e os mais rebeldes eram eliminados. Mais tarde a seleção artificial dos cães atendeu a conveniências diferentes, e nosso poder sobre eles criou raças especializadas para nos prestar diferentes serviços, como os cães pastores, cães de companhia, cães de guarda etc.

A diferença é que eles não desenvolvem independência e autonomia, nem saem de casa para morar sozinhos: isso é um potencial que nós temos e eles não. Eles não conseguem prover seu próprio amparo, eles vão precisar sempre de nós. Serão sempre fiéis servidores.

“Ah, mas meu cão não é servidor, eu é que o sirvo; ele é um tirano!” Pois é: ele foi adestrado por você para ser assim. Seu desejo de amparo foi reverso, você tem o amparo dele, você o treinou para o domínio. Chama-se isso de “codependência”. O cão fica parecido com esses filhos mimados, “tiranos de aldeia” que só mandam em seu quintal, incapazes de ir para o mundo. Ele continua sob seu domínio, só que ao contrário.

Mas voltando ao adestramento para formação do Superego, o ponto chave é o medo do desamparo. Não é tanto pelo medo da chinelada; o principal medo é dono (ou o pai/mãe) virar-lhe a cara, se você o desagradar. É assim que entra o “bug no sistema”, um software automático que parece falar de dentro da nossa cabeça, parece nos dar choques quando contrariamos suas leis.

Ok, os cães não têm saída, o Superego deles vai ficar intacto para sempre; aliás eles nem precisam de saída, pois o contrato com eles é diferente.

O que queremos para nós e para nossos filhos é diferente: queremos mandar em nossas vidas. Não queremos ser prisioneiros, nem da submissão, nem da rebeldia. Precisamos, para isso, nos libertar de nosso adestramento: eliminar do Superego suas leis idiotas (“você tem que ser outra pessoa!”) e tomar para nós suas leis corretas (“você tem que ser honesto!”).

Eu “tenho que ser honesto?” Coisa nenhuma! Eu gosto de ser honesto. Vou ser honesto por gosto, não por medo da cadeia, nem por medo do Superego.







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quinta-feira, 22 de maio de 2025

SURPRESAS DA ATUALIDADE

 


Gustavo Wong é meu aluno de Psicanálise do Superego, mas não está interessado na profissão, e sim na teoria. 

Ele usa seus conhecimentos para tornar mais pessoal seu "trabalho": ele ganha a vida como streamer, fazendo lives de videogame, atualmente um de pokemon. 

Quem quiser entrar em sua live, todos os dias depois das 13h. Quem, como eu, não sabe nem entende - nem se interessa - sobre o assunto, pode passar o link para a garotada próxima. Vai que eles curtam?

Na foto, o Gustavo. Abaixo, o link.














domingo, 20 de abril de 2025

UMA HISTÓRIA DE PÁSCOA

 



Aos 95 anos, minha mãe comandou mais um almoço de Páscoa. Todas as providências tomadas, ovinhos de chocolate escondidos no jardim, os filhos, genros, noras, netos e bisnetos enchendo a casa, ela apareceu por uns breves momentos, festejou e foi festejada, em seguida voltou para seu quarto, pois se a cabeça permanecia vívida como sempre, o corpo já não ajudava.

Às 3h30 da madrugada seguinte, o telefone me acorda (em 2008 ele ainda era fixo): “É melhor você vir, a ambulância está aqui, eles vão levá-la para o hospital”.

Ah, isso é que não vão mesmo! Em 5 minutos cheguei lá e os enfermeiros já desciam as escadas com ela na maca, tentando arrancar fora o cateter de oxigênio. “Pode voltar agora e colocar ela de volta na cama, que ela quer morrer em casa!”

Esse negócio de ser médico dá base a uma autoridade muito funcional. O colega da ambulância me apertou as mãos, solidário, como a dizer, “se fosse minha mãe, eu faria o mesmo”.

Já na cama, ela disse, 
“Ah, que bom estar de volta ao meu cantinho! Mas, meu filho, afinal, qual é a minha doença?”
“É coração fraco, mãe”.
“Ahn… e as crianças, acharam os ovinhos?”
“Acharam sim”.

Murmurou alguma satisfação, e morreu. No comando de sua vida até o último minuto…







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domingo, 6 de abril de 2025

VÍCIOS COMPORTAMENTAIS

 


Vício comportamental não sexual: domínio-submissão

Sintomas

1. Compulsão para ocupar um dos papéis, dominante ou submisso, em todas as situações.
2. Existe em relacionamentos afetivos ou profissionais.
3. Sempre é mais evidente em um dos polos, o dominante ou o submisso.
4. Sempre é mais sutil no polo oposto, p.ex., o tirano no trabalho é vassalo em casa.
5. É um dos jeitos de as neuroses de transferência se manifestarem.
6. É um jeito de pensar o mundo (dividido em dominadores e submissos).
7. É uma das manifestações mais comuns do narcisismo.
8. É uma das faces mais cruéis das religiões tirânicas (fiéis e infiéis; “morte aos infiéis”).
9. É face cruel de fanatismo político (“nós contra eles” / polarização extremada).
10. É a maneira principal de como o Superego lida conosco (obediente ou rebelde).
11. Costuma vir junto com o sadomasoquismo básico, fodão-merda e o vício winner loser (vencedor-perdedor). Um ou mais, dos três.

Regras para diagnóstico

1. As mesmas dos genéricos.
2. Item 1 com o 2 dá 100% de diagnóstico.
3. Outros itens dão peculiaridades e graus de gravidade.

Perguntas

1. As mesmas dos genéricos.
2. Histórico familiar de domínio-submissão abusiva.
3. Estaria repassando o abuso (dominador)?
4. Estaria revivendo o abuso (submisso)?
5. Histórico familiar de ter sido mimado (leva mais frequentemente à predominância do domínio).
6. Histórico familiar de ter sido mimado por um e dominado pelo outro, principalmente em pais separados.
7. Existe neurose de transferência envolvida?
8. Existe sadomasoquismo básico envolvido (crueldade ou vitimismo)?
9. Existe fodão-merda ou winner loser envolvidos?
10. Existe fé religiosa / fanatismo religioso envolvidos?
11. Existe fé política / fanatismo político envolvidos?
12. Existe polarização política extremada?

Vicio comportamental não sexual: sadomasoquismo básico

Sintomas

1. Os mesmos dos genéricos.
2. Predominância de um dos papéis com sutileza do outro (a vítima masoquista se vinga sadicamente de maneira terceirizada: mostrando ao mundo a monstruosidade do algoz).
3. Crueldade moral ou física, imposta ou sofrida, ou ambas.
4. Prazer em maltratar, em machucar, em ferir, em esculachar, em diminuir o outro.
5. Vitimismo (a “nobreza do martírio”, a superioridade moral do sofredor).
6. Cultivo do drama como razão para o maltrato;
7. Cultivo do drama por sua condição de vítima, para mostrar ao mundo a crueldade de seu algoz.
8. Cultivo do sentimento de culpa para a busca de penitências sofridas.
9. Costuma fazer parte das neuroses de transferência.
10. Costuma se acompanhar de outras modalidades parentes (domínio submissão; fodão merda; winner loser)

Regras para diagnóstico

1. As mesmas dos genéricos.
2. Os itens 1, 2 e 3 dão 100% do diagnóstico.
3. Outros itens dão gravidade e características.

Perguntas

1. As mesmas dos genéricos.
2. Existe neurose de transferência envolvida?
3. Existem domínio-submissão, fodão-merda e/ou winner-loser junto?
4. Pesquisar história familiar desses vícios.







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O AMIGO PERGUNTA SOBRE O ESTRANHAMENTO E A PSICANÁLISE

 


“Você diz que a psicanálise, assim como a ciência, tem o estranhamento como motivação. Pode me explicar?”

Francisco Daudt: O estranhamento é o incômodo que motiva um dos nossos três desejos básicos, a vontade de entender (os outros dois são o desejo de prazer e o desejo de justiça, motivados pelo apetite/tesão e pela indignação/raiva, seus incômodos respectivos). Os três servem ao nosso DNA: sobrevivência pessoal e a da espécie.

O estranhamento é uma sofisticação de um de nossos medos básicos: o medo ao que não nos é familiar, o medo ao estranho. Um bebê, quando nos estranha, começa a chorar de medo: “ele está me estranhando”, diz-se. Se você vê um estranho à noite numa rua deserta, ele será uma ameaça até prova em contrário, até você torná-lo em algo familiar. Esse é um preconceito que salva vidas.

O mesmo se passa com fenômenos estranhos da natureza: buscar entender o que nos diz o clima, as nuvens, o vento, nos leva a tomar atitudes de proteção que podem salvar nossas vidas. É isso que está na base da busca de explicações. De início, inventadas: “os deuses estão furiosos, precisamos acalmá-los”. Depois do Iluminismo, pesquisadas: “eu ainda não sei, mas quero saber”: foi o nascer da ciência.

O mesmo se passou com Freud e sua invenção científica, a psicanálise: a paralisia da histérica causava estranhamento. Ele pesquisou (de início, via hipnose) e conseguiu uma compreensão: havia uma substituição acontecendo nela sem que ela tivesse consciência disso. Saía o horror de se ver com desejo sexual, entrava o problema mais controlável de se ver com a mão paralisada.

Então foi o estranhamento que levou à compreensão de um inconsciente operando em nós, de um Superego impondo leis contra o desejo sexual, de uma doença (a neurose) que continha esses elementos combinados de forma… estranha: assim nasceu a psicanálise.







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PABLO ORTELLADO E “ADOLESCÊNCIA”

 



Os artigos do Pablo Ortellado no Globo têm sido de grande ajuda para eu pensar melhor. Ele argumenta com serenidade e lógica transparente. Ele convence.

Duas ferramentas conceituais que adquiri com ele e que são muito úteis para avaliação da realidade são o “viés de disponibilidade” e o “pânico moral”.

O viés de disponibilidade é um comportamento que leva as pessoas a dar mais importância a informações e lembranças que estão mais disponíveis. É também conhecido como heurística da disponibilidade.

É mais ou menos o que nos conduz a achar do mundo através do que vemos nas mídias ou nas redes sociais: o que nos está disponível. Ora, boa notícia não é notícia (“no News? good News!”). Isso nos leva a pensar que “esse mundo tá perdido”, “vivemos à beira do abismo” etc.

Já o pânico moral, ele o comentou a partir da ultra-comentada série “Adolescência”, aquela que não vi nem vou ver, justamente para não ser afetado pelo pânico moral.

Nas palavras de Pablo, “pânico moral é uma reação desproporcional a grupos sociais percebidos como ameaças graves aos valores e à ordem de uma sociedade”. Foi o que ele detectou na série “Adolescência”: um episódio (fictício, mas considerado ilustrativo de uma realidade social) é visto como grave ameaça aos valores de igualdade entre homens e mulheres.

Aí entra o viés de disponibilidade (bad news) para amplificar o medo, o ódio do algoritmo das tretas nas redes sociais, a dar a impressão de que estamos cercados de “demônios do povo”, os adolescentes misóginos esperando vez para cometer feminicídios.

Como disse Umberto Eco: “o amor é restritivo, mas o ódio não, o ódio é generoso, ele une multidões!”







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terça-feira, 1 de abril de 2025

O AMIGO PERGUNTA SOBRE O SUPEREGO DOS MIMADOS

 


O AMIGO PERGUNTA SOBRE O SUPEREGO DOS MIMADOS

“Os mimados desenvolvem um Superego? Como seria isso, se eles nunca são ameaçados de desamparo?”

Francisco Daudt: Primeiramente vamos considerar os tipos de mimo:

1. Mimo do “amor absoluto”: pais que confundem autoridade com autoritarismo, estabelecimento de limites com opressão;

que temem a simples possibilidade de seus filhos os verem como “maus”; que culparam seus pais por todos os seus problemas (e temem que no futuro seus filhos façam o mesmo com eles);

que reprimem as irritações que seus filhos lhes causam, e reagem exageradamente com manifestações “amorosas” a cada vez que se irritam com eles;

que obedecem ao senso comum de ter que dizer “eu te amo” para os filhos várias vezes por dia;

que nunca contrariam seus pedidos.

Como é o Superego gerado, nesses casos? É um cruel Superego terceirizado: seus pais, por submissão e medo dela, a tornaram num pequeno tirano: eles a puseram na posição de Superego deles. Eles a induziram a um vício sadomasoquista de domínio/submissão em que ela é o dominador e eles as vítimas.

Ao mesmo tempo vai se construindo o “Superego bomba-relógio”: a criança vai descobrindo que o mundo é duro (infinitamente mais duro para ela, por contraste com sua casa), vai caindo na real sobre seu despreparo para negociar fora de casa, onde as pessoas não se comportam como seus pais.

A criança se vê incapacitada para qualquer tipo de construção (aquilo que lhes daria autonomia e independência).

O drama frente a qualquer dificuldade é sempre enorme. A possibilidade de ela desenvolver vício em substância “para aliviar esse duro” será enorme: a substância mais comum será a maconha.

2. Mimo do descarte: pais que aceitam qualquer coisa dos filhos para se verem livres deles o mais rápido possível, para que voltem aos seus reais interesses. Não querem ir ao colégio? Tudo bem. Querem passar o dia no celular? Melhor ainda.

Muito comum em filhos de casais separados, que vivem dois regimes de governança, um permissivo e o outro cobrador.

Como o Superego é gerado, nesses casos? O lado cobrador acaba representando o “mundo sério e duro” (a construção vista com horror), o mundo do Superego. O lado permissivo forma sua defesa viciante, o “mundo do dane-se” (o imediatismo que abre para outros vícios de prazer instantâneo - maconha continua como o mais comum - tornando a construção mais difícil ainda).

Ou seja, o Superego do mimado é um monstro poderoso que amedronta e pede (ou impõe) o alívio dos vícios.







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O AMIGO PERGUNTA SOBRE DIAGNÓSTICO DE VÍCIOS

 



O AMIGO PERGUNTA SOBRE DIAGNÓSTICO DE VÍCIOS

“Como eu posso saber se sofro de vícios? O que diferencia um gosto de um vício?”

Francisco Daudt: Aqui vão alguns critérios para diagnóstico dos vícios, de forma genérica, não importa se em substâncias ou comportamentais:

Vícios (genérico)

Sintomas

1. Ação compulsiva e repetitiva de aparente vontade própria, mas que causa dano.

2. Alívio das “durezas da vida”; consolo; ilusão de poder.

3. Longo tempo de duração (às vezes desde a infância / adolescência).

4. Grande aluguel (ocupa muito os pensamentos e o tempo da pessoa).

5. Imediatismo (predomínio da satisfação rápida e inibição/ intolerância às construções/ reflexões).

6. Fissura (desconforto por abstinência).

7. Negação de ver como uma doença ; ilusão de que é fruto de sua “escolha”.


Regras para diagnóstico

1. O item 1 dá 100% de diagnóstico. Os demais só dão a dimensão de gravidade.


Perguntas

1. Existe história familiar de vícios?

2. Como começou? Quais foram as circunstâncias duras da época? Fazia parte do grupo de amparo?

3. O que exatamente o vício consola? Quais as “durezas da vida”?

4. O vício em substâncias se acompanha de vícios comportamentais?

5. Vice-versa?






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O AMIGO PERGUNTA SOBRE A LOUCURA

 



O AMIGO PERGUNTA SOBRE A LOUCURA

“O que acontece com os malucos? Como entender as psicoses?”

Francisco Daudt: As psicoses sugerem um mecanismo de defesa extremo, detonado por um trauma atual que desorganiza totalmente a psique, e a reorganiza de forma bizarra: o delírio (concepção do mundo sem ligação com a realidade) é a explicação encontrada para aquela sobrecarga de sistema que o fez se desmontar. Ele é sempre grandioso (“existe uma organização mundial que me persegue”), o que dá a dimensão da gravidade do trauma.

Outra marca dessa gravidade são as alucinações: experiências dos sentidos (audição e visão, principalmente) sem estímulo externo, somente através dos estímulos de arquivos de memória do psicótico. Assim como nos sonhos, a pessoa vê o que não está lá, e ouve o que não produziu ruído.

Nas alucinações auditivas está a única pista para se fazer uma hipótese de qual área do Superego foi acionada: é de regra que os psicóticos de esquizofrenia paranoide ouçam acusações de homossexualidade, que suas alucinações os chamem de viados.

O que faria supor que tivessem um percentual homoerótico em seus desejos, causando um conflito descomunal.

A conferir (ou a refutar).






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OLHANDO O LUCRO

 


Todos os dias o pai deixava o remédio pronto na cabeceira do filho adormecido, e abria um pouco a janela para a luz entrar. Era seu jeito de ajudar o filho a acordar bem.

Um dia ele se esqueceu. Quando mais tarde eles se encontraram, o filho lhe disse: “Poxa, pai, quando vi que o remédio não estava lá, eu me dei conta do quanto é bacana você me ajudar todos os dias!”

O pai quase chorou de emoção: ele costumava comentar com o filho as coisas legais que vivem…






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LUTO PATOLÓGICO



Sintomas

1. Luto grave (perda pessoal ou profissional - de ligações afetivas, de gente morta ou viva/rompimentos)
2. Luto grave prolongado (mais de seis meses sem diminuir)

3. Sintomas depressivos

4. Pensamentos suicidas

5. Luto com forte sentimento de culpa

6. Vícios de substâncias e sadomasoquista com predomínio masoquista

7. Sintomas obsessivos

8. Alegria causando culpa (falta de direito à alegria)

9. Apego ao sofrimento como forma de punição pela culpa

Regras para diagnóstico

1. Os itens 1 e 2 dão 100% do diagnóstico

2. Os demais itens dão dimensão da gravidade, se somados aos 1 e 2

Perguntas

1. De que tipo de perda se trata? (Profissional, status, gente viva, morta)

2. Qual a dimensão da perda? (Grau de desamparo)

3. Qual a complexidade da perda? De que elementos ela se compõe?

4. Sentimento de culpa envolvido?

5. Que consolos estão sendo usados? (Vícios, masoquismo etc.)

6. Que consolos estão sendo rejeitados? (Obrigação moral de sofrer)

7. No caso de pensamentos suicidas, de que gravidade?







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sábado, 22 de março de 2025

A ECONOMIA DO LUTO

 


“Eu me separei da minha namorada que me enchia o saco, mas ando meio triste, pensando muito nela. O que se passa?”

Francisco Daudt: Existe uma base econômica para qualquer dos nossos atos: todos passam por uma avaliação de custo-benefício e são feitos quando se reúnem motivação, meios e oportunidade. 

Você rompeu movido pelos custos, pois sua balança interna - consciente ou não - de custos-benefícios pendeu para o peso dos custos. Os custos (psíquicos e outros) cessaram, mas… os benefícios também. O luto é sempre pela perda dos benefícios.

Por comparação, o cliente que perdeu sua mãe depois de 15 anos de Alzheimer me disse que não sentiu luto nenhum. Pudera, os benefícios já tinham se perdido ao longo daquele tempo, o luto foi em pequenas prestações, e só ficaram os custos. Ninguém tem luto por custos cessantes.





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CSI E PSICANÁLISE

 


“Você diz que gosta dos CSI (investigação da cena do crime) porque eles são parecidos com a boa psicanálise. Como assim?”

Francisco Daudt: Tanto neles como na psicanálise, tudo começa com um enigma complexo. A investigação, lá e cá, é um trabalho de engenharia reversa com tentação de respostas rápidas a ser evitada. 

O engraçado é que eles têm personagens toscos (o policial careca Rex Linn) que sempre saltam para se agarrar em conclusões (“jump to conclusions”) rasas, enquanto a turma científica reúne fragmentos que sirvam de pistas, e nunca “fecham o caso” enquanto não descobrem bases consistentes para suas hipóteses.

Essas bases vêm de diversas fontes: da balística (minha adorável Emily Procter), da legista (mais querida ainda Khandi Alexander), do laboratório (Eva LaRue), do pessoal da cena (Adam Rodriguez e Jonathan Togo), todos levando seus achados para o analista principal David Caruso, que liga as provas e apresenta suas dúvidas até se dar por satisfeito.

Esse trabalho de levantar hipóteses a partir dos achados, e deixá-las vulneráveis à refutação e ao descarte diante de novas evidências é a cara do método científico de Karl Popper, meu farol-guia da investigação psicanalítica. 

Raciocinar junto tendo a razão iluminista como bússola é o meu barato, no CSI e no consultório.





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O AMIGO PERGUNTA SOBRE PSICOPATAS


“Já ouvi você dizer que se o psicopata não tivesse Superego ele podia se dedicar a polir maçanetas, por exemplo. Me explica a psicopatia então?”

Francisco Daudt: A psicopatia é outra doença que a psicanálise não alcança. Suas características (falta de empatia; manipulação; ausência de culpa ou remorso; comportamento impulsivo sem medir consequências; charme superficial; desrespeito por normas sociais) sugerem que ela funcionaria como o mais alto grau de narcisismo.

É senso comum dizer que o psicopata não tem Superego, mas não entendo assim. Ao contrário: já disse que o narcisismo traz consigo um Superego especialmente cruel, que impele a uma constante defesa de suas acusações desqualificantes da pessoa (“você é mesmo um merda”). 

Imagine-se isso num psicopata! Se o psicopata não tivesse Superego, ele poderia se dedicar a outras coisas na vida, em vez de ter que desafiá-lo o tempo todo.




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terça-feira, 4 de março de 2025

“COM UM TIRANO NA CABEÇA” - A PSICANÁLISE DO SUPEREGO E SUA HISTÓRIA

 


Mas por que o mal-estar com o pai seria traumático? É óbvio, está diante de nossos olhos, mas como é tão comum e básico, nós não vemos: concentração de poder, e de poder de amparo. 

Nossa espécie nasce tão necessitada de amparo, que pagamos qualquer preço para tê-lo. Se alguém tem o monopólio do nosso amparo (como na paixão, p.ex.), esse alguém adquire um poder sem igual sobre nós: vamos querer agradá-lo, vamos fazer qualquer coisa para que ele não nos abandone, não nos desampare, acima de tudo vamos temê-lo. 

É dai que vem a expressão “temor a Deus”: ele concertava todo o amparo. É só lembrar o que ele fez com Adão e Eva: desobedeceram? Desamparados para sempre…

Essa concentração de poder tem a ver com a política: no governo tirânico, só há um poderoso, e todos o temem. Na democracia, os poderes são três, eles conversam entre si e vigiam para que ninguém se torne monopolista, inibem candidatos a tirano: os direitos são iguais.

(Do meu livro em andamento).






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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

A MELHOR CONTRIBUIÇÃO DA FERNANDA TORRES AO BRASIL…

 


A MELHOR CONTRIBUIÇÃO DA FERNANDA TORRES AO BRASIL…

…é sua capacidade de autogozação. A leveza com que ela ri de si mesma influencia nosso senso comum a valorizar o não levar-se a sério.

Ela pode ganhar o Oscar por um drama, mas já ganhou meu coração por fazer um lindo marketing do “tirar drama” em cada aparição pública que nos faz sorrir. 

Ela abranda o Superego nacional!






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