domingo, 20 de abril de 2025

UMA HISTÓRIA DE PÁSCOA

 



Aos 95 anos, minha mãe comandou mais um almoço de Páscoa. Todas as providências tomadas, ovinhos de chocolate escondidos no jardim, os filhos, genros, noras, netos e bisnetos enchendo a casa, ela apareceu por uns breves momentos, festejou e foi festejada, em seguida voltou para seu quarto, pois se a cabeça permanecia vívida como sempre, o corpo já não ajudava.

Às 3h30 da madrugada seguinte, o telefone me acorda (em 2008 ele ainda era fixo): “É melhor você vir, a ambulância está aqui, eles vão levá-la para o hospital”.

Ah, isso é que não vão mesmo! Em 5 minutos cheguei lá e os enfermeiros já desciam as escadas com ela na maca, tentando arrancar fora o cateter de oxigênio. “Pode voltar agora e colocar ela de volta na cama, que ela quer morrer em casa!”

Esse negócio de ser médico dá base a uma autoridade muito funcional. O colega da ambulância me apertou as mãos, solidário, como a dizer, “se fosse minha mãe, eu faria o mesmo”.

Já na cama, ela disse, 
“Ah, que bom estar de volta ao meu cantinho! Mas, meu filho, afinal, qual é a minha doença?”
“É coração fraco, mãe”.
“Ahn… e as crianças, acharam os ovinhos?”
“Acharam sim”.

Murmurou alguma satisfação, e morreu. No comando de sua vida até o último minuto…







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domingo, 6 de abril de 2025

VÍCIOS COMPORTAMENTAIS

 


Vício comportamental não sexual: domínio-submissão

Sintomas

1. Compulsão para ocupar um dos papéis, dominante ou submisso, em todas as situações.
2. Existe em relacionamentos afetivos ou profissionais.
3. Sempre é mais evidente em um dos polos, o dominante ou o submisso.
4. Sempre é mais sutil no polo oposto, p.ex., o tirano no trabalho é vassalo em casa.
5. É um dos jeitos de as neuroses de transferência se manifestarem.
6. É um jeito de pensar o mundo (dividido em dominadores e submissos).
7. É uma das manifestações mais comuns do narcisismo.
8. É uma das faces mais cruéis das religiões tirânicas (fiéis e infiéis; “morte aos infiéis”).
9. É face cruel de fanatismo político (“nós contra eles” / polarização extremada).
10. É a maneira principal de como o Superego lida conosco (obediente ou rebelde).
11. Costuma vir junto com o sadomasoquismo básico, fodão-merda e o vício winner loser (vencedor-perdedor). Um ou mais, dos três.

Regras para diagnóstico

1. As mesmas dos genéricos.
2. Item 1 com o 2 dá 100% de diagnóstico.
3. Outros itens dão peculiaridades e graus de gravidade.

Perguntas

1. As mesmas dos genéricos.
2. Histórico familiar de domínio-submissão abusiva.
3. Estaria repassando o abuso (dominador)?
4. Estaria revivendo o abuso (submisso)?
5. Histórico familiar de ter sido mimado (leva mais frequentemente à predominância do domínio).
6. Histórico familiar de ter sido mimado por um e dominado pelo outro, principalmente em pais separados.
7. Existe neurose de transferência envolvida?
8. Existe sadomasoquismo básico envolvido (crueldade ou vitimismo)?
9. Existe fodão-merda ou winner loser envolvidos?
10. Existe fé religiosa / fanatismo religioso envolvidos?
11. Existe fé política / fanatismo político envolvidos?
12. Existe polarização política extremada?

Vicio comportamental não sexual: sadomasoquismo básico

Sintomas

1. Os mesmos dos genéricos.
2. Predominância de um dos papéis com sutileza do outro (a vítima masoquista se vinga sadicamente de maneira terceirizada: mostrando ao mundo a monstruosidade do algoz).
3. Crueldade moral ou física, imposta ou sofrida, ou ambas.
4. Prazer em maltratar, em machucar, em ferir, em esculachar, em diminuir o outro.
5. Vitimismo (a “nobreza do martírio”, a superioridade moral do sofredor).
6. Cultivo do drama como razão para o maltrato;
7. Cultivo do drama por sua condição de vítima, para mostrar ao mundo a crueldade de seu algoz.
8. Cultivo do sentimento de culpa para a busca de penitências sofridas.
9. Costuma fazer parte das neuroses de transferência.
10. Costuma se acompanhar de outras modalidades parentes (domínio submissão; fodão merda; winner loser)

Regras para diagnóstico

1. As mesmas dos genéricos.
2. Os itens 1, 2 e 3 dão 100% do diagnóstico.
3. Outros itens dão gravidade e características.

Perguntas

1. As mesmas dos genéricos.
2. Existe neurose de transferência envolvida?
3. Existem domínio-submissão, fodão-merda e/ou winner-loser junto?
4. Pesquisar história familiar desses vícios.







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O AMIGO PERGUNTA SOBRE O ESTRANHAMENTO E A PSICANÁLISE

 


“Você diz que a psicanálise, assim como a ciência, tem o estranhamento como motivação. Pode me explicar?”

Francisco Daudt: O estranhamento é o incômodo que motiva um dos nossos três desejos básicos, a vontade de entender (os outros dois são o desejo de prazer e o desejo de justiça, motivados pelo apetite/tesão e pela indignação/raiva, seus incômodos respectivos). Os três servem ao nosso DNA: sobrevivência pessoal e a da espécie.

O estranhamento é uma sofisticação de um de nossos medos básicos: o medo ao que não nos é familiar, o medo ao estranho. Um bebê, quando nos estranha, começa a chorar de medo: “ele está me estranhando”, diz-se. Se você vê um estranho à noite numa rua deserta, ele será uma ameaça até prova em contrário, até você torná-lo em algo familiar. Esse é um preconceito que salva vidas.

O mesmo se passa com fenômenos estranhos da natureza: buscar entender o que nos diz o clima, as nuvens, o vento, nos leva a tomar atitudes de proteção que podem salvar nossas vidas. É isso que está na base da busca de explicações. De início, inventadas: “os deuses estão furiosos, precisamos acalmá-los”. Depois do Iluminismo, pesquisadas: “eu ainda não sei, mas quero saber”: foi o nascer da ciência.

O mesmo se passou com Freud e sua invenção científica, a psicanálise: a paralisia da histérica causava estranhamento. Ele pesquisou (de início, via hipnose) e conseguiu uma compreensão: havia uma substituição acontecendo nela sem que ela tivesse consciência disso. Saía o horror de se ver com desejo sexual, entrava o problema mais controlável de se ver com a mão paralisada.

Então foi o estranhamento que levou à compreensão de um inconsciente operando em nós, de um Superego impondo leis contra o desejo sexual, de uma doença (a neurose) que continha esses elementos combinados de forma… estranha: assim nasceu a psicanálise.







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PABLO ORTELLADO E “ADOLESCÊNCIA”

 



Os artigos do Pablo Ortellado no Globo têm sido de grande ajuda para eu pensar melhor. Ele argumenta com serenidade e lógica transparente. Ele convence.

Duas ferramentas conceituais que adquiri com ele e que são muito úteis para avaliação da realidade são o “viés de disponibilidade” e o “pânico moral”.

O viés de disponibilidade é um comportamento que leva as pessoas a dar mais importância a informações e lembranças que estão mais disponíveis. É também conhecido como heurística da disponibilidade.

É mais ou menos o que nos conduz a achar do mundo através do que vemos nas mídias ou nas redes sociais: o que nos está disponível. Ora, boa notícia não é notícia (“no News? good News!”). Isso nos leva a pensar que “esse mundo tá perdido”, “vivemos à beira do abismo” etc.

Já o pânico moral, ele o comentou a partir da ultra-comentada série “Adolescência”, aquela que não vi nem vou ver, justamente para não ser afetado pelo pânico moral.

Nas palavras de Pablo, “pânico moral é uma reação desproporcional a grupos sociais percebidos como ameaças graves aos valores e à ordem de uma sociedade”. Foi o que ele detectou na série “Adolescência”: um episódio (fictício, mas considerado ilustrativo de uma realidade social) é visto como grave ameaça aos valores de igualdade entre homens e mulheres.

Aí entra o viés de disponibilidade (bad news) para amplificar o medo, o ódio do algoritmo das tretas nas redes sociais, a dar a impressão de que estamos cercados de “demônios do povo”, os adolescentes misóginos esperando vez para cometer feminicídios.

Como disse Umberto Eco: “o amor é restritivo, mas o ódio não, o ódio é generoso, ele une multidões!”







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terça-feira, 1 de abril de 2025

O AMIGO PERGUNTA SOBRE O SUPEREGO DOS MIMADOS

 


O AMIGO PERGUNTA SOBRE O SUPEREGO DOS MIMADOS

“Os mimados desenvolvem um Superego? Como seria isso, se eles nunca são ameaçados de desamparo?”

Francisco Daudt: Primeiramente vamos considerar os tipos de mimo:

1. Mimo do “amor absoluto”: pais que confundem autoridade com autoritarismo, estabelecimento de limites com opressão;

que temem a simples possibilidade de seus filhos os verem como “maus”; que culparam seus pais por todos os seus problemas (e temem que no futuro seus filhos façam o mesmo com eles);

que reprimem as irritações que seus filhos lhes causam, e reagem exageradamente com manifestações “amorosas” a cada vez que se irritam com eles;

que obedecem ao senso comum de ter que dizer “eu te amo” para os filhos várias vezes por dia;

que nunca contrariam seus pedidos.

Como é o Superego gerado, nesses casos? É um cruel Superego terceirizado: seus pais, por submissão e medo dela, a tornaram num pequeno tirano: eles a puseram na posição de Superego deles. Eles a induziram a um vício sadomasoquista de domínio/submissão em que ela é o dominador e eles as vítimas.

Ao mesmo tempo vai se construindo o “Superego bomba-relógio”: a criança vai descobrindo que o mundo é duro (infinitamente mais duro para ela, por contraste com sua casa), vai caindo na real sobre seu despreparo para negociar fora de casa, onde as pessoas não se comportam como seus pais.

A criança se vê incapacitada para qualquer tipo de construção (aquilo que lhes daria autonomia e independência).

O drama frente a qualquer dificuldade é sempre enorme. A possibilidade de ela desenvolver vício em substância “para aliviar esse duro” será enorme: a substância mais comum será a maconha.

2. Mimo do descarte: pais que aceitam qualquer coisa dos filhos para se verem livres deles o mais rápido possível, para que voltem aos seus reais interesses. Não querem ir ao colégio? Tudo bem. Querem passar o dia no celular? Melhor ainda.

Muito comum em filhos de casais separados, que vivem dois regimes de governança, um permissivo e o outro cobrador.

Como o Superego é gerado, nesses casos? O lado cobrador acaba representando o “mundo sério e duro” (a construção vista com horror), o mundo do Superego. O lado permissivo forma sua defesa viciante, o “mundo do dane-se” (o imediatismo que abre para outros vícios de prazer instantâneo - maconha continua como o mais comum - tornando a construção mais difícil ainda).

Ou seja, o Superego do mimado é um monstro poderoso que amedronta e pede (ou impõe) o alívio dos vícios.







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O AMIGO PERGUNTA SOBRE DIAGNÓSTICO DE VÍCIOS

 



O AMIGO PERGUNTA SOBRE DIAGNÓSTICO DE VÍCIOS

“Como eu posso saber se sofro de vícios? O que diferencia um gosto de um vício?”

Francisco Daudt: Aqui vão alguns critérios para diagnóstico dos vícios, de forma genérica, não importa se em substâncias ou comportamentais:

Vícios (genérico)

Sintomas

1. Ação compulsiva e repetitiva de aparente vontade própria, mas que causa dano.

2. Alívio das “durezas da vida”; consolo; ilusão de poder.

3. Longo tempo de duração (às vezes desde a infância / adolescência).

4. Grande aluguel (ocupa muito os pensamentos e o tempo da pessoa).

5. Imediatismo (predomínio da satisfação rápida e inibição/ intolerância às construções/ reflexões).

6. Fissura (desconforto por abstinência).

7. Negação de ver como uma doença ; ilusão de que é fruto de sua “escolha”.


Regras para diagnóstico

1. O item 1 dá 100% de diagnóstico. Os demais só dão a dimensão de gravidade.


Perguntas

1. Existe história familiar de vícios?

2. Como começou? Quais foram as circunstâncias duras da época? Fazia parte do grupo de amparo?

3. O que exatamente o vício consola? Quais as “durezas da vida”?

4. O vício em substâncias se acompanha de vícios comportamentais?

5. Vice-versa?






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O AMIGO PERGUNTA SOBRE A LOUCURA

 



O AMIGO PERGUNTA SOBRE A LOUCURA

“O que acontece com os malucos? Como entender as psicoses?”

Francisco Daudt: As psicoses sugerem um mecanismo de defesa extremo, detonado por um trauma atual que desorganiza totalmente a psique, e a reorganiza de forma bizarra: o delírio (concepção do mundo sem ligação com a realidade) é a explicação encontrada para aquela sobrecarga de sistema que o fez se desmontar. Ele é sempre grandioso (“existe uma organização mundial que me persegue”), o que dá a dimensão da gravidade do trauma.

Outra marca dessa gravidade são as alucinações: experiências dos sentidos (audição e visão, principalmente) sem estímulo externo, somente através dos estímulos de arquivos de memória do psicótico. Assim como nos sonhos, a pessoa vê o que não está lá, e ouve o que não produziu ruído.

Nas alucinações auditivas está a única pista para se fazer uma hipótese de qual área do Superego foi acionada: é de regra que os psicóticos de esquizofrenia paranoide ouçam acusações de homossexualidade, que suas alucinações os chamem de viados.

O que faria supor que tivessem um percentual homoerótico em seus desejos, causando um conflito descomunal.

A conferir (ou a refutar).






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OLHANDO O LUCRO

 


Todos os dias o pai deixava o remédio pronto na cabeceira do filho adormecido, e abria um pouco a janela para a luz entrar. Era seu jeito de ajudar o filho a acordar bem.

Um dia ele se esqueceu. Quando mais tarde eles se encontraram, o filho lhe disse: “Poxa, pai, quando vi que o remédio não estava lá, eu me dei conta do quanto é bacana você me ajudar todos os dias!”

O pai quase chorou de emoção: ele costumava comentar com o filho as coisas legais que vivem…






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LUTO PATOLÓGICO



Sintomas

1. Luto grave (perda pessoal ou profissional - de ligações afetivas, de gente morta ou viva/rompimentos)
2. Luto grave prolongado (mais de seis meses sem diminuir)

3. Sintomas depressivos

4. Pensamentos suicidas

5. Luto com forte sentimento de culpa

6. Vícios de substâncias e sadomasoquista com predomínio masoquista

7. Sintomas obsessivos

8. Alegria causando culpa (falta de direito à alegria)

9. Apego ao sofrimento como forma de punição pela culpa

Regras para diagnóstico

1. Os itens 1 e 2 dão 100% do diagnóstico

2. Os demais itens dão dimensão da gravidade, se somados aos 1 e 2

Perguntas

1. De que tipo de perda se trata? (Profissional, status, gente viva, morta)

2. Qual a dimensão da perda? (Grau de desamparo)

3. Qual a complexidade da perda? De que elementos ela se compõe?

4. Sentimento de culpa envolvido?

5. Que consolos estão sendo usados? (Vícios, masoquismo etc.)

6. Que consolos estão sendo rejeitados? (Obrigação moral de sofrer)

7. No caso de pensamentos suicidas, de que gravidade?







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sábado, 22 de março de 2025

A ECONOMIA DO LUTO

 


“Eu me separei da minha namorada que me enchia o saco, mas ando meio triste, pensando muito nela. O que se passa?”

Francisco Daudt: Existe uma base econômica para qualquer dos nossos atos: todos passam por uma avaliação de custo-benefício e são feitos quando se reúnem motivação, meios e oportunidade. 

Você rompeu movido pelos custos, pois sua balança interna - consciente ou não - de custos-benefícios pendeu para o peso dos custos. Os custos (psíquicos e outros) cessaram, mas… os benefícios também. O luto é sempre pela perda dos benefícios.

Por comparação, o cliente que perdeu sua mãe depois de 15 anos de Alzheimer me disse que não sentiu luto nenhum. Pudera, os benefícios já tinham se perdido ao longo daquele tempo, o luto foi em pequenas prestações, e só ficaram os custos. Ninguém tem luto por custos cessantes.





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CSI E PSICANÁLISE

 


“Você diz que gosta dos CSI (investigação da cena do crime) porque eles são parecidos com a boa psicanálise. Como assim?”

Francisco Daudt: Tanto neles como na psicanálise, tudo começa com um enigma complexo. A investigação, lá e cá, é um trabalho de engenharia reversa com tentação de respostas rápidas a ser evitada. 

O engraçado é que eles têm personagens toscos (o policial careca Rex Linn) que sempre saltam para se agarrar em conclusões (“jump to conclusions”) rasas, enquanto a turma científica reúne fragmentos que sirvam de pistas, e nunca “fecham o caso” enquanto não descobrem bases consistentes para suas hipóteses.

Essas bases vêm de diversas fontes: da balística (minha adorável Emily Procter), da legista (mais querida ainda Khandi Alexander), do laboratório (Eva LaRue), do pessoal da cena (Adam Rodriguez e Jonathan Togo), todos levando seus achados para o analista principal David Caruso, que liga as provas e apresenta suas dúvidas até se dar por satisfeito.

Esse trabalho de levantar hipóteses a partir dos achados, e deixá-las vulneráveis à refutação e ao descarte diante de novas evidências é a cara do método científico de Karl Popper, meu farol-guia da investigação psicanalítica. 

Raciocinar junto tendo a razão iluminista como bússola é o meu barato, no CSI e no consultório.





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O AMIGO PERGUNTA SOBRE PSICOPATAS


“Já ouvi você dizer que se o psicopata não tivesse Superego ele podia se dedicar a polir maçanetas, por exemplo. Me explica a psicopatia então?”

Francisco Daudt: A psicopatia é outra doença que a psicanálise não alcança. Suas características (falta de empatia; manipulação; ausência de culpa ou remorso; comportamento impulsivo sem medir consequências; charme superficial; desrespeito por normas sociais) sugerem que ela funcionaria como o mais alto grau de narcisismo.

É senso comum dizer que o psicopata não tem Superego, mas não entendo assim. Ao contrário: já disse que o narcisismo traz consigo um Superego especialmente cruel, que impele a uma constante defesa de suas acusações desqualificantes da pessoa (“você é mesmo um merda”). 

Imagine-se isso num psicopata! Se o psicopata não tivesse Superego, ele poderia se dedicar a outras coisas na vida, em vez de ter que desafiá-lo o tempo todo.




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terça-feira, 4 de março de 2025

“COM UM TIRANO NA CABEÇA” - A PSICANÁLISE DO SUPEREGO E SUA HISTÓRIA

 


Mas por que o mal-estar com o pai seria traumático? É óbvio, está diante de nossos olhos, mas como é tão comum e básico, nós não vemos: concentração de poder, e de poder de amparo. 

Nossa espécie nasce tão necessitada de amparo, que pagamos qualquer preço para tê-lo. Se alguém tem o monopólio do nosso amparo (como na paixão, p.ex.), esse alguém adquire um poder sem igual sobre nós: vamos querer agradá-lo, vamos fazer qualquer coisa para que ele não nos abandone, não nos desampare, acima de tudo vamos temê-lo. 

É dai que vem a expressão “temor a Deus”: ele concertava todo o amparo. É só lembrar o que ele fez com Adão e Eva: desobedeceram? Desamparados para sempre…

Essa concentração de poder tem a ver com a política: no governo tirânico, só há um poderoso, e todos o temem. Na democracia, os poderes são três, eles conversam entre si e vigiam para que ninguém se torne monopolista, inibem candidatos a tirano: os direitos são iguais.

(Do meu livro em andamento).






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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

A MELHOR CONTRIBUIÇÃO DA FERNANDA TORRES AO BRASIL…

 


A MELHOR CONTRIBUIÇÃO DA FERNANDA TORRES AO BRASIL…

…é sua capacidade de autogozação. A leveza com que ela ri de si mesma influencia nosso senso comum a valorizar o não levar-se a sério.

Ela pode ganhar o Oscar por um drama, mas já ganhou meu coração por fazer um lindo marketing do “tirar drama” em cada aparição pública que nos faz sorrir. 

Ela abranda o Superego nacional!






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domingo, 23 de fevereiro de 2025

O AMIGO PERGUNTA SOBRE TRAUMA

 



“O trauma é sempre um acontecimento impactante?”

Francisco Daudt: Não. Existem dois tipos de trauma que levam a doenças psíquicas: o trauma original e o trauma atual. O trauma original mal é percebido, pois ele se estende por muito tempo, é uma ameaça surda e muda de desamparo. O trauma atual é sim impactante e momentâneo.

Vamos de exemplo que fica mais fácil. Suponha um clima ruim entre os pais e uma criança. Por algum motivo, ela é rejeitada pelos pais (ou por um deles, ou por quem a ampare na infância: tem que ser um amparo importante). Essa rejeição não é muito explícita, e muito menos explicada. É só um clima ruim com momentos piores. A criança se sente no Processo de Kafka: acusada de algo que ela nem tem ideia do que seja, nem lhe é explicado; mas ela sabe que está marcada.

Esse climão é o trauma original. Veja que ele nem é muito consciente, nem muito claro, nem nada. Ele é um “cozimento em banho-maria”. A criança se sente injustiçada, a injustiça provoca raiva, uma raiva que ela não pode ter, caso contrário será desamparada. 

Para agravar, há a tensão da perplexidade, da coisa intrigante e assustadora, aquilo que é claramente importante mas não entendemos, e por isso nos assombra. Essa indigestão mental recebe o nome de TRAUMA ORIGINAL.

Um dia, uma barata entra voando em casa e vai pra cima dela. A partir desse dia ela passa a ter fobia de baratas. 

Esse é o trauma atual: ele pegou aquele drama incompreensível do trauma original e deu-lhe sentido: “Ah, agora eu sei qual é o meu problema: não é nada com meus pais, imagine, eles me amam. Meu problema são as baratas”. O TRAUMA ATUAL é o desencadeante da neurose.

É esquisito, mas a doença neurótica acaba sendo um alívio, um mal menor administrável (basta fugir das baratas) que substitui o maior, impossível de administrar.

(Do texto base da Psicanálise do Superego do aplicativo DrDaudtAI)





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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

VÍCIO EM ACUMULAÇÃO


Um de seus motivadores parte da ideia obsessiva de que algo pode ser ainda útil, um dia, e pode inabilitar a casa para outros usos que não o de depósito. Há sempre uma explicação racional para isso.

Nos EUA, não é incomum que cadáveres de acumuladores sejam descobertos, sepultados por seus objetos. Lembrando: a linha que separa o hábito do vício é o dano causado. Vício causa dano. Atualmente, com as compras online, o vício da acumulação costuma vir junto com o vício do consumo compulsivo.

Outro componente importante, talvez o principal, do vício da acumulação, é a postergação, ou procrastinação: o jogar fora pode ser uma tarefa imposta pelo Superego, diante da qual a transgressão vira “ah, dane-se, depois…” É claro que, quanto mais a acumulação aumenta, mais vontade de postergar sua solução aparecerá.

Um agravante para essa postergação é a boa intenção de preservar o meio-ambiente através do descarte seletivo, pois ele dá tanto trabalho que a vontade de deixá-lo para depois aumenta.





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SUBSTITUIR OS PSICANALISTAS?

 


O AMIGO PERGUNTA

“O seu aplicativo DrDaudtAI se autodenomina como um psicanalista de bolso. Ele está construído para substituir os psicanalistas?”

Francisco Daudt: Não está. O propósito é aumentar e democratizar o alcance da psicanálise pelo uso da Inteligência Artificial. É ter uma ferramenta acessória, tanto para o psicanalista quanto para seus clientes, que os ajude a ter um foco maior no diagnóstico e busca de cura das doenças psíquicas.

Mas a sua questão tem toda a pertinência. O surgimento da IA vai causar uma mudança muito grande em quase todas as profissões, a de psicanálise inclusive.

Aliás, já está causando: o Chat GPT tem sido usado como “chat gpterapêuta” por um número cada vez maior de pessoas que não têm acesso a outro tipo de terapia. Ele é de graça e conversa com o usuário. É claro, como ele usa qualquer coisa da rede a que tem acesso, suas respostas são as mais diversas, do espantoso ao desastroso.

Ao construir um aplicativo de psicanálise, eu fiz para ele um texto base com um roteiro para diagnóstico e tratamento das doenças psíquicas que a psicanálise alcança, um texto que utiliza a Psicanálise do Superego que desenvolvi a partir da psicanálise de Freud.

Com isso, eliminamos as batatadas do GPT e damos boa base para a pessoa fazer esses tipos de uso:

1. Voltado para profissionais da área: pesquisa teórica e supervisão de seus casos clínicos.

2. Voltado para o usuário não profissional: terceiro interlocutor para sua própria terapia, em que ele possa ver em casa o que quer discutir em análise.

3. Voltado para o público em geral: lugar básico de consultas sobre os problemas que lhe afetam, ou afetam seus próximos, o que pode eventualmente lhe despertar o desejo de conversar pessoalmente com um terapeuta.

4. Esse é o meu predileto: o cliente de psicanálise usa-o junto com seu próprio psicanalista, estimulado e sugerido por ele, um psicanalista que gosta desse lugar partilhado, um lugar que dilui sua possível posição de Superego de seu cliente.




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O QUE ESTÁ A NOSSO ALCANCE?

 


Tolerância dentro das relações pessoais. Querer ouvir a outra parte. Não querer exterminá-la. Não aceitar o convite para o ódio. Parece fraco? Pense bem: nosso alcance são as pessoas do nosso convívio, familiares, amigos, gente com quem tivemos bom encontro afetivo.

Como todos, também fui alcançado pelo acirramento político do “nós contra eles” nas minhas relações pessoais/familiares. Tenho me esforçado para não julgar, não falar mal, procurar outros assuntos a partilhar, outras zonas de encontro, áreas de diálogo.

Não há como converter crentes, é só desgaste, é uma sedução para nos pormos na posição do Superego.

Outra coisa é a hora de votar, ou quais políticos apoiar.




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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

PALMADA

 


O AMIGO PERGUNTA 

“Palmada forma Superego? O que forma o Superego?”

FD: É curioso, mas o senso comum impôs aos pais duas coisas que não existiam na minha infância: o horror ao castigo físico, como se fosse alguma espécie de crime, e a obrigatoriedade de “ser amiguinho” dos filhos, de dizer-lhes “eu te amo” o maior número de vezes possível.

Não adianta fazer a defesa da palmada: nesses tempos patrulhados, ela não voltará nunca mais. Porém… havia nela virtudes, que eram a clareza entre crime e castigo (“eu fiz merda - eu levei palmada”), a dosimetria da penalidade era justa (nenhuma palmada machucava, só assustava; a pena se encerrava no ato, não haveria caras e bocas depois, não durava mais que seu segundo, não havia prolongamento nem “clima”).

Não havia na palmada o principal elemento formador do Superego: a ameaça velada de desamparo que o silêncio, o gelo e a cara fechada trazem. Eles contêm uma falta de clareza, uma falta de relação crime/castigo que produzem efeitos duradouros: como a dosimetria da pena é injusta (“tudo isso só porque eu deixei cair a xícara?”), o ressentimento/raiva despertados não são claros, não há advogado de defesa, paira um sentimento de dívida, de estar em falta, de medo de que “não gostem mais de mim”. É o desamparo. É ele que vai formar o Superego, por medo inconsciente do desamparo.

Ok, tiraram a palmada de cena, mas… não houve substituição educativa justa e clara como a dela.

————

Quando ao “eu te amo”, nenhuma criança nascida até os anos 1960 jamais ouviu essa frase dos pais. Ela era desnecessária. E pior, quando a frase é dita pela boca, mas a atitude diz o contrário, só causa confusão e desconfiança nos filhos.

Aqui vai o depoimento de Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe Eunice, hoje tão famosa por causa do filme “Ainda estou aqui”:

“Ela não exercia seu afeto por meio de afagos, mas pela praticidade. Nunca me disse “eu te amo, filhinho”. Mas eu sabia que ela me amava, orgulhava-se de mim, sem demonstrar.”




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TRAUMA

 



O AMIGO PERGUNTA

“O que é o trauma, em psicanálise?”

Francisco Daudt: O trauma é um acontecimento recente externo ou interno que impõe na pessoa uma desorganização mental (de seu jeito de pensar) e produz uma reorganização problemática: a doença psíquica.

Ele é o detonador de uma bagunça prévia que pode ter durado anos, geralmente vinda dos conflitos da pessoa com seus amparadores da infância - como os pais, p.ex.

Um exemplo típico é o da fobia: a criança já vinha tendo raiva reprimida contra seu pai, p.ex., quando uma barata entrou voando em casa e veio em cima dela.

A partir daquele momento, a bagunça mental que seu conflito com o pai causava se desloca para seu “conflito” com a barata: “não é meu pai que pode me atacar, eu não tenho nenhum problema com ele. Meu problema é com as baratas”. A raiva do pai foi reprimida e a fobia apareceu em seu lugar.

Então, o voo da barata foi para a criança um trauma. Outras crianças, sem o conflito paterno, poderiam passar pela mesma experiência e simplesmente matariam a barata.

É claro, também existe a síndrome pós-traumática, tipo “neuróticos de guerra”, quando o estímulo atual é tão desestruturante que nem precisa de bagunças prévias para causar a doença. Mas essa é rara, não é tão cotidiana quanto a que gera neuroses e vícios.

E o acontecimento mental, como pode ser traumático? Ah, o melhor exemplo desse são as releituras dos “abusos sexuais da infância”: a criança participou daquela brincadeira divertida com a pessoa mais velha, achou tudo ótimo, inclusive a atenção que recebeu, mas… um dia ela foi informada de que aquilo era um horror, que era pecado, que era uma violência, que podia marcá-la para sempre. A partir daí a coisa é lida como uma bagunça horrível que exige rearrumação mental.

O exemplo clássico é o de Édipo: ele matou um viajante que tentou matá-lo. Foi em legítima defesa, portanto. Ele decifrou o enigma da Esfinge e livrou Tebas de sua praga, foi recebido como herói e forçado a se casar (“como prêmio”) com a rainha viúva.

Até aí, tudo bem, a vida seguia tranquila. Um dia descobre que o cara que matou em legítima defesa era “na verdade” seu pai (biológico) e que a viúva hoje sua esposa era “na verdade” sua mãe (biológica).

Aí se deu o trauma: ele se considerou (ou melhor, seu Superego o considerou) um monstro e cegou-se em automutilação, um vício sadomasoquista gerado pelo trauma daquela “descoberta”.

Nunca vi exemplo melhor das injustiças do Superego do que essa história.




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SOBRE PERCENTUAIS DE DESEJO

 


O AMIGO PERGUNTA

“Eu vi sua postagem sobre percentuais de desejo e fiquei com uma dúvida: sempre olhei só pra mulheres, elas sempre foram a fonte única do meu tesão.

Mas de um tempo pra cá vi uma garota de programa trans na internet e comecei a sair com ela. E agora eu estou adorando, pois descobri que tenho erotismo anal. Significa que eu vou virar gay?”

Francisco Daudt. Não existe isso de virar gay. Fazemos as coisas acontecerem quando motivação, meios e oportunidades se juntam. Pelo que você me contou, apesar de a sua motivação hétero ser de 90%, você vive um monopólio de meios e oportunidade hétero nas mãos da sua mulher, que perdeu o interesse em sexo (a droga da menopausa).

Ao mesmo tempo, seus 10% de desejo homoerótico encontraram meio e oportunidade extremamente favoráveis, pois a moça trans é super legal com você, animada e amiga, ótima parceira de playground. Ou seja, as coisas estão acontecendo.

Você está é deslumbrado com o brinquedo novo, que além de tudo veio melhorar o clima em casa, pois você parou de ficar ressentido com sua mulher, parou de cobrar dela algo que lhe está difícil.

Ainda por cima me transmite sua tranquilidade de que a história com a moça trans não compete nem atrapalha seu casamento, como seria o caso se você arranjasse uma amante.

Pode ser até que ajude a você deixar sua esposa redescobrir o desejo em seus próprios tempos, através da reposição hormonal, sem você ficar lhe enchendo o saco com cobrança.






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GAY ENRUSTIDO?

 


O AMIGO PERGUNTA

João Bandeira: “Você disse que a homofobia é resultado de um medo de uma fração gay da própria pessoa. Quer dizer que o homofóbico é um gay enrustido?”

Francisco Daudt. Não necessariamente. Os héteros sem nenhuma capacidade de desejo homoerótico são apenas 50% da população; assim como os gays sem nenhuma capacidade de desejo hétero são só 3%. O resto tem misturas percentuais variadas.

Como se avalia essa predominância de desejo? Entre os homens, é muito fácil: “para onde vão seus olhos?, que corpos te atraem?”. A resposta a essa pergunta define a predominância hétero ou homoerótica.

Definindo gay como quem tem mais de 50% de desejo homoerótico, um hétero pode bem ter 10% de desejo homoerótico, fazer disso um drama, e em vez de desfrutar desse seu "capital", em vez de fazê-lo render lucro, o coitado pode morrer de medo e entrar em mecanismos de defesa como a projeção, apontar os outros e dizer que "gay é ele, eu não!".

O termo “enrustido” significa que a pessoa tem plena consciência de algo que quer ocultar. Não é o que costuma acontecer com a “turma dos 10%”, pois eles causam mais perturbação do que consciência.






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UMBERTO ECO DEFINE O QUE É UM INTELECTUAL

 


O que é, afinal, um intelectual?

Para Eco, o verdadeiro intelectual não é definido por uma profissão ou classe social. Ele é aquele que “produz novos conhecimentos através da criatividade.”

O exemplo é brilhante:
Um camponês que descobre um novo enxerto capaz de criar uma nova classe de maçãs está, de fato, realizando uma atividade intelectual. Enquanto isso, um professor de filosofia que repete, ano após ano, a mesma aula sobre Heidegger pode não estar sendo um intelectual de verdade.

A chave, então, é a criatividade crítica: a habilidade de questionar, analisar e reinventar aquilo que fazemos.

“É a única régua capaz de medir a atividade intelectual”, conclui Eco.

Trecho inspirado na entrevista com Umberto Eco (1932-2016).






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